Ciencia e ancestralidade na Colombia: Racismo epistemico sob o disfarce de cientificismo/Science and ancestry in Colombia: Epistemic racism under the guise of scientism.

AutorLoango, Anny Ocoró
CargoREVISTA EM PAUTA

Introducao

Em 5 de dezembro de 2019, o presidente da Republica da Colombia assinou o decreto pelo qual o Ministerio da Ciencia, Tecnologia e Inovacao foi criado, com a Lei no 1951, de 2019. Este e o orgao da administracao publica que elabora e administra as politicas e programas do Sistema Nacional de Ciencia, Tecnologia e Inovacao (SNCTI) da Colombia. De acordo com o artigo 2 da Lei no 1951, de 2019, este ministerio tem, entre alguns de seus objetivos: formular a politica publica do pais em ciencia, tecnologia e inovacao; estabelecer estrategias para o avanco do conhecimento cientifico, o desenvolvimento sustentavel, ambiental, social, cultural e a transferencia e apropriacao social de ciencia, tecnologia e inovacao para a consolidacao de uma sociedade baseada no conhecimento; e promover o desenvolvimento cientifico, a tecnologia e a inovacao da nacao, programadas na Constituicao Politica de 1991 e no Plano Nacional de Desenvolvimento, de acordo com as diretrizes delineadas pelo governo nacional, entre outras.

A criacao desse ministerio foi feita de acordo com as recomendacoes da Missao Internacional de Sabios, que havia sido estabelecida com o objetivo de propor medidas plausiveis para conferir vitalidade a uma area altamente negligenciada no pais. Um exemplo evidente disso e o fato de a Colombia vir destinando para a area de ciencia e tecnologia menos de 0,5% do seu PIB, um dos numeros mais baixos da regiao. Segundo o Observatorio Colombiano de Ciencia y Tecnologia (OCYT, 2017, p. 12):

la inversion actual que registra el pais es particularmente baja para los patrones internacionales, especialmente en I+D. El informe nos indica que nuestra inversion en I+D en 2015, del 0,29% del PIB, fue muy inferior al promedio de la OCDE, del 2,38%, e incluso del promedio latinoamericano, del 0,70%, un registro por lo demas bajo para los patrones internacionales. No solamente nos encontramos muy por debajo de Brasil, el lider latinoamericano en este campo, sino tambien de varios otros paises de la region (Argentina, Costa Rica, Chile, Ecuador, Mexico y Uruguay.

Em 30 de dezembro, o presidente colocou a cientista afro-colombiana Mabel Gisela Torres a frente do novo Ministerio da Ciencia, Tecnologia e Inovacao em Colombia. Foi a primeira vez que um ministerio foi criado para esta area e isto tambem mostrou outro aspecto relevante: este ministerio foi presidido por uma mulher negra, a primeira afro-descendente a ocupar este cargo neste pais.

No ato de sua nomeacao, a ministra Mabel Torres declarou: "Meu caminho para a ciencia e abrir oportunidades ligadas ao territorio, porque Bahia Solano me ensinou que vivemos em abundancia e temos que criar um universo melhor" (1). Sobre a importancia de valorizarmos o territorio, ela tambem falou que "todo esse trabalho realizado no territorio pode contribuir para a transformacao social desse pais. Hoje me comprometo a contribuir para esta transformacao social" (VARGAS, 2019).

Ao falar sobre o territorio, a ministra o inclui como parte da transformacao social de que necessita a Colombia. Ela tambem entende que a ciencia esta ligada ao desenvolvimento do territorio e das comunidades. Por esse motivo, em sua administracao, ela propos mobilizar:

[...] Uma Colombia conectada ao mundo, uma Colombia mais competitiva e avancada em sua producao, uma Colombia alimentada pelo conhecimento territorial ancestral, uma Colombia na vanguarda de processos de inovacao plurais e inclusivos [...] de gestao do conhecimento, tendo a tecnologia como principal insumo para melhorar a qualidade de vida atraves do acesso ao mais alto nivel de educacao e formacao cientifica. (2)

O que sabemos sobre Mabel Torres?

Mabel Torres nasceu em Bahia Solano, Choco, em 1972. Estudou biologia, quimica e obteve um mestrado em microbiologia na Universidad del Valle (Cali). Doutorou-se em ciencias biologicas pela Universidade de Guadalajara, Mexico, onde tambem fez um pos-doutorado em sistematica de fungos. Ela e pesquisadora de ciencias naturais preocupada em construir um desenvolvimento com sustentabilidade ambiental, que leve em consideracao o conhecimento ancestral das comunidades negras. Possui inumeros reconhecimentos nacionais e internacionais. Recentemente, manifestou seu desacordo com o uso de glifosato e fracking na Colombia. Isso gerou criticas de membros do partido do governo (3).

