Caso 3. Advogado-Burro

AutorAntonio Carlos da Carvalho Pinto
Ocupação do AutorProfessor de Direito Processual Penal. 'Ex' Coordenador de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP.
Páginas53-65

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No quinto ano da faculdade, como era tesoureiro do Diretório Acadêmico, participei da coordenação da "Semana de Estudos Jurídicos", atividade anual e tradicional, que teve como principais convidados o ministro Nelson Hungria e o professor, escritor, mestre e advogado Paulo José da Costa Júnior.

Participou, ainda, o criminalista mineiro João Alami Filho, advogado no "Caso dos Irmãos Naves", havido como o maior erro judiciário do Tribunal do Júri da justiça brasileira.

Alugamos um cinema e pudemos ver o filme "Irmãos Naves", antes da conferência do simpático advogado.

Naquela Semana Jurídica, com meu amigo e colega de classe, José Renato Nalini, sempre o primeiro aluno, por isso, não por acaso, "colecionador" de vitórias e atualmente desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sustentamos e obtivemos aprovação da tese "O Escabinado no Júri Popular", relevando esclarecer que, nesse sistema, o "Conselho de Sentença" é misto, formado por cidadãos leigos e magistrados de carreira.

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O renomado criminalista Paulo José levou consigo um primo, também advogado criminalista, chamado Kleber Meneses Dória, alto, magro, grisalho, muito falaz e "cheio de si".

Após a conferência, com alguns colegas, fomos jantar com o professor e o advogado Kleber, sendo certo que, enquanto o mestre pouco falou, o criminalista deitou falação sobre as vitórias que sempre conquistava nos Júris da Capital.

Nesse meu terceiro júri, eram corréus um casal de amantes, Zumba e Cleide, ambos presos, acusados de, previamente ajustados e com unidade de propósito, haverem assassinado a vítima a pauladas, numa casa em construção, no bairro de Itaquera.

O varão era "reincidente específico", recém-saído da Casa de Detenção, enquanto que a amante era uma baiana, baixinha, muito falante, fogosa e fofoqueira, de apenas 22 anos, que trabalhava como "camareira" num "flat" no bairro da Bela Vista, sendo primária e sem antecedente criminal.

Ambos negavam a autoria do homicídio, duplamente qualificado, com pena corporal de doze a trinta anos.

O Juiz-Presidente foi o Dr. José Fernandes Rama e o pro-motor, Rubens Marqui.

Como Defensor "dativo-gratuito", coube-me defender a corré Cleide, enquanto a defesa do corréu Zumba ficou a cargo do criminalista Kleber.

Dias antes do julgamento, fui avisado pelo Dr. Kleber de que ele havia solicitado ao Promotor de Justiça que o júri fosse cindido e cada um dos corréus fosse julgado in-

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dividualmente, mas tal proposta fora recusada pelo Minis-tério Público.

Diante dessa situação, nós, advogados, combinamos que a "cisão" seria efetivada, independentemente da vontade do promotor, no momento das "recusas dos jurados".

Tecnicamente,

Para que a sessão tenha início, é imprescindível a presença de, no mínimo, quinze dos vinte e cinco jurados convocados, dentre os quais são escolhidos os sete que formam o "Conselho de Sentença".

No momento da composição do Conselho, tanto a defesa como a acusação podem recusar, imotivadamente, até três jurados, sendo certo que, sempre, a primeira recusa é concedida à defesa, e, em seguida, ao Ministério Público, que pode concordar ou discordar da posição defensiva, em igual número de recusas.

Concordando as partes, defesa e acusação, o jurado estará aceito, para compor o Conselho de Sentença.

Discordando, o jurado estará dispensado.

Como o limite de cada parte se esgota na terceira recusa e como cada defensor pode exercer esse direito individualmente, segue-se que, matematicamente, a cisão do julgamento está sempre nas mãos da defesa, até porque, mesmo que a acusação "acompanhe" as recusas, num determinado momento, persistindo discordância entre os defensores, o Promotor de Justiça terá completado o seu número de recusas e, aí, o julgamento

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estará necessariamente cindido, desde que subsista discordância entre os advogados, até o sétimo e último jurado.

Neste caso, a obtenção forçada da Cisão do Julgamento haveria de se dar pela seguinte forma:

A escolha é realizada, jurado por jurado.

Assim:

Jurado nº 1 - Kleber recusa. Eu aceito. Ministério Público recusa. Jurado dispensado.

Jurado nº 2 - Kleber recusa. Eu...

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