Cicero Guedes dos Santos (1962-2013).

AutorFonseca, Paola Barros de Faria
CargoHOMENAGEM DE VIDA

Prestar essa homenagem e uma grande honra para quem conviveu com Cicero e com a luta dos trabalhadores rurais pela terra. Ainda que o nosso contato seja antigo, a convivencia de forma mais direta, efetiva, ocorreu nos ultimos anos de sua vida, durante o processo de pesquisa que ora se desenvolve, tanto como doutoranda da UERJ quanto como participes do Projeto de Pesquisa coordenado pela Profa. Marilda Villela lamamoto (1). Alem disso, nos ultimos quatro anos, os encontros semanais, as tercas-feiras, no Espaco Agroecologico da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), onde se realiza a feira do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), fez recair sobre nos a obrigacao desse ato de reconhecimento.

E importante destacar que esse convivio se deu nos melhores anos de sua vida. Com uma trajetoria pessoal marcada pela superacao, Cicero estava determinado a prosseguir lutando pelos interesses dos trabalhadores, do povo em geral, especialmente, dos assentados e acampados organizados pelo MST, do qual era um de seus mais destacados integrantes. O tempo presente vinha sendo para ele de felicidade e alegria e, principalmente, de novos desafios. Um novo tempo. E, sempre, com um imenso otimismo num futuro muito melhor. Por isso era muito respeitado e querido por seus familiares, amigos, profissionais de diversas areas e, principalmente, por seus companheiros de luta pela terra. O seu barbaro assassinato, ocorrido em janeiro de 2013, tornou-o mais uma vitima de outras tantas injusticas que ocorrem neste pais, especialmente aquelas relativas aos conflitos fundiarios.

Na verdade, a historia de vida de Cicero nao foi diferente da daqueles que integram o proletariado, dos demais homens do povo, especialmente a do trabalhador do campo brasileiro. Mas com uma diferenca: tornou-se, acima de tudo, um revolucionario. Com um olhar profundo, parecia enxergar no horizonte o que ainda era imperceptivel aos olhos comuns de seus companheiros. Pela sua propria historia, pressentia que a sociedade nao era algo imutavel, mas sujeita as modificacoes constantes, transformadoras. Sua crenca, a sociedade organizada. Sua voz, forca e lideranca permanecerao sempre presentes em nossa memoria.

Natural de Alagoas, casado e pai de cinco filhos, comecou a trabalhar, a cortar cana, aos oito anos de idade. Cicero costumava dizer que para o fazendeiro nao bastava o trabalho dos pais, a crianca comecava a andar, tinha que trabalhar para ajudar. Essa constatacao feita por Cicero e uma evidencia. Ate hoje--desde os primordios do periodo colonial, ainda que se considerem as novas estruturas e o desenvolvimento do capitalismo--, no campo, as relacoes sociais sao de sujeicao. A abolicao da escravatura e a chegada da Republica fazem declinar a figura do "senhor de engenho", que e substituida pelo "senhor rural". Entretanto, perseveram as relacoes de dominacao daqueles que, como proprietarios da terra, se sentem donos de todos, dos homens e mulheres e tambem de seus filhos. Sao novas formas de dominacao economica, politica e cultural.

Nao aguentando mais o trabalho miseravel e a falta de oportunidade de uma vida digna no seu lugar de origem, Cicero vai para o Mato Grosso. Mas as condicoes degradantes de trabalho permanecem inalteradas, conservando as mesmas caracteristicas daquelas vivenciadas no Norte do pais. Ele presenciou trabalhadores serem chicoteados e morrerem. Percebe que se ali permanecesse, nao teria destino diferente. E, em 1993, acompanhado da esposa e, ainda, com tres filhos, resolve, tambem, abandonar o trabalho rural nestes campos. Assim, mais...

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