A Execução Provisória da Pena à luz do atual entendimento do Supremo Tribunal Federal

AutorPaula Pires Pascotto da Costa
Páginas42-74

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I Introdução

O presente trabalho1 tem por desiderato escopo analisar o instituto da execução provisória da pena, sob o antigo e, sobretudo, atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

O assunto sempre foi muito controvertido2, mas ao que tudo indica, peloPage 43 menos até a presente data, o tema ficou uniformizado nas mais altas Cortes do país. Por conta disso, pretendo analisar o referido instituto no âmbito processual penal e expor aos leitores as consequências da mudança de entendimento do Pretório Excelso.

II Considerações Iniciais

Inicialmente, cabe analisar como a execução provisória da pena era interpretada e aplicada pelos Tribunais Superiores, bem como discorrer sobre o posicionamento doutrinário acerca do assunto.

A execução provisória da pena nada mais é do que aquela que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Nesse sentido, como bem preleciona o Min. Sepúlveda Pertence: “[...] quando se trata de prisão que tenha por título sentença condenatória recorrível, de duas uma: ou se trata de prisão cautelar, ou de antecipação do cumprimento da pena. [...]3. Em virtude disso, cabe uma ressalva: não devemos confundir estas duas possibilidades, pois, como se verá a seguir, enquanto a primeira é, indubitavelmente, admitida em nosso ordenamento jurídico, a outra não mais encontra fundamento.

Segundo o autor Renato Marcão:

“A execução provisória tem cabimento quando, transitando em julgado a sentença para a acusação, estando preso o réu, ainda pender de apreciação recurso seu. É que nessa hipótese a sentença já não poderá ser reformada para pior, para agravar a situação do réu, já que vedada a reformatio in pejus havendo recurso exclusivo da defesa, que de tal maneira já tem conhecimento do extremo que o processo pode proporcionar em seu desfavor”4.

Nesse sentido, também preleciona o autor Guilherme de Souza Nucci: “A viabilidade, somente está presente, quando a decisão, no tocante à pena, transitou em julgadoPage 44 para o Ministério Público, pois, dessa forma, há um teto máximo para a sanção penal ”5.

Com isso, tais autores defendiam que a execução provisória tinha cabimento diante da impossibilidade de agravamento da pena, pois já estaria estabelecido o máximo de sanção que, no caso de não provimento do recurso de defesa, seria cumprido pelo indivíduo, sendo este capaz de usufruir da imposição imediata de regime menos grave e da progressão de regime antecipada, já que se poderia aferir, antes mesmo do trânsito em julgado da sentença, o preenchimento do requisito objetivo previsto no art. 112, da Lei de Execuções Penais, qual seja, cumprimento de um sexto da pena, pendendo-se, apenas, a verificação dos critérios subjetivos.

Corrobora com esse entendimento o autor José Carlos Daumas Santos ao escrever que: “Negar a execução provisória ao acusado preso com sentença transitada em julgado para a acusação caracteriza constrangimento ilegal inaceitável que fere, indiscutivelmente, o princípio da legalidade”6.

Por outro lado, o argumento forte contra esse entendimento consistia na defesa do princípio constitucional da presunção de inocência, também chamado de princípio da não-culpabilidade (que será melhor estudado adiante), pois o réu, de acordo com tal norma, deve ser considerado inocente até que a decisão condenatória adquira o condão da definitividade, não sendo possível antes disso fazê-lo cumprir antecipadamente a pena.

A solução cogitada pelo autor Guilherme de Souza Nucci foi a seguinte: “O correto é a extração da guia provisória de ofício, enviando-se ao juízo da execução penal, pois o direito à liberdade é indisponível, razão pela qual não cabe ao réu decidir se deseja ou não ser beneficiado por eventual progressão”7.

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Em sentido diametralmente contrário, José Barcelos de Souza8 defende que essa possibilidade de adiantar a contagem de tempo para progressão de regime não tem cabimento. Segundo ele, só seria bom para o preso se este viesse, contra seu desejo e sua expectativa, a perder o recurso, mas péssimo se ganhar, pois teria cumprido uma pena que não deveria. Sendo assim, seria perverso cobrar adiantamento do tempo de uma prisão que poderia não ter existência legal, se provido o recurso da parte. E para o réu não seria bom ser preso só para antecipar o cumprimento de uma pena que poderia ser cancelada.

