Catolicismo e Representação Política no Pensamento de Carl Schmitt

AutorAlexandre Douglas Zaidan de Carvalho
CargoDoutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília/UnB, mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Recife/UFPE e bacharel pela Universidade Católica de Pernambuco
Páginas6-21
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, v. 5, n. 1, p. 6-21, jan.-jun., 2021 | ISSN 2595-0614
6
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade
CATOLICISMO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO PENSAMENTO DE CARL
SCHMITT
CATHOLICISM AND POLITICAL REPRESENTATION IN THE CARL
SCHMITT´S THOUGHT
Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho1
RESUMO: O artigo trata da relação entre o catolicismo e a natureza do político em Carl
Schmitt, investigando as noções de complexio oppositorum e representação, trabalhadas na obra
Catolicismo Romano e Forma Política, e qual a sua influência para o estabelecimento do
vínculo entre uma típica racionalidade jurídica presente no modo hierárquico de organização
da Igreja católica e a ideia de representação política. O objetivo do trabalho é entender parte da
crítica schmittiana ao funcionamento das democracias liberais a partir da consideração de que
na articulação entre a representatividade católica e o poder estatal restaria o sentido do político,
cuja reprodução estaria incapacitada pelas instituições modernas em virtude da negação
discursiva da validade de uma dimensão teológica como essencial à dinâmica funcional
institucionalizada do poder político, característica do processo de secularização e diferenciação
social na modernidade.
Palavras-chave: Religião e Política. Racionalidade. Representação.
ABSTRACT: The article deals with the relationship between catholicism and the nature of the
political in Carl Schmitt, investigating the notions of representation and complexio
oppositorum, discussed in the essay of Roman Catholicism and Political Form, and what their
influence to establish the link between a typical legal rationale present on the mode of Catholic
Church’s hierarchical organization and the idea of political representation. The objective is to
understand the critics schmittian functioning of liberal democracies from the consideration that
the relationship between the catholic representative and state power would remain in the
political sense, whose reproduction would be unabled by modern institutions because of the
discursive denial of the validity a theological dimension as essential to the functional dynamics
of institutionalized political power characteristic of the process of secularization and social
differentiation in modernity.
Keywords: Religion and Politics. Rationality. Representation.
INTRODUÇÃO
“Com cada mudança da situação política, são mudados aparentemente todos os
princípios, fora um único: o poder do catolicismo.” Esta frase poderia muito bem ter sido dita
por um protestante no século XV em oposição à estrutura dos tribunais de inquisição da Contra-
1 Doutor em Direito, Estado e Constituição p ela Universidade de Brasília/UnB, mestre em Direito Constitucional
pela Faculdade de Direito do Recife/UFPE e bacharel pela Universidade Católica de Pernambuco. Foi bolsista no
Programa de doutorado sanduíche da CAPES 2014/2015 (BEX 14818/13- 2) no Departamento de Direito
Constitucional da Universitat Pompeu Fabra. É pesquisador do grupo de pesquisa em Política e Direito, da
Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Tem interesse de pesquisa na área do direito constitucional e da
sociologia do direito, com enfoque na teoria da constituição, jurisdição constitucional e no funcionamento do
sistema de justiça no Brasil.
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, v. 5, n. 1, p. 6-21, jan.-jun., 2021 | ISSN 2595-0614
7
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade
Reforma, ou quem sabe atribuída a um revolucionário bolchevique contra a antiga aliança entre
a Igreja e o regime czarista, como expressão do dogma marxista de que a religião seria o ópio
do povo.
Ela foi escrita, contudo, pelo filósofo e jurista alemão Carl Schmitt2, num ensaio
publicado originalmente em 1923. A religiosidade católica e a ligação do autor com o
movimento de intelectuais conservadores da República de Weimar parecem contrastar com o
sentido daquela expressão contida em Catolicismo Romano e Forma Política, mas, assim como
em outros textos de Schmitt, revela a ambiguidade do seu pensamento quando se trata do tema
das relações entre política, religião e direito.
Resgatado ultimamente como um texto fundamental para a compreensão da teoria
política schmittiana, o livro sobre a natureza jurídica da Igreja Católica como instituição traz
duas interessantes noções sobre a influência do catolicismo na organização política do Estado
na modernidade: a ideia de Igreja como complexio oppositorum, capaz de agregar sob sua
unidade os distintos conflitos e interesses da sociedade; e de representação, princípio que
incorpora um ethos da convicção, cuja permanência encontra-se apenas num plano simbólico e
invisível, mas é capaz de legitimar a autoridade e a sobrevivência universal do “político”, que
para o autor restava combalido pelo predomínio da técnica e da economia liberais.
Procurando compreender o significado de representação na citada obra de Schmitt, este
artigo buscará descrever em que medida é possível identificar um conflito entre a ideia do
político em Schmitt e a noção de modernidade como consequência da Reforma protestante e
secularização da política em Max Weber, cuja descrição do declínio da religião como condição
de autonomia das demais esferas sociais causaria o esgotamento do sentido da política, desde
uma visão schmittiana.
O CATOLICISMO COMO FORMA DE ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO
PENSAMENTO DE CARL SCHMITT
Após décadas de esquecimento, muito em função de sua frequente relação com o
nazismo3, o pensamento de Carl Schmitt tem sido revigorado por parte da teoria política
contemporânea como um dos mais consistentes ataques ao formalismo das democracias
liberais, que, a despeito de organizarem um sistema de participação baseado no voto e
2 SCHMITT, Carl. Catolicismo Romano e Forma Política. Trad. Alexandre Franco de Sá. Lisboa: Hugin Editores,
1998, p. 8.
3 A polêmica adesão ao regime, situação que o alçou de jurista e intelect ual do Terceiro Reich à prisão e
condenação ao ostracismo de suas ideias políticas, fez com que os escrito s de Schmitt retornassem às discussões
sobre teoria política apenas durante a década de 1970 e, em especial, nos anos 1980 (FERREIRA, 200 4a, p. 30).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT