Caso 41. Advogado-cachaceiro

AutorAntonio Carlos da Carvalho Pinto
Ocupação do AutorProfessor de Direito Processual Penal. 'Ex' Coordenador de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP.
Páginas369-372

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O advogado e meu amigo José Valdir, embora muito bem sucedido na área cível, não obstante, sentia-se frustrado por não haver conseguido realizar um grande sonho, alimentado desde os bancos acadêmicos.

Queria compartilhar um júri popular.

Chegou esse sonhado dia.

Um guarda de uma empresa de segurança, cliente do escritório do "ZÉ", estava sendo processado por tentativa de homicídio, praticada contra um rapaz de dezesseis anos de idade.

Na versão do segurança, dias antes do fato, no período noturno, perto de 22:00 horas, três rapazes passavam defronte da empresa sob seus cuidados quando um deles deu vários pontapés na porta, sendo todos severamente advertidos.

A prova, tanto no inquérito como na instrução judicial, era literalmente conflitante.

De um lado, a vítima e seus amigos negavam a estória dos chutes, não obstante confessassem que a empresa sob a guarda do réu era mesmo passagem obrigatória, tanto na ida como na volta da escola.

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De outro lado, o réu afirmou que, após aquele fato havido na porta do estabelecimento, havia "ficado na espreita" e que, no dia e hora narrados na denúncia, ao ser visto pelos mesmos rapazes e deles se aproximar para "fazer amizade", a vítima, sem motivo, depois de dizer que "não conversava com guardinha", fez gesto de sacar uma arma, momento que atirou para se defender, acertando o ombro do rapaz.

O réu, temeroso, "fugiu do flagrante" e havia aguardado o julgamento em liberdade.

Desde o inquérito até a decisão de pronúncia, os procedimentos foram acompanhados por José Valdir, sendo certo que a tese da legítima defesa própria, calcada no "gesto ameaçador", sinalizador de agressão iminente, foi rejeitada pelo juiz da instrução.

Realmente, a decisão de pronúncia que mandou o réu a júri popular, no caso, agasalhou integralmente a denúncia por tentativa qualificada, pelo motivo fútil e recurso que impediu a defesa da vítima.

Marcado o júri, só então fui lembrado e contratado para compartilhar o "sonho" do meu amigo.

O promotor arrolou a vítima e um dos seus companheiros para deporem em plenário.

Como as testemunhas de defesa eram, todas, de antecedentes, ninguém foi arrolado para o júri popular.

Previamente ajustados, a defesa ficou assim dividida:

José Valdir insistiu em sustentar legítima defesa própria, prevista no artigo 23, inciso II, do Código Penal, com supe-

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dâneo na "frase" atinente ao "guardinha" e, sobretudo, no "gesto" ameaçador.

A mim cabia sustentar legítima defesa...

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