Causas legais e supralegais de exclusão da culpabilidade

AutorDiego Carmo de Sousa
CargoMembro do grupo de estudo NACC
Páginas31-60

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I Introdução

O presente artigo visa mostrar a complexa problemática em torno da culpabilidade e suas causas de exclusão. Ab initio, esclarece que a doutrina não é unânime em aceitá-la como parte da estrutura do crime, mas carecedora de fundamentação plausível. Enumeram-se os elementos da culpabilidade sob a ótica finalista e suas principais causas dePage 32exclusão para finalmente adentrar na controvertida exigência de outra conduta como um de seus elementos, passando por um resumo histórico das decisões alemãs que embasaram sua concepção e como os principais órgãos judiciários do Brasil analisam essa questão no Tribunal do Júri. Tentou-se fazer um paralelo das principais doutrinas brasileira e estrangeira sobre o tema e colação de julgados dos principais tribunais nacionais. O presente artigo filiase à teoria normativa pura para explicar os elementos constitutivos da culpabilidade.

II Conceito de crime

Antes de adentrar a matéria propriamente dita, necessário se faz uma azafamada, mas não de atropelo, passagem pela teoria do delito a fim de uma melhor percepção do que seja a culpabilidade. Segundo preleciona Zaffaroni, duas teorias se têm erigido para a conceituação do crime: a teoria unitária e a teoria estratificada. 2

Para os asseclas daquela teoria, o crime será sempre uma conduta humana infratora da lei. Não descendo à caracterização do delito, são as teorias mais aceitas pelos jusfilósofos – como os kelsenianos - que pelos penalistas. 3 Para os que se filiam à teoria estratificada, o crime deve possuir algumas características que o diferenciem de outras condutas humanas. Para o estudo ora apresentado filiemo-nos a esta última teoria.

Não se poderá conceituar o que seja um delito sem antes atentar-se ao que dita a norma penal, esta como fonte do direito penal deve ser consultada antes da conceituação do delito. Deste modo, tem-se uma primeira conceituação do crime: deve este ser típico. Nas palavras de Maurach “tipo é a terminante descrição de uma determinada conduta humana antijurídica. O tipo é, por tanto, em primeiro lugar, ação tipificada pela lei em uma figura legal. 4 ” Entretanto, não basta que a ação humana seja prevista na lei penal, necessário é que a norma penal não excetue alguma conduta reportando-a como permitida. São as chamadas causas de justificação.

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O Estado, por vezes, não pode proteger o cidadão todo o tempo, permitindo-lhe agir em determinados casos de maneira contrária a lei, mas conforme ao direito. Necessário é que se faça um juízo de valoração. Quando se constata que “A” matou “B” e que, portanto, tipificada está a conduta como incursa no art. 121 do CP, quando reza “matar alguém”, o que se está a fazer é apenas um silogismo, uma comparação. Pois nem todo matar se configura em crime. Destarte, necessário que se observe se a conduta em tela apenas infringiu um tipo isoladamente ou o direito como um conjunto harmônico e sistêmico. Quando a ação típica não se configura justificada, diz-se que é antijurídica ou injusta. Têm-se, portanto, duas características do delito: uma ação típica e uma antijurídica. 5

Entretanto, não basta que se observe só esses elementos objetivos do crime, mas há que se ater ao seu elemento subjetivo, qual seja, a culpabilidade. Para que seja efetivamente considerado um delito, a vontade do agente tem que ser voltada para a realização do tipo penal ou da sua não devida cautela. Portanto, nas palavras de Noronha “há de ser-lhe atribuído a título de culpa, em sentido amplo, isto é, dolo ou culpa. 6 ” Alguns doutrinadores, poucos, diga-se, filiam-se ao conceito bipartido do delito tendo-o como fato típico e antijurídico, renegando a culpabilidade a um estranho pressuposto da pena. 7 Mas grande parte da doutrina curva-se a aceitar o conceito tripartido do delito, inserindo a culpabilidade em sua análise estratificada. 8

III Conceito material de culpabilidade

Como suso mencionado, vicejou por longo tempo no seio da doutrina indígena discussão sobre onde se insere a culpabilidade, se como um dos estratos do conceito do delito ou como simples pressuposto da pena. Insta salientar que não se discutirá nesse artigo sobre esse tema, a fim de se ater ao assunto proposto no intróito deste.

