Caso 42. Gargalhada

AutorAntonio Carlos da Carvalho Pinto
Ocupação do AutorProfessor de Direito Processual Penal. 'Ex' Coordenador de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP.
Páginas373-378

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A Lei nº 5.726/71, como registrei, muito severa, tratou da "questão do entorpecente", tanto no que refere à prevenção e repressão, como cuidou das penas, regulando o "procedimento", ou seja, a forma, como aqueles crimes passaram a ser formalmente apurados e punidos.

Essa norma, mista, promulgada em plena ditadura militar e sob a inspiração da lei de segurança nacional, estabeleceu o chamado "rito concentrado".

Em face dessa concentração, uma pessoa presa e autuada numa sexta-feira tinha de ser apresentada ao juiz na segunda e, se denunciada pelo promotor, era logo interrogada pelo magistrado, tudo no mesmo dia.

Exatamente numa sexta, fui chamado ao "Denarc" para atender um traficante-viciado chamado Celso Papa, vulgo "Bororó", que havia sido preso em sua residência, guardando razoável quantidade de "maconha e cocaína", para venda e uso próprio.

Apresentei-me ao investigador-chefe, de prenome Álfio e logo fui até o "corró", ou seja, a cela onde o "Bororó" estava

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"guardado", sendo certo que, dada à minha condição de "curador", conhecido no Departamento de Entorpecentes, por isso, e só em conta dessa atuação profissional gratuita, foi-me permitida entrevista com o preso, sem nenhum acompanhante-policial.

Desde logo "Bororó" relatou as circunstâncias acerca da forma e modo como sua residência havia sido invadida, sem "mandado judicial", relatando que o Álfio havia "apreen-dido" sessenta mil reais (valor de hoje), além de um "toca disco" importado, esclarecendo que eu podia ficar com essa importância como pagamento dos honorários.

Retornei ao chefe dos investigadores e perguntei sobre o dinheiro.

Obtive resposta positiva, sendo esclarecido que não havia "nenhuma formalização de apreensão", oportunidade que propus que a "grana" fosse repartida, meio a meio, para que eu efetivasse a defesa, na segunda ou terça feira, quando da "audiência judicial de apresentação", como antes mencionada.

Nesse momento, na sala cheia de "tiras" participantes da "exitosa diligência", o chefe, com uma estrondosa "gargalhada", exclamou:

- O Carvalho Pinto quer que nóis vumita a grana, quá, quá, quá, muitas vezes. (ipsis verbis)

Naturalmente humilhado, redargui:

- É brincadeira!

Depois de ler o "Auto de Prisão em Flagrante", fui me despedir do "Bororó", ocasião em que relatei ao preso tudo quanto havia falado e ouvido do chefe-ladrão.

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O "Pulo do Gato":

Naquele ensejo, orientei-o no sentido de que iria chamar um advogado para me auxiliar...

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