O cheque no direito brasileiro

AutorAlice Saldanha Villar
Páginas151-177

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1 Definição

O cheque encontra-se regulado pela Lei nº 7.357/85 (Lei do Cheque), a qual traz definições, procedimentos e operações deste título nas transações comerciais, disciplinando os trâmites para a cobrança no caso de inadimplemento no cumprimento de qualquer obrigação entre credor e devedor.

O cheque pode ser definido como ordem de pagamento à vista emitida por uma pessoa (emitente ou sacador) contra um banco (sacado) que mantém, administra ou disponibiliza recursos financeiros do emitente. Sendo uma ordem de pagamento à vista, o cheque já pode ser apresentado ao banco para pagamento a partir do momento em que é emitido. Veja a seguir:

Lei nº 7.357/85. Art. 32. O cheque é pagável à vista. Considera-se não estrita qualquer menção em contrário. Parágrafo único - O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação.

Através do cheque, o emitente ordena ao banco que pague um determinado valor a uma pessoa (beneficiário ou tomador), valor este do que o emitente possui junto ao banco, oriundo de contrato de depósito bancário ou abertura de crédito.

Na operação praticada por meio do cheque estão presentes dois tipos de relação jurídica: a relação entre o emitente e o banco (baseada na conta bancária), e a relação entre o emitente e o beneficiário. A operação com cheque envolve, portanto, três figuras:

· Emitente (emissor ou sacador): aquele que emite o cheque;

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· Beneficiário: a pessoa a favor de quem o cheque é emitido;

· Sacado: o banco no qual está depositado o capital do emitente.

2 Tipos de Cheque

O cheque pode ser emitido de diferentes formas: nominal, ao portador e cruzado.

2. 1 Nominal (Nominativo) à Ordem e Não à Ordem

Cheques com valor superior a R$100,00 têm que ser nominais, ou seja, devem trazer a identificação do beneficiário. O cheque nominal só pode ser apresentado ao banco pelo beneficiário que consta indicado. Existem duas espécies de cheque nominal: à ordem e não à ordem. O cheque nominal à ordem pode ser transferido por endosso do beneficiário, enquanto o cheque nominal não à ordem não pode ser transferido pelo beneficiário. Para tornar um cheque não à ordem, o emitente deve escrever, após o nome do beneficiário, a expressão "não à ordem", "não transferível", "proibido o endosso" ou outra equivalente.

2. 2 Ao Portador

O cheque ao portador é aquele que não nomeia um beneficiário, podendo ser pago a quem o apresente ao banco sacado. Este cheque não pode ter valor superior a R$100,00 e só pode ser emitido ao portador - isto é, sem indicação do beneficiário - até o valor de R$100,00.

2. 3 Cruzado

O cheque ao portador e o cheque nominal podem ser cruzados, com a colocação de dois traços paralelos, em sentido diagonal, na frente da folha. Confira a seguir:

Lei nº 7.357/85. Art. 44. O emitente ou o portador podem cruzar o cheque, mediante a aposição de dois traços paralelos no anverso do título.

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Uma vez feito, o cruzamento não pode ser anulado. O cheque cruzado deve ser pago mediante crédito em conta, isto é, mediante depósito em conta corrente. Embora geralmente os traços de cruzamento sejam feitos no canto superior esquerdo do cheque, também podem ser feitos em outra parte da folha, até mesmo no centro.

O cruzamento pode ser: a) geral, quando não indica o nome do banco; ou b) especial, quando o nome do banco aparece entre os traços de cruzamento. (Lei nº 7.357/85. Art. 44, § 1º). Nos termos do art. 45 da Lei do Cheque, o cheque com cruzamento geral só pode ser pago pelo sacado a banco ou a cliente do sacado, mediante crédito em conta. O cheque com cruzamento especial só pode ser pago pelo sacado ao banco indicado, ou, se este for o sacado, a cliente seu, mediante crédito em conta. Pode, entretanto, o banco designado incumbir outro da cobrança.

2. 4 Administrativo

O cheque administrativo é aquele emitido pelo próprio banco em nome de quem o cliente efetuará o pagamento. Este cheque pode ser comprado pelo cliente em qualquer agência bancária.

3 Prazos para Pagamento de Cheques

Existem dois prazos para pagamento de cheque a serem observados: o prazo de apresentação e o prazo de prescrição.

