Células-tronco e aspectos gerais da lei de biossegurança

AutorMaria de Fátima Freire de Sá/Bruno Torquato de Oliveira Naves
Páginas135-153
CAPÍTULO 7
CÉLULAS-TRONCO E ASPECTOS GERAIS
DA LEI DE BIOSSEGURANÇA
Os conhecimentos cientícos parecem perturbar nossa autocompreensão tanto mais quanto mais
próximos estiverem de nos atingir. A pesquisa sobre o cérebro nos dá lições sobre a siologia de nossa
consciência. Mas será que isso muda aquela consciência intuitiva da autoria e da imputabilidade que
acompanha todas as nossas ações?1
1. INTRODUÇÃO
Ao analisarmos a Lei de Biossegurança, Lei 11.105, sancionada pelo Presidente da
República em 24 de março de 2005, vislumbramos vários problemas e poucas respos-
tas. Abordaremos os pontos-chave do diploma, como as indagações sobre a liberação
de alimentos transgênicos, a manipulação de células-tronco embrionárias e o impacto
econômico das modif‌icações introduzidas. Contudo, pretendemos construir apenas um
panorama de seus preceitos reguladores, a partir de críticas que nos parecem apropriadas.
Durante a tramitação da Lei no Congresso Nacional, o Presidente da República
assinou Medida Provisória2, em 2005, liberando o plantio da soja transgênica da safra
2004/2005 e a comercialização do produto até 31 de janeiro de 2006, atitude que tam-
bém foi alvo de louvores, por parte de agricultores e proprietários, e críticas, por grande
parte dos ambientalistas e da sociedade3.
Sem dúvida que uma nova regulamentação era inevitável. Num mundo em que a
economia de mercado impõe a competitividade também no campo da pesquisa, o esta-
belecimento de normas é vital, especialmente para países periféricos.
No tocante às células-tronco embrionárias, em 30 de maio de 2005, o então Pro-
curador-Geral da República, Cláudio Fonteles, protocolizou petição questionando a
constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, que permite sua utilização
em pesquisas e terapias obtidas de embriões humanos excedentes das técnicas de fer-
tilização in vitro.
1. HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 141.
3. O plantio de soja transgênica estava sendo realizado no Brasil por meio de medidas provisórias. Com a Lei, o
Poder Executivo pode prorrogar a autorização sem a necessidade de medida provisória. O Congresso Nacional,
que antes pelos menos tinha a função de converter a Medida Provisória em lei, foi dispensado de participar da
autorização.
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BIOÉTICA E BIODIREITO • MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ E BRUNO TORQUATO DE OLIVEIRA NAVES
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O Procurador-Geral da República mostrou-se indignado com o tratamento nor-
mativo dado ao embrião humano crioconservado, excedente de fertilização in vitro. A
utilização desse, em pesquisas e terapias, implicava, necessariamente – pelo menos ao
tempo de promulgação da Lei e propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade –
na destruição do embrião.
Sob o argumento de que “a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação”,
o artigo 5º da Lei de Biossegurança ofenderia o artigo 1º, III, e o caput do artigo 5º da
Constituição Federal. O membro da Procuradoria-Geral da República considerou, pois,
embriões humanos como seres constitucionalmente idênticos ao ser humano nascido,
buscando, para tanto, auxílio em opiniões de médicos, geneticistas e biólogos.
Interessante, ainda, destacar que não houve nenhuma opinião que, mais detida-
mente, se dedicasse a tecer argumentos jurídicos em colaboração aos apresentados por
prof‌issionais de outras áreas. Pela peça inicial da ADI, já podemos avaliar uma posição que
se tem tornado cada vez mais comum no meio jurídico: a busca de “certezas” na Biologia.
O tão esperado julgamento da ADI 3.510 foi marcado para março de 2008, ocasião
em que se manifestaram pela constitucionalidade do artigo 5º o Ministro Relator Dr.
Carlos Ayres de Britto e a Presidente do Supremo Tribunal Federal à época, Ministra
Ellen Gracie. A seção foi suspensa em razão de pedido de vista do Ministro Carlos Al-
berto Menezes Direito.
Retomado o julgamento em 28 de maio de 2008, os Ministros Menezes Direito e
Ricardo Lewandowski votaram pela parcial procedência do pedido de inconstitucionali-
dade do artigo 5º da Lei de Biossegurança. A Ministra Cármen Lúcia Rocha e o Ministro
Joaquim Barbosa julgaram-no improcedente. Pela improcedência manifestaram, tam-
bém, os Ministros Eros Grau e Cezar Peluso, porém, com determinadas ressalvas, nos
termos dos seus votos. O julgamento foi suspenso e retomado no dia seguinte, 29 de
maio de 2008. Colhidos os votos dos demais Ministros (Min. Celso Mello, Min. Marco
Aurélio e Min. Gilmar Mendes), o Supremo Tribunal Federal, por maioria e nos termos
do voto do Relator, julgou improcedente o pedido constante na Ação Direta de Incons-
titucionalidade 3.510-0, vencidos parcialmente, em diferentes extensões, os Ministros
Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes.
Todo esse percurso trilhado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
demonstra que o debate jurídico acerca da (in)constitucionalidade do artigo 5º da Lei
de Biossegurança foi acirrado e as divergências constantes nos votos dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal merecem ser destacadas.
Importante esclarecer que, muito embora a ADI 3.510 tenha sido julgada em 29
de maio de 2008, nos restringiremos à análise de alguns votos. Acreditamos que as
decisões ora apresentadas são suf‌icientes para demonstrar a necessidade de avanços
na compreensão deontológica da problemática afeta às pesquisas com células-tronco
embrionárias, a começar pela diferenciação do tratamento jurídico dado ao nascituro
daquele despendido ao embrião não gestado, pois enquanto o primeiro é centro de
imputação normativa, passível de ser detentor de personalidade jurídica, o segundo,
embora tutelado, não pode ser tratado como pessoa em sentido jurídico.
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