Cidadania na favela: conhecimento e percepção de direitos e das instituições de Justiça

AutorFabiana Luci de Oliveira
Páginas65-90
CAPÍTULO 3
Cidadania na favela: conhecimento e percepção
de direitos e das instituições de Justiça
FABIANA LUCI DE OLIVEIRA
Como vimos no capítulo anterior, os moradores das favelas do Cantagalo e do
Vidigal ainda sofrem muitas restrições ao exercício pleno de sua cidadania. Par-
tindo de uma definição mínima de cidadania, entendida como a titularidade de
direitos civis, políticos e sociais,1 buscamos mapear o quanto esses moradores se
percebem como cidadãos, qual a extensão do seu conhecimento com relação à
existência de direitos fundamentais, e também avaliar seu conhecimento e per-
cepção quanto aos meios, instituições e agentes encarregados de assegurar, ga-
rantir e efetivar esses direitos e administrar ou solucionar eventuais conflitos.
Uma importante referência nesse estudo é pesquisa do Cpdoc, conduzida no
final da década de 1990 por Pandolfi e colaboradores2 junto aos moradores da
região metropolitana do Rio de Janeiro. Essa pesquisa constatou a absoluta falta
de conhecimento dos cidadãos com relação aos seus direitos. Ao solicitar aos
entrevistados que enumerassem três dos mais importantes direitos dos brasilei-
1 MARSHALL, Thomas Humphrey. Class, citizenship and social development. Connecticut: Greenwood,
1976; CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Entre o justo e o solidário: os dilemas dos direitos de
cidadania no Brasil e nos EUA. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 11, n. 31, p. 67-81,
jun. 1996; PANDOLFI, Dulce Chaves et al. Cidadania, justiça e violência. Rio de Janeiro: FGV, 1999;
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
2 Pandolfi et al., Cidadania, justiça e violência, 1999.
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UPPS, DIREITOS E JUSTIÇA
ros, 56,7% deles não souberam mencionar nem mesmo um direito garantido aos
cidadãos. Entre os entrevistados que souberam citar algum direito, os mais lem-
brados foram os sociais (mencionados por 25,8% dos entrevistados) e os civis
(citados por 11,7% dos entrevistados). Os direitos políticos foram muito pouco
lembrados (apenas 1,6% dos entrevistados se referiram a algum direito político),
já que o voto foi encarado antes como um dever do que um direito. A conclusão
dos autores é a de que a população brasileira reconhece-se mais numa perspecti-
va de cidadania regulada do que na de uma cidadania participativa, associando
os direitos que possuem como cidadãos principalmente aos direitos sociais.
No imaginário do povo, a palavra “direitos” (usada sobretudo no plural) é, via de
regra, relacionada com aquele conjunto dos benefícios garantidos pelas leis traba-
lhistas e previdenciárias implantadas durante a era Vargas. Portanto, não é de se
estranhar que na pesquisa “Lei, justiça e cidadania”, os direitos sociais tenham sido
os mais “reconhecidos” pela população.3
Tal constatação caminha no mesmo sentido apontado por Carvalho4 ao
afirmar que no Brasil, devido ao processo histórico de construção da cidadania,
num movimento de cima para baixo, teríamos o que ele denomina “estadania”.
Por estatania entende a centralidade do Estado na organização da sociedade e
na incorporação dos cidadãos à esfera dos direitos. Haveria no Brasil, de um
lado, um Estado que coopta seletivamente os cidadãos a partir da promoção
de políticas públicas de cunho paternalista e corporativista, e, de outro, uma
sociedade que busca o Estado para o atendimento de seus interesses privados.
O Estado teria, assim, não um caráter público e universalista, mas sim paro-
quialista. Segundo Carvalho, no Brasil “a incorporação à sociedade civil até
hoje é precária, apesar de garantida em lei. A ineficiência do judiciário e a ina-
dequação do sistema policial excluem a maior parte da população do gozo dos
direitos individuais”.5
3 Pandolfi et al., Cidadania, justiça e violência, 1999, p. 53.
4 Carvalho, Cidadania no Brasil, 2007.
5 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania, estadania, apatia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 8, 24
jun. 2001.

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