Caso 21. DEOPS x DOI-CODI

AutorAntonio Carlos da Carvalho Pinto
Ocupação do AutorProfessor de Direito Processual Penal. 'Ex' Coordenador de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP.
Páginas215-227

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Outra vez, as pedras...

Não era bonita, todavia, insinuante e de personalidade fortíssima, desde a adolescência Denise tinha verdadeira obsessão por arma, de onde seguiu que, em grande parte da vida, seu relacionamento social se desenvolveu em ambiente militar e policial.

Namorou, noivou e se casou com um "aspirante" do Exército que fez carreira, galgando o Oficialato.

Por conta da profissão, o casal foi residir na Vila Militar, no Rio de Janeiro, ocasião em que o marido deu violenta "surra" na mulher, por questão de ciúme, emergido no "cassino" do Clube dos Oficiais.

Atingido o objetivo profissional, o Oficial voltou para São Paulo galgando a patente de Capitão, sendo destacado para dirigir a Segunda Secção do Segundo Exército, na Capital, função de direção do "Serviço de Informações", literalmente jungido ao famoso DOI-CODI, como já visto, umbilicalmente ligado ao DEOPS, Delegacia de Ordem Política

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e Social, chefiada pelo Delegado de Polícia Sérgio Paranhos Fleury, aquele mesmo do "Esquadrão da Morte".

A mulher do Oficial, com o tempo, tornou-se amiga do citado Delegado e passou a gozar de grande influência em setores da Polícia Civil.

Essa amizade chegou ao nível de permitir a Denise inter-ferir em promoções e remoções de delegados, investigadores e escrivães, de um distrito para outro.

Era poderosa!

O objetivo maior, tanto do DOI-CODI como do DEOPS, centrava-se nas capturas de dois líderes comunistas, de sobrenomes Lamarca e Marighela.

O casal residia em apartamento e acabou se separando, depois de uma briga, derivada de ciúme do varão.

Poder ditatorial:

Passado ano e pouco, por incrível, o Oficial se apresentou à Autoridade Policial do Quarto Distrito da Capital e, munido de uma radiografia da coluna vertebral e um "atestado médico", exigiu e obteve a elaboração de um "Boletim de Ocorrência", para averiguação de "tentativa de homicídio" praticada por Denise, em face de disparo de arma de fogo, nas costas e pelas costas, no interior do apartamento, fato ocorrido ao tempo da vida matrimonial.

Assim, por incrível, dezesseis meses após a suposta ocorrência do suposto crime ocorreu a instauração de Inquérito Policial, quando Denise acabou sendo indiciada, interroga-

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da e, ouvido o médico, os autos foram para o Fórum, de onde se seguiu denúncia e processo criminal, sob acusação de homicídio qualificado, tentado.

Denise procurou o advogado Hélio Bialsky, quem, sabedor da força e do temperamento do Oficial, com sábia premonição, indicou outro advogado para promover a defesa da ré.

Interrogada pelo juiz Manoel Abrantes, a acusada negou, terminantemente, a autoria.

Após o interrogatório judicial, tão logo ela e seu defensor deixaram o prédio do Fórum, ali mesmo na calçada da Rua Onze de Agosto, o Capitão, sedizente vítima, aproximou-se e, em público, aplicou violento "pé no ouvido" do advogado.

Essa pública agressão, esse fato, nunca foi submetido a qualquer providência policial e, apenas, culminou na renúncia do causídico que, a partir de então, abandonou a advocacia criminal para se dedicar ao trato de questões cíveis.

Nesse clima, sem defensor, o amigo comum Hélio Bialsky indicou-me para defender a ré, insistindo no meu aceite, adiantando uma peculiar "solução", para que eu não corresse o risco de ser agredido pelo Oficial, hipótese que redundaria em natural revide e graves consequências.

A estratégia urdida por Hélio foi deixar Denise sem advogado, por uns dias, entretempo em que sugeriu meu nome ao juiz Veiga de Carvalho que, por falta de advogado

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constituído, nomeou-me "defensor dativo", ou seja, advogado oficial e gratuito.

Assim "nomeado", aceitei a causa.

No bojo...

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