'China não está pronta para ser esse líder global que todos esperam'

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Entrevista concedida por David Shambaugh, professor da Universidade George Washington, ao jornalista Marcelo Lins para o Milênio — programa de entrevistas que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira, com reprises às terças (17h30), quartas (15h30), quintas (6h30) e domingos (14h05).

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E nesse mundo de nacionalismos exacerbados onde a superpotência mundial, os Estados Unidos, sob Donald Trump, vem adotando uma postura cada vez mais isolacionista, um outro ator vem ganhando cada dia mais importância. E não é para menos. Estamos falando, claro, do gigante chinês. E para entender um pouco melhor em que ponto está a China agora e para onde vai esse gigante, o Milênio recebe hoje o professor David Shambaugh, um dos maiores especialistas em China do Ocidente, por que não dizer, do mundo todo. Professor da Universidade George Washington, com mais de 40 anos de experiência estudando a China, David Shambaugh conversa com a gente aqui hoje.

Marcelo Lins — Professor, eu gostaria de começar com uma pergunta ampla: qual foi a 1ª coisa que lhe chamou a atenção em relação à China e por que o senhor decidiu há tanto tempo se aprofundar nos estudos sobre a China?

David Shambaugh — É uma ótima pergunta. Há 40 anos, eu era estudante universitário e tirei um ano sabático no meio da faculdade para viajar pelo mundo. Perto do final da viagem, cheguei a Hong Kong. Isso foi em 1974, e a China não era aberta a estrangeiros, ainda estava no meio da Revolução Cultural. Eu fui até a fronteira entre Hong Kong e o continente e olhei na direção daquela terra negada, negada a ocidentais. Alguns estrangeiros podiam entrar na China, mas não muitos. Só o enigma da China, com um quarto da população mundial, um país imenso, mas completamente isolado do mundo e passando por aquele trauma que hoje conhecemos chamado Revolução Cultural... Foi a primeira coisa que me chamou a atenção. Depois que voltei à universidade, tive ótimos professores. Tive a sorte de estar no lugar certo na hora certa, porque em 1979, quando os EUA e a China estabeleceram relações diplomáticas, eu já estava na pós-graduação e fiz parte do primeiro grupo de estudantes americanos que foi para a China. Ao longo dos anos 1980, passei muitos anos na China como estudante, então foi uma mistura de bons professores e muita sorte.

Marcelo Lins — Um dos desafios da China hoje é que, para reformar sua economia, o país também precisa reformar sua política, mas não vemos nenhum sinal nessa direção. O que acha que vai acontecer num futuro próximo com a economia chinesa?

David Shambaugh — O desafio da economia chinesa é mudar o modelo de crescimento de substituição de importações e o que chamamos de investimentos em ativos fixos por infraestrutura. E tem sido um sucesso tremendo nas últimas quatro décadas. Quando fui à China pela primeira vez, era uma sociedade muito retrógrada. Hoje, é uma sociedade moderna em muitos aspectos. A transformação física é muito impressionante. Eles derramaram muito concreto. Mas o desafio agora é qualitativo, subir na cadeia de valor agregado, ser uma economia e uma sociedade mais inovadora e criar novas indústrias no setor de serviços, por exemplo, de consumo doméstico. A China está enfrentando a armadilha da renda média. Ela está na armadilha da renda média. Segundo o Banco Mundial, 110 países desde 1960 caíram nessa armadilha e apenas 12 deles saíram dela. E todos eles se tornaram algum tipo de democracia nesse processo de transição. Então a sua pergunta é muito boa. Você tem toda a razão: não há sinal de liberalização nem de democratização na China. Pelo contrário. Com Xi Jinping, houve aumento da repressão e do controle.

Marcelo Lins...

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