A cidade não somos nós': tempo e espaço na narrativa de um morador de ocupação urbana

AutorNatalia Cristina Batista - Thiago Canettieri
CargoUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG, Brasil
Páginas181-198
181
Revista de Ciências HUMANAS, Florianópolis, v. 49, n. 1, p. 181-198, jan-jun 2015
Historicamente, a sociedade brasileira pau-
tou-se na prática cotidiana da segregação dos po-
bres, processo que se estende do período colonial
até o presente. A cidade de Belo Horizonte seguiu
a mesma trajetória segregacionista, mas apresenta
singularidades em sua conformação histórica e ge-

diversas ocupações urbanas que visavam diminuir
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de moradia (ainda que precária) aos habitantes sem
residência. Nosso objetivo neste artigo é compreen-
der como essas ocupações se inserem no cotidiano
da cidade e como elas contribuem para a compre-
ensão dessa segregação histórica. Para alcançar tais
objetivos utilizaremos a metodologia da história
oral, que nos permitirá descortinar possibilidades
interpretativas sobre as relações desses moradores
das ocupações urbanas com a cidade de Belo Ho-
rizonte e com suas próprias trajetórias de exclusão
associadas à condição de pobreza e opressão.
Palavras-chave: História Oral - Segregação Ur-
bana - Belo Horizonte.
Historically, Brazilian society was based on
the daily practice of segregation of the poor, a pro-
cess that extends from the colonial period to the
present. The city of Belo Horizonte followed this
same segregationist trajectory, but has singularities
in its historical and geographical conformation.
      
appeared in the city aiming at reducing the housing
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(albeit precarious) to people without residence.
Our goal in this article is to understand how the-
se occupations became part of everyday life of the
city and how they contribute to the understanding
of its historical segregation. To achieve these goals
the methodology of oral history was used, which
will allow us to uncover possible interpretations
on the relationship of urban occupations residents
with the city of Belo Horizonte and with their own
trajectories of exclusion associated with conditions
of poverty and oppression.
Keywords: Oral History - Urban Segregation -
Belo Horizonte.
Introdução
O presente estudo tem como objetivo registrar e construir elementos para
a compreensão das relações entre os moradores das ocupações de Belo Hori-
  
marcadas por uma dimensão altamente segregada. O projeto neoliberal de ci-
dade, com seus altos prédios de vidro e suas estruturas metálicas são exceção
num mar, onde a regra é, na verdade, a cidade ilegal, a cidade informal e,
principalmente, a cidade negada aos moradores pobres das regiões periféricas.
“A cidade não somos nós”: tempo e espaço na narrativa de um
morador de ocupação urbana
“The city is not us”: Time and space in the narrative of an urban
squatter
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Natália Cristina Batista
Thiago Canettieri
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG, Brasil

BATISTA, Natalia Cristina; CANETTIERI, Thiago. “A cidade não somos nós”: tempo e espaço...
A opção de trabalhar com a história oral se fez a partir da necessidade de
recolher narrativas dos moradores das ocupações urbanas e conhecer outra
perspectiva da cidade, nem sempre contemplada nos estudos acadêmicos e
nos relatórios anuais do município. Entendemos que a História Oral consis-
te uma metodologia de pesquisa que tem como foco entrevistar pessoas que
     -
zar o presente nem sempre é visto como uma tarefa da História, mas quando
se trabalha com história oral é impossível não fazê-lo. A própria narrativa
construída pelo entrevistado vai articular passado e presente, tempo e espaço,
lembranças e acontecimentos.
O foco da metodologia não está calcado na construção de fatos históricos,
mas na compreensão das narrativas construídas por cada indivíduo na sua

As narrativas na história oral (e não só elas) se tornam espe-
cialmente pregnantes, a ponto de serem ‘citáveis’, quando os
acontecimentos no tempo se imobilizam em imagens que nos
informam sobre a realidade. É neste momento que as entrevis-
tas nos ensinam algo mais do que uma versão do passado (AL-

Mais do que uma versão sobre o passado, procuramos compreender tais
realidades no presente. Ainda que pouco contemplada no campo da História
Oral, a opção de investigar e recolher narrativas de moradores das ocupações
    -
mos em conta que a segregação e a pobreza não são a exceção, e sim a regra
na cidade.
As ocupações urbanas devem ser entendidas como expressão de uma dis-
puta pelo espaço da cidade, a materialização da tensão entre valor de uso
e valor de troca. Dessa maneira, as ocupações seriam a resposta encontrada
pela população de baixo poder aquisitivo para conseguir acessar o direito à
o da Constituição Federal) e, assim,
reproduzir a vida material.
Entendemos que tais perspectivas têm forte potencial para a compreensão
espacial e temporal da cidade, exatamente pelo fato de representarem a antí-
tese da cidade-mercado, e por possibilitarem conhecer a história a contrapelo,
    
visualizá-la a partir suas contradições imanentes no nível da reprodução da
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produzida por uma acelerada e constante transformação, resultando em um
desaparecimento dos suportes objetivos da memória. O espaço urbano é sem

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