Causas Interruptivas da Prescrição

AutorHeráclito Antônio Mossin/Júlio César O.G. Mossin
Ocupação do AutorAdvogados criminalistas
Páginas151-188

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A primeira situação que merece ser enfrentada é procurar estabelecer por quais razões ou fundamentos que houve a criação normativa das causas que interrompem o espaço temporal prescribente.

Está assente no assunto jurídico dissertado que o Estado, uma vez transcorrido certo espaço temporal, demonstra que tem desinteresse em punir o autor do fato criminoso, que, por sinal, não pode ficar à disposição da Justiça por tempo indeterminado. Assim, impõe-se que os órgãos que representam o Poder Judiciário adotem mecanismos para fazer com que o processo-crime se finde o mais rápido possível, tornando o direito penal uma realidade, o que se aperfeiçoa com a imposição da sanctio legis e seu efetivo cumprimento.

Entretanto, em sede de decurso de tempo, que é um fator objetivo no campo prescricional, o Estado, procurando acautelar seu interesse punitivo, limita a fluência do prazo que conduz à extinção da punibilidade, construindo momentos de interrupção. Trata-se, sem qualquer dúvida, de autêntica providência de caráter legislativo visando suavizar a falta de interesse estatal em deixar de punir aquele que transgrediu preceito penal.

Do ponto de vista de fundo, ontológico, não se revela injustificável que o legislador ordinário procure abrandar, atenuar a amplitude do espaço prescricional estabelecendo marcos descontinuativos de sua fluência. Isso porque, se até o instante temporal legislativamente demarcado não houve a concreção da prescrição, a tolerância estatal quanto ao seu não interesse de punir o transgressor do fato delituoso deve cessar, abrindo-se um prazo ex novo. E assim, sucessivamente.

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Isso ocorrendo, indubitavelmente o Estado não deixa de preservar sua obrigação quanto ao uso de meios persecutórios visando reprimir a conduta contra ius do autor do fato punível, o que é de interesse público, bem como continua a possibilitar que haja a extinção da punibilidade por intermédio da prescrição na eventual possibilidade de os órgãos persecutórios estatais não conseguirem seu objetivo, quer em torno da ação penal (pretensão punitiva), quer no que diz respeito à própria execução da sanctio legis (pretensão executória).

À luz da realidade não seria conforme ao direito, ao interesse comunitário, à própria administração da justiça, que não se estabelecesse marco interruptivo para o prazo prescricional, que fluísse sem que houvesse cessação. A falta de interesse de punir do Estado, ligado que seja a fatores de ordem psicológica e de interesse do próprio agente que teve comportamento que encontrou adequação no tipo penal de regência, não pode ser descomedido, revelador de total negligência estatal no cumprimento de seu dever constitucional.

Inexoravelmente, havendo a previsão normativa de interrupção do lapso prescribente, reacende a vontade do Estado em exercer o ius puniendi a ele confiado de maneira exclusiva e privativa.

Em sede doutrinaria, procede de Anibal Burno o seguinte magistério: na interrupção, salvo a hipótese de reincidência, em que se revela a maior severidade do pensamento penal e a preocupação de dar o necessário resguardo à segurança comum, em face da manifesta perigosidade do réu, há um ato do poder público em que se exprime a vontade de exercer a função punitiva do Estado, o que exclui logicamente a prescrição.212No âmbito da matéria em análise, é oportuno trazer à baila os entendimentos de Alberto Silva Franco e Rui Stoco, verbum ad verbum:

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O curso prescricional, uma vez iniciado, pode ser interrompido pelas causas previstas no art. 117. São atos e fatos que demonstram o empenho do interesse do Estado em exercer o poder punitivo e que, justamente por isso, afastam a possibilidade de inércia e de desinteresse que estão na base da ideia da prescrição. Considera-se que o cidadão acusado tem o direito a uma solução da demanda em prazo razoável. Daí a deter-minação, pela lei, no tempo máximo em que cada uma das etapas do processo terá que ser concluída.213

O legislador penal, em preceito específico (art. 117), arrolou, de modo tarifário, as situações que proporcionam a interrupção do lapso prescricional, quer em sede de prescrição da pretensão punitiva, quer em termos da pretensão executória.

Com efeito, “as causas interruptivas do prazo prescricional previstas no Código Penal são taxativas, não admitindo ampliação e nem interpretação extensiva”214.

Tendo em linha de consideração o assunto jurídico discursado, é imprescindível que sejam feitas considerações mais profundas em torno da expressão interrupção, para que se possa entender de maneira bastante profícua os fins de tais causas.

Do latim interruptio, do verbo interrumpere (romper a continuidade, cortar), entende-se toda parada, interpolação, descontinuação, in casu, da fluência do prazo prescricional.

