CASO 34. Júris de Orlando

AutorAntonio Carlos da Carvalho Pinto
Ocupação do AutorProfessor de Direito Processual Penal. 'Ex' Coordenador de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP.
Páginas311-332

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Caso Júri Roubado

Comento, agora, esse primeiro júri, do meu cliente Orlando.

O interrogatório foi um "massacre".

A única testemunha de acusação foi obstinadamente induzida para acusar Orlando, como passageiro do veículo utilizado pelo "autor material" do único tiro disparado, esclarecendo que, de fato, havia reconhecido o réu por fotografia, depois que um policial falou que "era ele", mas não tinha certeza.

Não obstante, depois de assim testemunhar, em plenário, forçada pelo juiz e sob meu veemente protesto, a testemunha acabou por "reconhecer" o réu, afirmando "com certeza e sem sombra de dúvida" que Orlando era o passageiro no carro de onde partiu o disparo fatal.

Houve réplica e tréplica.

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Faltando "meio minuto" para o encerramento do meu derradeiro discurso, ressaltei aos jurados a nenhuma importância da "matéria jornalística" sobejamente explorada pela acusação, bastando refletir que, durante todo o interrogatório, o magistrado não havia feito nenhuma pergunta sobre o "episódio Brasília".

O "tiro no pé"!

O normal era que os debates fossem havidos "por encerrados" e o próximo passo seria a "explicação dos quesitos", sala secreta, votação e sentença.

Não foi o que aconteceu.

O juiz, sobrenome Caciolari, mandou colocar o réu novamente à sua frente e procedeu a "novo interrogatório", repetindo tudo desde o começo, para terminar com o questionamento acerca da tal "Comissão Parlamentar de Inquérito", com especial atenção nos quinhentos quilos mensais de cocaína, "distribuídos às famílias paulistanas".

O resultado, à evidência, foi a condenação e Orlando voltou para o "Piranhão", em Taubaté.

O presídio "Piranhão", ou seja, a "Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté", foi o "berçário" do temido "PCC", absurdamente dirigido pelo Sr. Ismael Pedrosa, ninguém menos que o "ex" diretor do "Carandirú", ao tempo do histórico Massacre dos 111 presos.

Esse Diretor Ismael, tempos depois, já aposentado, acabou assassinado, a tiros de fuzil.

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Detalhe:

Depois desse júri popular, fiquei sabendo que o tal juiz-presidente desse verdadeiro "justiçamento", antes de se tornar magistrado, era Oficial da Polícia Militar.

A partir daí, restou evidenciado o verdadeiro motivo do interesse e "carinho" do juiz-interrogante acerca daquele processo, que referiu à tentativa de extorsão, praticada pelos seus "ex" colegas de farda.

Oportuno registrar que, às partes eram vedadas quaisquer re-perguntas ao réu, absurdo muito bem corrigido a partir da Reforma Processual referida no Apenso.

Caso Sequestro Imaginário

Inauguração do Tribunal do Júri, no prédio "Ministro Mário Guimarães", o "maior Fórum da América Latina", situado no bairro "Barra Funda".

A juíza-presidente chamava-se Elizabeth, "baixinha", educada, simpática e, como eu, era "fumante inveterada".

Promotor, o conhecido, respeitado e afamado Dr. Roberto Tardelli, culto, rigoroso e, sobretudo, leal.

No dia e hora marcados para o julgamento do meu cliente Orlando, ao me aproximar do prédio da "Barra Funda", deparei-me com inúmeros policiais militares do "Pelotão de Choque", vestidos com "farda de campanha", portando metralhadoras.

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Pensei que se tratasse de algum julgamento de militar e dirigi-me para o segundo andar, onde se situam o Cartório e os cinco ou seis "plenários de júri", oportunidade em que observei um militar à cada dez metros, por isso que logo imaginei fosse acontecer alguma solenidade, em conta da "inauguração dos plenários", marcada para o mesmo dia.

Assim, sempre "escoltado" pelos policiais militares, adentrei ao plenário.

Sob perplexidade, atônito, deparei-me com a juíza Elisabeth sentada à mesa principal e, em cada canto do salão, um militar portando metralhadora.

Só então, "caiu a ficha".

Cuidava-se do Orlando, citado pelo "Estadão"!

O caso a ser julgado centrava-se no homicídio de um residente na "Favela Mata Porco", na Zona Leste, sendo que a vítima atendia pelo apelido de "Ceguinho".

Esse homicídio era outro "fruto" daquela "árvore" de "casos", de "autoria desconhecida", vingança prometida pelos militares denunciados naquela "tentativa de extorsão" do veículo e da cocaína "plantada" na casa de Orlando.

O inquérito havia fluído no "DHPP" e na instrução policial haviam sido ouvidos dois policiais militares, além da mãe e a mulher da vítima, o "Ceguinho".

Arrolei para testemunharem em plenário um militar, a mãe e a mulher do defunto.

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Não sabia que a testemunha-militar, desde algum tempo, estava lotada no "Batalhão de Choque" e que a presença dos policiais do "Choque" deveu-se à solicitação do promotor Roberto Tardelli, em razão de comunicação formal do "Serviço Reservado da Corporação", no sentido de que, naquele dia, seria praticado o "sequestro" de Orlando, na chegada ou na saída do preso.

Nesse "quadro", tudo por tudo "animador", a sessão foi inaugurada, assim também o "novo plenário", após soleni-dade havida na parte da manhã.

Orlando foi interrogado, negou a autoria, confirmou a "tentativa de extorsão" e concluiu afirmando que jamais havia pisado na "Favela Mata Porco", nunca tinha visto a vítima e que o seu "reconhecimento fotográfico" decorria de indução e "perseguição" dos policiais civis do "DHPP".

A mãe e a mulher da vítima afirmaram que jamais viram ou conheceram o réu, asseverando, ambas, haverem sido "forçadas" a reconhecer a fotografia de Orlando, chegando ao ponto da velha e humilde senhora esclarecer que, no Departamento Policial, "ficou tão apavorada que urinou na calça".

A sessão já alcançava as vinte e duas horas quando a juíza-presidente suspendeu os trabalhos "para o jantar" e para que os jurados fossem conhecer os "aposentos dos jurados", com previsão de continuação a partir das nove da manhã do dia seguinte.

Antes do jantar ser servido, estávamos indo na direção dos aposentos dos jurados, todos, juíza, jurados, promotor e eu, quando adveio uma estridente explosão, com todo o prédio às escuras, apagão, correria de policiais e funcionários, até gritos de pavor.

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Passados segundos, o promotor Tardelli exclamou:

- É o sequestro, vamos sair daqui, que a confusão está armada!

Saímos pela "garagem", escoltados, e esse julgamento ficou literalmente "implodido".

O promotor e eu fomos diretamente para o "Gigetto", local de onde Tardelli ligou, ficou sabendo e me comunicou que o "apagão" decorreu de um "curto" na fiação central do "ar condicionado" e não de "tentativa de sequestro", como todos nós havíamos imaginado.

Novo Julgamento

Marcada nova data e novo júri, tudo se repetiu, Orlando foi absolvido, por unanimidade, sem apelação.

Não por conta do resultado, mas, pelo comportamento ético, tornei-me "fã" do Promotor Tardelli!

Roberto Tardelli despediu-se do Ministério Público e aden-trou a Advocacia para engrandecer a Ordem dos Advogados, circunstância que me permite, como veterano, sem trote, recebê-lo de braços abertos, até porque, a meu sentir, a Tribuna da Defesa será saborosa e fértil moradia para...

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