A cessação do contrato de emprego e a jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial na reforma trabalhista brasileira de 2017

AutorLuciano Martinez
Páginas168-179

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1. Introdução: o ponto final

O “fim”. Esse é o misterioso instante que vive a atormentar qualquer pessoa que simplesmente diz sim ao “começo”. A cessação da caminhada é uma obviedade que, embora ignorada, acontece. E assim se dá com vidas, guerras, amores ou contratos. Nada impede o inexorável ponto final quando ele se impõe, seja antevisto/programado ou surpreendente/impulsionado por algum fato que o promova antecipadamente. Nesse momento, os envolvidos, em certa medida golpeados pelo lado psicológico da cessação, avaliam as consequências do evento e calculam as perdas decorrentes do rompimento do vínculo.

Assim se dá igualmente nos contratos de emprego. Como num rito de passagem, na terminação do vínculo contratual, as partes convenentes verificam as pendências e aferem os eventuais haveres impostos pela lei ou pelas cláusulas que elas próprias produziram. É um momento de extrema delicadeza, no qual o empregado teme deixar de receber alguma verba e o empregador teme ser demandado a pagar mais do que efetivamente devia. Todos, afinal, querem a segurança de que a ruptura, conquanto amargosa, lhes proporcionou a certeza de que se fez exatamente aquilo que se deveria fazer.

Para bem compreender a cessação do contrato e as consequências dela advindas, cabe iniciar pela didática lembrança de que ela pode ocorrer por duas vias diversas: a (i) normal, quando é extinto em decorrência do fato de ter atingido seu termo final ou de ter alcançado seus propósitos, e a (ii) excepcional, quando é dissolvido em virtude de fatores ou causas que o fazem esgotar prematuramente. Esses fatores que geram a dissolução são classificados como resilição, resolução e rescisão.

Cessação

Extinção

Dissolução

Resilição (por iniciativa dos contratantes)

Resolução (por inexecução)

Rescisão (por nulidade)

É bom lembrar que a CLT, na sua redação originária, valeu-se basicamente do vocábulo “rescisão” para tratar de todas as espécies que conduzem à terminação do vínculo como se pretendesse torná-la gênero aplicável em todos os casos, e isso aconteceu muito provavelmente pelo que a palavra representa sob o ponto de vista etimológico: res-, que significa “coisa”, e -cindere, que indica “quebra”, “cisão”.

A Lei da Reforma Trabalhista de 2017, por sua vez, certamente inspirada pela redação de dispositivo constitucional visível no art. 7º, XXIX, preferiu a palavra “extinção”, referindo-a expressamente nos arts. 11, 477, 484-A e 611-B da CLT.

Mas, afinal, há alguma diferença técnica entre essas palavras? Ou o uso delas deve ser realmente indiscriminado e incontrolado?

A primeira pergunta tem resposta positiva; a segunda, negativa.

Há, sim, diferenças técnicas, conforme se verá. A indiscriminação, entretanto, precisa ser evitada. O nome tem, de fato, a mera função de determinar situações, ações, sujeitos ou objetos em relação a tantos outros, sem, é verdade, ter o poder de modificar suas essências. Apesar dessa correta assertiva, não se pode descuidar dos processos de nominação, uma vez que cabe também ao nome a relevante missão de tornar exata a dimensão daquilo que por ele é veiculado, de modo a não se permitir a transmissão de uma noção demasiadamente estreita ou excessivamente ampla do seu conteúdo.

O nome, como um importante designador de conceitos, especialmente quando adequado às circunstâncias em que é apresentado, tem o condão de facilitar a compreensão dos significados. Exatamente por isso, propõe-se aqui, como antedito, o uso da palavra genérica “cessação” pela sua capacidade de envolver todos os eventos que conduzem ao fenecimento do vínculo de emprego, abarcando duas grandes espécies: a “extinção”, compreendida como cessação por via normal, e a “dissolução”, cessação por via excepcional.

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Feitas essas considerações, diz-se que um contrato cessa por via normal quando ele chega a seu termo final (quando alcança a data prevista para seu término) ou, ainda, quando são alcançados seus propósitos. Há em casos tais, portanto, o esgotamento dos contratos no mundo jurídico. Essas cessações normais, naturais, ocorrem, em regra, diante de contratações por tempo determinado, recebendo o nome de extinção.