3. 1 Prazo de Apresentação do Cheque

Para os cheques emitidos na mesma praça do banco sacado, o prazo é de 30 dias; já para os cheques emitidos em outra praça, é de 60 dias, sempre a contar da data de emissão. A distinção tem como referência: o município que consta como local de emissão e o município da agência pagadora. Se coincidentes, o cheque é considerado "da mesma praça"; caso contrário, "de praças diferentes". Confira a redação do art. 33 da Lei do Cheque:

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Lei nº 7.357/85. Art. 33. O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do país ou no exterior.

A não apresentação dos cheques ao estabelecimento bancário sacado traz como implicação, apenas, a perda da faculdade de o credor executar os endossantes e seus avalistas (art. 47, II da Lei do Cheque). A não apresentação, todavia, não provoca qualquer reflexo em relação à executividade dos títulos contra o emitente e seus avalistas. Nesta hipótese, a executividade permanece íntegra.

Vale dizer que o credor conserva o direito de executar o emitente e seus avalistas, mesmo que não tenha apresentado o cheque no prazo. Trata-se de possibilidade reconhecida pela Súmula 600 do Supremo Tribunal Federal (STF).176Elucidando o tema, André Luiz Santa Cruz Ramos exemplifica:177Caso "B" endosse um cheque recebido de "A" a "C", será considerado codevedor perante "C". Este, por sua vez, poderá descontar o cheque a qualquer momento, dentro do prazo de prescrição. Caso não observe o prazo de apresentação, e sendo devolvido o cheque por insuficiência de fundos, perderá "C" o direito de executar "B", mas permanecerá o direito de executar o emitente, apenas. Haven-do saldo, o cheque será descontado normalmente. Nesse sentido, dispõe o enunciado 600 da súmula de jurisprudência dominante do STF.

Há apenas um caso em que a perda do prazo de apresentação gera perda do direito de executar o próprio emitente. Trata-se da hipótese do art. 47, § 3º, da Lei do Cheque. O dispositivo refere-se ao caso em que o emitente prova que tinha fundos suficientes durante o prazo de apresentação, mas deixou de tê-los por motivos alheios à sua vontade. Confira a seguir:

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Lei nº 7.357/85. Art. 47. (...), § 3º. O portador que não apresentar o cheque em tempo hábil, ou não comprovar a recusa de pagamento pela forma indicada neste artigo, perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável.

Imagine, por exemplo, que o cheque foi emitido por um dos titulares de conta bancária conjunta, e o tomador negligenciou na apresentação tempestiva do cheque ao sacado. Posteriormente, o outro titular da conta retirou todo o dinheiro nela depositado. Nesse caso, a inobservância do prazo da lei importa a impossibilidade de executar o emitente do cheque. Perceba que o prazo de apresentação se assemelha ao prazo de protesto nos demais títulos cambiais, uma vez que nestes, perdido o prazo de protesto, perderá o credor o direito de executar os codevedores. No cheque, isso ocorre com o decurso do prazo de apresentação.1783.2 Prazo de Prescrição do Cheque

O cheque, como título de crédito, possui executividade, ou seja, é considerado pela legislação processual um título executivo extrajudicial (art. 784, I, do NCPC). Não honrado seu pagamento pelo emitente, portanto, pode o portador da cártula de cheque promover ação de execução contra ele e contra os eventuais codevedores (endossantes, avalistas).179O prazo de prescrição do cheque é de 6 meses, contados a partir do término do prazo de apresentação (art. 59 da Lei do Cheque). Nota-se, portanto, que o transcurso do prazo de apresentação não impede que o cheque seja levado ao banco sacado para ser descontado. Somente depois de transcorridos os 6 meses de prazo prescricional o banco não poderá mais processar o título.

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Lei nº 7.357/85. Art. 59. Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador.

Lei nº 7.357/85. Art. 35. (...) Parágrafo único - A revogação ou contraordem só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação e, não sendo promovida, pode o sacado pagar o cheque até que decorra o prazo de prescrição, nos termos do art. 59 desta Lei.

O cheque prescrito não pode mais ser executado, mas existem algumas medidas judiciais para que o beneficiário cobre o valor desse cheque: ação de enriquecimento ilícito, ação causal e ação monitória. Estas ações estão descritas a seguir:

A Lei do Cheque prevê, em seu art. 61, a possibilidade de propositura da chamada ação de enriquecimento ilícito contra o emitente ou demais coobrigados, no prazo de 2 anos...

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