Em 2019, foi convocada para integrar a "Missao Internacional dos Sabios", que reuniu academicos, intelectuais e artistas de renome de diferentes areas para contribuir com o desenho de politicas publicas que definem as diretrizes do pais para educacao, ciencia e tecnologia. Cabe ressaltar, porem, que a missao dos Sabios foi criada durante o govervo do presidente Ivan Duque, em 2019. Para construir as politicas de Ciencia e Tecnologia do pais, este grupo de pesquisadores propos oito focos de trabalho: 1. Tecnologias convergentes (nano, informacao e cognotecnologia) e industrias 4.0. 2. Industrias culturais e criativas. 3. Energia sustentavel. 4. Biotecnologia, meio ambiente e bioeconomia. 5. Recursos oceanicos e hidrobiologicos. 6. Ciencias sociais e desenvolvimento humano com equidade. 7. Ciencias da vida e da saude. 8. Ciencias basicas e espaciais. Porem, apesar de o nome da iniciativa ser "Missao dos Sabios", no masculino, dos 47 especialistas, 15 eram mulheres. Tambem deve-se notar que ha apenas um indigena no grupo - o renomado artista da comunidade Inga, Carlos Jacanamijoy - e uma unica pessoa de ascendencia africana: a Doutora Mabel Torres.

Em 2012, Mabel retornou a Colombia e ocupou o cargo de diretora executiva do Centro de Pesquisa e Inovacao Bioinnova na Universidade Tecnologica Diego Luis Cordoba de Choco. Referindo-se a sua decisao de retornar a Choco, ela declarou: "para mim, retornar e cumprir um ciclo de vida em que penso em tudo que minha regiao me deu" (La Silla Vacia, 2019).

Viver com o racismo estrutural

Choco e um dos departamentos mais pobres de Colombia. La, o racismo estrutural, a violencia armada e o trafico de drogas causaram estragos. E tambem um dos departamentos com a maior populacao afrodescendente (DANE, 2005). Essas populacoes foram escravizadas pela atividade de extracao de minas de ouro durante os seculos XVII e XVIII (COLMENARES, 1979). Ademais, de acordo com Dane (2005), quatro departamentos concentram 57,59% das comunidades negras e afro-colombianas. No departamento de Valle del Cauca vive 25,53% da populacao (1.090.943 pessoas). Em seguida, o Departamento de Antioquia aparece com 13,88% (593.174 pessoas), Bolivar com 11,50% (491.364 pessoas) e, finalmente, colide com 6,69% (285.964 pessoas). Esses quatro departamentos concentram a populacao desse grupo etnico. Neste censo, a populacao total do grupo etnico e 10,31% da populacao total da Colombia. Este artigo nao inclui os dados deste censo, porque houve uma reducao drastica na populacao afro-descendente, que tem sido amplamente criticada por varios setores. (4)

Segundo Dane (2019), em 2018 esse departamento concentrou a maior porcentagem de pessoas em situacoes de pobreza multidimensional (45% 1). Se a taxa de pobreza for avaliada levando em consideracao o acesso ao trabalho, esses valores serao dobrados. Por exemplo, no mesmo ano, "as maiores privacoes por familia no departamento de Choco foram encontradas nos indicadores: trabalho informal com 90,3%, sem acesso a fontes de agua melhoradas com 67,0% e disposicao inadequada de excrementos. Com 65,5%" (DANE, 2019, p.5).

Em relacao ao campo educacional, Choco apresenta fortes desvantagens. O analfabetismo e de 25,6%, enquanto a media nacional e de 9,5%. O atraso escolar registra 40,3%, em comparacao com 28,6% em todo o pais. A porcentagem de familias com baixa escolaridade (BLE), que em nivel nacional e de 43,8%, em Choco, e de 62,9% (DANE, 2019, p. 5).

Neste contexto, o anuncio de uma mulher afro-descendente de Choco para presidir o primeiro Ministerio da Ciencia, Tecnologia e Inovacao e, sem duvida, uma excelente noticia, especialmente em um pais racista, conservador e patriarcal como a Colombia. O mesmo vale para uma regiao predominantemente negra, pobre e punida pelo racismo institucional, pelos gupos armados e pela apatia do Estado.

Mabel Torres representa esses setores. Ela se fez por si mesma e com sua propria forca, superando os obstaculos do racismo estrutural e do racismo institucional, dois tipos de racismo aos quais essas populacoes foram submetidas pelo Estado. Esse problema nao e recente, mas, pelo contrario, acompanha a historia de Choco desde a vida colonial. Como Peter Wade (1990, p. 129) bem aponta:

[...] Para a sociedade colonial, Choco era vista como uma regiao selvagem, inospita, perigosa, destinada a ser habitada apenas por indigenas e negros, vista igualmente como primitiva e 'selvagem', enquanto a populacao branca usava a regiao e seu povo para a extracao de recursos naturais.

A Colombia se definiu como um pais mestico, que segue silenciando e apagando a existencia de povos indigenas e afrodescendentes que fazem parte de sua identidade. De fato, a referencia ao "mestico" em Colombia esta relacionada ao clareamento e nao a valorizacao ou continuidade de tracos negros ou indigenas. Misturar significa perder as marcas da cor e da etnia.

Misturar e perder os tracos da africanidade. Isso pode ser interpretado no fato de que "a ideologia dominante entende a Colombia como uma nacao em progresso, como um pais com a trajetoria de superacao de seu passado 'primitivo', negro e indigena, em busca de um futuro mais 'civilizado' um futuro mais branco" (WADE, 1990, p. 130).

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