Ciberespaço e comunidade escolar: riscos em matéria de proteção de dados pessoais e implementação de novas práticas pelas instituições educacionais
Autor | Cláudia Bressler e Cristiano Colombo |
Páginas | 273-289 |
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CIBERESPAÇO E COMUNIDADE ESCOLAR:
RISCOS EM MATÉRIA DE PROTEÇÃO
DE DADOS PESSOAIS E IMPLEMENTAÇÃO
DE NOVAS PRÁTICAS PELAS
INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS
Cláudia Bressler
Cristiano Colombo
Sumário: 1. Introdução. 2. Ciberespaço e comunidade escolar. 2.1. Ciberespaço. 2.2. Comu-
nidade escolar. 2.2.1. Instituições de ensino. 2.2.2. Professores. 2.2.3. Alunos e responsáveis
(pais ou tutores). 3. Riscos em matéria de proteção de dados pessoais e implementação de
novas práticas pelas instituições educacionais. 3.1. Riscos em matéria de proteção de dados
pessoais. 3.2. Implementação de novas práticas pelas instituições educacionais. 4. Conside-
rações nais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por escopo refletir sobre os novos limites do espaço escolar
nas instituições de ensino de educação básica, em face do incremento de interações entre
seus atores, nas infovias do ciberespaço. Os alunos, que já vinham em crescente utilização
de equipamentos eletrônicos pessoais, no ambiente físico de aprendizagem, tanto para
acessar conteúdos supervisionados, como para o uso individual e não supervisionado,
abruptamente, foram introjetados em uma sequência de atividades remotas, propostas
por seus professores. Plataformas educacionais e a presença síncrona em salas de aulas
virtuais são os novos lugares de aprendizagem, premidos pela pandemia da COVID-19.
Janelas que conectam diretamente os lares das crianças e dos educadores, sem necessa-
riamente transitar pelo espaço físico colegial, promovidas pelo distanciamento social.
Essa realidade acaba gerando intenso fluxo de dados pessoais, tais como nomes, ende-
reços eletrônicos, logs de acesso, dados de geolocalização, registro de imagens, vozes,
sons domésticos, fotografias ou vídeos das crianças e de seu núcleo familiar, que revelam
hábitos, gostos e preferências, cujo tratamento inadequado pode gerar danos aos atores
da comunidade escolar, mais especificadamente, às crianças e aos adolescentes.
No primeiro capítulo, apresentar-se-ão o ciberespaço e os atores da comunidade
escolar, abordando-se, em sua primeira parte, a nova dimensão do ciberespaço, diante
CLÁUDIA BRESSLER E CRISTIANO COLOMBO
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de uma escola que opera simultaneamente em sua sede física e, diante da conjectura da
pandemia, se projeta nas casas de estudantes e professores; na segunda parte, a necessidade
de identificar e compreender quem são os atores que integram a comunidade escolar e
como eles se comportam no ambiente digital.
No segundo capítulo, voltar-se-á para o estudo dos riscos em matéria de proteção
de dados pessoais, no âmbito do processo educacional, sendo que, ao final, serão apre-
sentadas recomendações, no sentido de que sejam implementadas novas práticas pelas
instituições educacionais, no ciberespaço escolar. O estudo se cinge à realidade do ensino
privado. Quanto à metodologia, a abordagem da pesquisa é substancialmente teórica,
exploratória e descritiva. Os procedimentos técnicos utilizados são bibliográficos, en-
volvendo estudos de casos.
2. CIBERESPAÇO E COMUNIDADE ESCOLAR
2.1. Ciberespaço
As relações sociais, em sua gênese histórica, decorriam preponderantemente do
contato físico entre os seres humanos, que se ligavam a uma determinada área, no globo
terrestre. Na aurora da humanidade, a vida dependia, quase inteiramente dos determi-
nismos genético e geográfico.1 Os conceitos de “tempo” e “espaço” estavam diretamente
vinculados entre si, porquanto o “espaço era o que se podia percorrer em certo tempo”.2
No período do pós-guerra, operou-se uma transformação, na busca de uma paradoxal
liberdade com segurança, nas mais diversas áreas da pesquisa e do conhecimento.3 Com
o surgimento da Internet, como nova tecnologia, a comunicação se tornou mais eficaz.4
Esse ambiente, leciona Pierre Lévy, ampliou sobremaneira as possibilidades para as
relações sociais, criando um novo espaço de comunicação, sociabilidade, organização e
transação, como também novo mercado de informação e conhecimento.5 É o ciberespaço,
que “parece liberar-nos das amarras territoriais, das jurisdições normativas ou políticas e
da finitude de um lugar”6. Natalino Irti ressalta que o “espaço telemático se estende pela
Terra, como um sobremundo, uma epiderme, povoada de seres intangíveis, perceptíveis
pelo nosso olho e ouvido. O navegante não se move de um lugar a outro, não deixa uma
terra por outra, mas se move em um indefinido campo de energia.”7 Aliás, nesta nova
ambiência, o termo “lugar” merece ser visto em uma interpretação evolutiva, na medida
em que não pode estar restrito a um território delimitado.8
1. COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006, p. 21.
2. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 128 e p.
131.
3. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 23.
4. GIOVA, Giuliano. Educação e cidadania digital: nascer, morrer e renascer no mundo digital, onde deixaram o
manual? In: ABRUSIO, Juliana (Coord.). Educação Digital. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 35.
5. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2014, p. 32.
6. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. O direito entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014, p. 91.
7. IRTI, Natalino. Norma e luoghi: problemi di geo-diritto. Bari: Laterza, 2006, p. 61. Tradução livre do autor.
8. COLOMBO, Cristiano; FACCHINI NETO, Eugênio. Violação dos direitos de personalidade no meio ambiente
digital: a influência da jurisprudência europeia na fixação da jurisdição/competência dos tribunais brasileiros.
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