Caso 1. Juiz-Advogado

AutorAntonio Carlos da Carvalho Pinto
Ocupação do AutorProfessor de Direito Processual Penal. 'Ex' Coordenador de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP.
Páginas43-46

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Fui nomeado advogado dativo para defender um motorista de ônibus que havia tentado matar o seu chefe, no escritório da empresa, num final da tarde.

A nomeação defluiu de minha apresentação ao Dr. José Fernandes Rama, Juiz-Presidente do 2º Tribunal do Júri, pelo Dr. José Henrique Pierangelli, Promotor de Justiça do 1º Tribunal Popular e meu amigo, desde o curso ginasial.

Quando recebi a incumbência, o julgamento já estava marcado, sendo certo que a acusação recaiu no promotor Ubirajara Montserrat, alto, magro, careca, de soberba oratória, ex seminarista e voz de locutor.

Requeri e obtive cópia integral do processo, "capa a capa", e me apresentei para o julgamento com a veste talar, a "beca", virgem.

O promotor arrolou a vítima para depor em plenário e o réu estava preso há um ano e meio.

A lei processual impunha prisão, obrigatória, de toda pessoa que viesse ser "mandada a júri", sendo certo que

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a antecipada constrição da liberdade se dava no ensejo da prolação da decisão de pronúncia.

Essa decisão/despacho, interlocutório, acontece com a conclusão da denominada "Primeira Fase Processual", depois da coleta judicial da prova testemunhal, diligências e alegações finais, derradeira defesa escrita.

Anteriormente à Constituição Federal de 1988 não havia a garantia do direito ao silêncio, situação que ensejava ao juiz o questionamento de tudo quanto, a seu critério, se revelasse importante para atingir a almejada verdade real, meta do processo penal.

O juiz Fernandes Rama era conhecido e temido pelo rigor com que interrogava tanto os réus como as testemunhas, sendo oportuno salientar que o 2º Tribunal do Júri recolhia a sugestiva adjetivação de "câmara de gás".

Compareci à Sessão Plenária sob acendrado nervosismo, todavia, sabendo o processo "linha por linha", quase de cor, com "roteiro" pronto para sustentar legítima defesa.

O juiz interrogou o réu vagarosamente e o preso reafirmou a versão declinada desde a fase policial, no sentido de haver atirado para se defender, eis que, na verdade, fora o chefe (a vítima) quem, em meio a uma discussão acerca de horário de trabalho, atirou primeiro, mas errou o alvo, ao que se seguiu o tiro que redundou na sua prisão.

O erro na execução, ou erro do alvo, na raiz latina, é chamado de aberratio ictus.

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Em seguida, o Dr. Rama inquiriu o "chefe-vítima", que com firmeza declarou versão diametralmente oposta.

A vítima afirmava que estava apenas admoestando, dando uma "chamada" no réu...

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