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Três teorias surgiram para explicar a culpabilidade: a teoria psicológica, a psicológica-normativa e a normativa pura. Àquela, a culpabilidade consiste em uma relação subjetiva entre o autor e o fato, sendo o dolo e a culpa suas únicas espécies e a imputabilidade apenas um seu pressuposto. Já para os normativistas o dolo e a culpa transmutam-se em elementos da culpabilidade e a imputabilidade acaba por se configurar como também um elemento da culpabilidade e não apenas seu pressuposto, além da inclusão da exigibilidade de conduta diversa em seu bojo. 9 Quanto à normativa pura, de maneira contrária à psicológico-normativa, acaba por deslocar o dolo e a culpa da culpabilidade para o tipo, e, em seu lugar, encaixando-se a chamada exigibilidade de conduta conforme ao Direito. Essas teorias, no entanto mais se completam que se repelem, pois não há que se falar em culpabilidade sem dolo ou culpa, bem assim como através da teoria normativa nos aclara que a ação com a qual o agente obrou é contrária a que a norma exigia, devendo este ter agido de maneira diversa.

Segundo Welzel, o maior precursor das ideias do finalismo, a culpabilidade “em seu mais próprio sentido, é somente a censurabilidade como valoração da vontade de ação”. 10 Em outras palavras, a culpabilidade consiste na capacidade do agente agir conforme ao direito, agir de outra forma da que obrou. Para os funcionalistas como Roxin a culpabilidade carece de fundamentação, haja vista não ser constatada cientificamente. Para o autor alemão, não se pode auferir empiricamente se um dado delinquente que age desconforme ao direito podia naquelas condições agir de outra maneira.11 Devendo a culpabilidade ser vista como um limite da medida da pena.

Ao criticar tal ponto de vista, questiona-se Prado se a ciência penal deve descer a tais filigranas, ou em suas palavras, “chegar a tal empirismo para solucionar a contento os casos concretos que se lhe apresentam. 12 ” Para Conde, tal conceito material de culpabilidade deve ser abandonado, pois se apresenta impregnado da ideologia individualista que marcava o cenário político da época de sua elaboração 13 , argumentando de maneiraPage 35similar a Roxin, já refutado por Prado. A teoria normativa pura é a mais aceita e utilizada no país e será a usada como paradigma no presente artigo.

IV Elementos da culpabilidade e suas causas de exclusão

A culpabilidade, sob a ótica do finalismo – teoria que mais logrou adeptos e mais grassou na doutrina pátria -, divide-se em três elementos, a saber: a) a imputabilidade; b) possibilidade de conhecimento do ilícito; e c) a exigibilidade de conduta diversa.

Passemos agora a examinar cada um desses elementos e suas respectivas causas de exclusão.

IV 1. Imputabilidade

A imputabilidade é uma condição pessoal do agente, sua capacidade de conhecer do ilícito e de agir conforme tal entendimento, a plenitude do desenvolvimento mental e de seu autocontrole. Nos ensinamentos de Hungria, para quem tanto a responsabilidade penal e a imputabilidade possuem uma equivalência léxico-semântica, a imputabilidade é “a capacidade de entendimento ético-jurídico ou a capacidade de adequada determinação da vontade ou de autogoverno 14

O código penal quando estatui em seu art. 26 acerca da imputabilidade, ateve-se basicamente em causas biopsicológicas quando menciona como causas de inimputabilidade as “doenças mentais“, “desenvolvimento mental incompleto ou retardado” e “embriaguez fortuita e completa” – esta última com certas ressalvas -, mas quando prescreve em seu art. 27, que os menores de dezoito anos são isentos de penas, tem como diapasão as causas biológicas. Dessa forma, quando em se tratando de causas biopsicológicas não basta a constatação do estado de inimputabilidade, mas também a existência de causalidade entre este estado e o delito praticado. De maneira contrária, nas causas biológicas não há que se esmiuçar tal liame de causalidade, mas apenas a verificação da menoridade para se afastar a responsabilidade penal.

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Rossi distinguia o que ele chamava de imputabilidade propriamente dita da culpabilidade especial. Esta seria a decisão de se o agente é culpável e aquela, o que chama de “grau da criminalidade individual”, o que ressalta ser diferente da perversidade. 15

Assim é necessário ao agente para a caracterização da exclusão da imputabilidade, e conseqüente isenção de pena, obrar: a) estando com desenvolvimento mental incompleto ou retardado; b) estando com doença mental; ou c) agindo sob efeito de embriaguez acidental completa pelo fortuito ou força maior.

IV 1.2. Causas de exclusão
IV 1.2.1. Doença mental

A nomenclatura usada pelo código penal foi muito criticada por alguns cultores das ciências médicas que preferiam que fosse substituída por “alienação mental”...

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