Desse modo, a simples sentença condenatória de primeira instância, antes do trânsito em julgado, por maior que fosse a discussão acerca do tema, poderia ensejar a decretação automática da prisão do réu, principalmente se o recurso interposto não fosse dotado de efeito suspensivo. Assim, admitia-se a execução provisória da pena mesmo em desfavor do recorrente. Esse era o entendimento tanto do Supremo Tribunal Federal, como do Superior Tribunal de Justiça. Para essas Cortes o princípio constitucional da não-culpabilidade não constituía óbice à execução provisória da sentença.

Nesse sentido, colacionamos trechos de dois acórdãos no âmbito do Supremo Tribunal Federal e, em seguida, outros três proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. COMPOSIÇÃO DA TURMA JULGADORA. VIOLAÇÃO AO ART. 617 DO CPP. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. […] 4 -O princípio constitucional da não-culpabilidade do réu não impede a efetivação imediata da prisão, quando o recurso por ele interposto não possua efeito suspensivo, como ocorre com o recurso extraordinário e o recurso especial. Precedentes. 5 - Habeas corpus indeferido.9

“Ementa: EXECUÇÃO PROVISÓRIA. CONDENAÇÃO MANTIDA NO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. 1. Confirmada a condenação, em segundo grau de jurisdição, e considerando que os recursos, eventualmente cabíveis, especial e extraordinário, não têm efeito suspensivo, legítima é a expedição do mandado de prisão. 2. RHC improvido.10

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“- PENAL. RÉU CONDENADO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE PRISÃO. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DIREITO DE AGUARDAR EM LIBERDADE O RECURSO DE NATUREZA EXCEPCIONAL. INDEFERIMENTO.

- É assente a diretriz pretoriana no sentido de não inibir a constrição do status libertatis do condenado o princípio constitucional da não culpabilidade, porquanto o recurso especial, ainda sob apreciação, não tem efeito suspensivo.

- Precedentes do STF e do STJ.

Ordem denegada.”11

“PENAL. PROCESSUAL. HOMICÍDIO. JÚRI. APELAÇÃO. CONDENAÇÃO MANTIDA. MANDADO DE PRISÃO. RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS.

1 Recurso especial, sem efeito suspensivo, não pode invalidar mandado de prisão resultante de decisão que negou provimento a apelação criminal de réu condenado pelo Tribunal do Júri.

2 Habeas Corpus conhecido; Por unanimidade, indeferiu-se a ordem.”12

“PENAL. RÉU. CONDENAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. DESCONSTITUIÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO.

- A condenação do paciente, impugnada por meio de recurso especial, que não tem efeito suspensivo, autoriza a expedição do mandado de prisão, se inexistem razões válidas para a sua sustação.

- Habeas Corpus denegado.”13

Sensível a essa situação, a excelsa Corte editou os Enunciados nos 716 e 717, abaixo transcritos:

“Súmula 716

Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

“Súmula 717

Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial.”

Com isso, a Suprema Corte sedimentou o entendimento de que os benefíciosPage 47 da execução poderiam ser aplicados ao preso cuja condenação ainda não havia transitado em julgado.

Cabe mencionar que o Conselho Nacional de Justiça também se pronunciou a respeito e editou a Resolução nº 19/2006, que foi alterada pela Resolução nº 57/2008, e o artigo 1º, caput, assim dispõe:

“A guia de recolhimento provisório será expedida quando da prolação da sentença ou acórdão condenatório, ressalvada a hipótese de possibilidade de interposição de recurso com efeito suspensivo por parte do Ministério Público, devendo ser prontamente remetida ao Juízo da Execução Criminal”.

Da leitura do dispositivo fica muito fácil perceber o intento da norma, qual seja, a admissão da execução provisória da pena, salvo se interposto recurso com efeito suspensivo pelo Ministério Público.

Nesse diapasão, vale mencionar que houve certa divergência doutrinária acerca da expedição da guia de recolhimento provisória, isto é, se seria possível emiti-la ainda que pendente análise de recurso interposto pelo parquet.

O dissenso ocorria entre os que defendiam sua emissão, e a consequente execução provisória, somente se a sentença já tivesse transitada em julgado para acusação. Por outro lado, havia quem defendia que essa hipótese não se restringia a esse caso, sendo possível a expedição da guia de recolhimento para que o réu pudesse executar a pena provisoriamente independente de que recurso tivesse pendente de julgamento, se da acusação ou da defesa.

Contudo, não cabe detalharmos toda essa...

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