Diz-se, por outro lado, que um contrato cessa por via excepcional quando a ruptura não é natural, mas sim provocada. Note-se que a intenção originária das partes é a de que um ajuste termine pelo alcance do termo ou pelo cumprimento dos objetivos contratuais. Tudo que foge a essa previsibilidade é considerado evento extraordinário, excepcional. Os eventos excepcionais implicam a dissolução do vínculo ante tempus, podendo ser classificada como resilição, resolução ou rescisão.

A CLT originária (ao preferir o termo “rescisão”) e a legislação reformadora de 2017 (ao adotar a palavra “extinção”) valeram-se, assim, de vocábulos que não têm o condão de abarcar todas as espécies contratuais que levam ao fim do vínculo. A despeito disso, não se pode falar em incorreção, mas unicamente em opção terminológica, por mais que se veja nela um caráter extremamente restritivo.

2. A dissolução contratual por resilição e as novidades trazidas pela reforma trabalhista de 2017

A reforma trabalhista de 2017 trouxe novidades no âmbito da dissolução contratual por resilição. Mas quando é que ocorre uma “resilição”?

Ocorre resilição quando um dos sujeitos integrantes da relação contratual, ou ambos, por consenso, decidem dissolver o ajuste. Na primeira situação ocorrerá resilição unilateral, fórmula comum dentro das relações de emprego; na segunda, resilição bilateral, procedimento que durante anos não era aceito pelas normas trabalhistas, embora materialmente existente. Afirma-se que não era aceito formalmente o mecanismo da resilição bilateral, porque as normas trabalhistas não informavam as consequências jurídicas para essa conduta, restringindo-as, apenas, e para desestimular a terminação dos vínculos mediante autocomposição, às hipóteses de resilição por iniciativa de apenas uma das partes.

A Lei n. 13.467/2017, porém, passou a admitir expressamente a resilição bilateral, uma das suas maiores novidades. Isso mesmo. O novo art. 484-A da CLT admite a resilição do contrato por acordo entre empregado e empregador. Veja-se:

CLT. Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:

I — por metade:

  1. o aviso-prévio, se indenizado; e

  2. a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no § 1º do art. 18 da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990;

II — na integralidade, as demais verbas trabalhistas.

§ 1º A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.

§ 2º A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.

Perceba-se que, na forma do § 1º do artigo aqui citado, a resilição bilateral permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada, entretanto, a até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos. Em outras palavras, o empregado que, por acordo com o empregador, puser fim ao seu contrato de emprego, estará autorizado a levantar 80% do montante total dos depósitos no FGTS; os 20% restantes ficarão retidos na conta vinculada, tal qual ocorre com a retenção que, por exemplo, atinge os depósitos daqueles que são despedidos por falta grave. Além desse montante, o empregador haverá de assumir o pagamento da metade da indenização compensatória sobre os depósitos do FGTS, pagar metade do valor do aviso-prévio indenizado e a integralidade dos demais débitos resilitórios (férias proporcionais, décimo terceiro proporcional, etc.).

Tal empregado, que, em rigor, pediu para sair do trabalho, não poderá, contudo, valer-se do benefício do seguro-desemprego. Essa é, aliás, a posição evidenciada no § 2º do artigo ora em exame.

Há mais no campo resilitório. Sob o ponto de vista material, pode-se afirmar que a reforma trabalhista inovou ao tratar expressamente da temática da adesão ao Plano de Desligamento Voluntário — PDV, proposto pelo empregador e aceito pelo empregado, trazendo à luz mais um exemplo concreto de resilição bilateral e, finalisticamente, uma situação de ruptura por acordo.

Nesse tipo de cessação contratual há, na verdade, um estímulo oferecido pelo patrão para que o empregado adira a uma proposta demissionária, de autoafastamento. Normalmente, essa conduta patronal visa evitar a ideia de que o empregador promoveu, sem responsabilidade social, um processo de despedimento coletivo.

Justamente para não descaracterizar a existência do mencionado estímulo financeiro é que a Orientação

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