Desse modo, o espaço prescribente cessa de correr de maneira contínua, para que, após este interregno, comece a contar-se novamente.

A interrupção tratada, pois, não somente tem a função de fazer parar. Soluciona a continuidade, marcando entre o prazo anterior e o posterior etapas que se desvincularam, que se desligaram, para findar uma e começar outra.

Como Celso Delmanto deixa suficiente claro, “é característica das causas interruptivas da prescrição que, cada uma delas, recomece

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por inteiro a contagem do prazo prescricional, perdendo-se o tempo decorrido antes delas”215.

Preciosa também é a lição de Julio Fabbrini Mirabete, quando ressalta:

Estando em curso o prazo da prescrição, pode ela vir a ser obstada pela superveniência de determinadas causas, previstas no art. 117, e, ocorrendo uma delas, o prazo anteriormente transcorrido – salvo a hipótese da prescrição intercorrente ou retroativa – perde sua eficácia. Começa a fluir, portanto, novo e independente prazo prescricional, não se podendo ignorar essas causas de interrupção. As causas interruptivas existem porque são atos que a lei selecionou como demonstração de um exercício do poder punitivo, incompatíveis com uma demonstração de renúncia do Estado ao jus puniendi.216Também não escapou da observação de Vincenzo Manzini que, na interrupção tratada, é determinada a recuperação ex novo et ex integro do tempo prescritivo217.

Desse modo, a interrupção difere da suspensão, posto que esta última, diferentemente do que acontece com a primeira, não tem sentido de descontinuação, mas de continuação, levando em conta a parte do prazo que teve seu curso suspenso.

Por oportuno, quando do estudo da suspensão do prazo prescricional, diferenciou-se, quantum satis, suspensão e interrupção, sendo desnecessárias maiores considerações a esse respeito neste momento dissertativo

Nesse sentido, o § 2º do comando legal sub examine legisla que: “interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr novamente, do dia da interrupção”.

Assim, consoante inteligência do Supremo Tribunal Federal:

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(...) o art. 117, I, do CP estabelece como causa interruptiva da prescrição o recebimento da denúncia. E o seu § 2º determina que, interrompido o prazo, salvo hipótese de início ou continuação do cumprimento da pena, corre por inteiro o novo prazo.218A ressalva feita pelo legislador diz respeito ao início ou continuação do cumprimento da pena. Afinal, se está ocorrendo de forma efetiva o cumprimento da reprimenda legal, é evidente não haver como sustentar que a prescrição volte a fluir.

1 Recebimento da denúncia ou queixa

A primeira causa interruptiva do espaço temporal é o recebimento da denúncia ou da queixa.

“Denúncia” é a expressão jurídica que designa o ato processual por intermédio do qual o Ministério Público dá início à ação penal pública incondicionada, condicionada à representação ou à requisição do Ministro da Justiça. É a petição inicial pública no campo do direito processual penal.

Já a queixa, também denominada de querela, é o ato processual por meio do qual o ofendido ou seu representante legal exerce seu direito de ação penal privada. É a petição inicial privada no campo do direito processual penal.

Vê-se, no texto legal em comento, que o legislador foi bastante enfático ao fazer uso da expressão “recebimento”, e não “oferecimento”.

O oferecimento da peça postulatória pública marca o início da ação penal, enquanto que, relativamente à exordial privada, seu momento inaugural ocorre quando a mesma dá entrada no Cartório do Distribuidor ou protocolada, quando há na Comarca vara única (jurisdição cumulativa).

O recebimento da preambular, por intermédio de decisão interlocutória mista, marca o exato momento em que a ação penal é ajuizada. Para que isso ocorra, é indispensável que estejam presentes os seus

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pressupostos processuais, suas condições (art. 43 CPP) e seus requisitos (art. 41 CPP), bem como que haja justa causa para a persecução criminal em juízo, o que ocorre quando há comprovação da prática delitiva, normalmente indicada pela constatação material do delito (corpus delicti) e por indícios suficientes da autoria, ou seja, que haja probabilidade de a pessoa apontada ser o sujeito ativo do fato punível.

Por outro lado, é oportuno deixar assentado que a denúncia e a queixa mencionadas se relacionam tanto com o processo penal de conhecimento de cunho condenatório como com o procedimento penal do júri.

Na precisa visão pretoriana do extinto Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, “a denúncia, uma vez recebida, opera em todos os seus efeitos de direito, um dos quais o de interromper a prescrição”219.

Convém observar no entanto que, sendo a denúncia ou a queixa inepta – e mesmo assim for recebida e posteriormente trancada a ação...

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