Citação

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas61-86

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1. Conceito e finalidade

Estabelece o art. 334, do CPC, que se a petição inicial atender a todos os requisitos essenciais — e não for o caso de rejeição liminar do pedido — o juiz a despachará, designando audiência de conciliação e mediação, e determinando a citação do réu, para responder. Pudemos ver, contudo, no Capítulo transato, que, no sistema peculiar do processo do trabalho, o juiz, em princípio, não despacha na inicial, para esse fim, pois a citação é ato que deve ser realizado, de maneira automática, pela secretaria do órgão jurisdicional (CLT, art. 841, caput).

O art. 213, do CPC de 1973, conceituava a citação como o ato pelo qual “se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender”. Sempre discordamos dessa definição feita pelo legislador, argumentando que, em rigor, a citação se destina a dar ciência ao réu da existência da ação, para que ele, se assim desejar, apresente sua resposta. Deste modo, o comparecer a juízo para responder constitui uma faculdade do réu, não um seu dever, embora, se não a exercer, venha a sofrer as consequências jurídicas do seu silêncio ou de sua contumácia.

O CPC atual, mais cuidadoso em sua linguagem, conceitua a citação como “o ato pelo qual são convocados o réu, ou executado ou o interessado para integrar a relação processual” (art. 238). Essa redação, todavia, também não é perfeita, pois o verbo convocar sugere a ideia de obrigatoriedade de comparecimento a juízo. Por isso, seguimos entendendo que a citação é o ato pelo qual o juiz dá ciência ao réu, ao executado ou ao interessado quanto à existência da ação. Ademais, da maneira como está redigida a norma legal sobredita, tem-se a falsa impressão de que se as pessoas aí referidas, depois de citadas, não vierem a juízo não estarão integrando a relação processual. Ora, sabemos que essa integração se dá não com o comparecimento a juízo, ou a postulação nos autos, mas com a simples citação. Este ato processual traduz, pois cientificação e não, convocação — como se a parte, o executado ou o interessado, ao não atenderem a essa convocação, seriam conduzidos a juízo de modo coercitivo (“debaixo de vara”, na linguagem do passado).

A citação é ato indispensável, pois será por meio dela que o réu tomará ciência de que o autor ajuizou ação, na qual pretende obter a condenação deste à satisfação de determinados bens ou utilidades da vida. Não será excessivo asseverar, em virtude disso, que a citação representa a mais importante manifestação dos princípios da bilateralidade e do contraditório. Declara, por isso, o art. 239, caput do CPC, que para a validade do processo e indispensável a citação do réu ou do executado. Entenda-se: a citação válida

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é um pressuposto para regular desenvolvimento do processo, não para a sua constituição, como parece insinuar a norma legal mencionada. O que se poderia, talvez sustentar, é a imprescindibilidade do ato citatório para a regular constituição da relação jurídica processual, ou melhor, para a sua angularização (autor/juiz + juiz/réu + autor/réu).

Se o escopo da citação, como expusemos, é o de cientificar o réu quanto à existência da ação, é evidente que a falta dessa comunicação tornará o processo tecnicamente inexistente, como inexistente será a sentença condenatória do réu, aí emitida. Ato inexistente é o não ato, o nihil. O problema da inexistência do ato jurídico ou jurisdicional é algo que precede à sua validade, pois, para que se possa dizer se é válido, ou não, é necessário que exista juridicamente — e, não apenas, sob o aspecto material. A sentença nula existe juridicamente, motivo por que pode ser, em alguns casos, objeto de ação rescisória; a sentença inexistente, por não produzir coisa julgada material, só é passível de ação declaratória, cujo exercício é imprescritível. Divergimos, neste ponto, de Moacyr Amaral Santos, que, segundo cremos, se equivocou ao não separar as sentenças nulas das inexistentes, e, em decorrência, disso, acabou admitindo a rescindibilidade destas.8

Para que o leitor possa ter uma visão mais ampla do tema pertinente à citação, transcreveremos as disposições do CPC a esse respeito, comentando-as, em seguida.

Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido. § 1.º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fiuindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução. § 2.º Rejeitada a alegação de nulidade, tratando-se de processo de: I – conhecimento, o réu será considerado revel;

II – execução, o feito terá seguimento.

Caput. O CPC anterior aludia, apenas, à citação do réu; o atual incluiu a do executado. Aquele Código do passado fazia referência, aliás, à citação inicial do réu, como se existissem citações posteriores, no mesmo processo.

Sem a citação do réu o processo de conhecimento será nulo; o mesmo se afirme quanto ao processo de execução em que não houver citação do executado.

Ao comentarmos o art. 238, dissemos que a citação é o ato pelo qual se dá ciência ao réu da ação ajuizada; ampliemos, a agora, esse conceito, para tê-lo como o ato indispensável pelo qual se dá ciência ao réu da existência da ação, e, ao executado, ciência da execução.

A citação é pressuposto legal para a existência do processo; logo, a sua falta faz com que o processo seja considerado juridicamente inexistente; se a citação for realizada com desrespeito à norma legal, o processo será nulo. Em que pese ao fato de a doutrina asseverar que a ausência de citação torna o processo inexistente, parece-nos mais apropriado à técnica e aos princípios cogitar, na espécie, de processo ineficaz. Como a ausência de citação pode ser convalidada pelo comparecimento espontâneo do réu a juízo, fica difícil admitir-se a possibilidade de validar-se um ato inexistente.

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O art. 239, entretanto, dispensa a citação em dois casos: a) de indeferimento da petição inicial (art. 330); b) de “improcedência” liminar do pedido (art. 332).

§ 1.º Pode acontecer, todavia, de o réu ou o executado comparecerem a juízo, de maneira espontânea, ou seja, sem terem sido citados. Nesta hipótese, a nulidade estará suprida, contando-se o prazo (para a defesa ou para os embargos do devedor) a partir da data desse comparecimento.

É necessário, observar, contudo, que se o comparecimento não for pessoal, por parte do réu, mas de seu advogado, este deverá juntar aos autos não apenas a procuração, sendo necessário que desta constem também poderes para receber citação (CPC, art. 105).

Lancemos uma ponderação oportuna: se o réu, em uma ação trabalhista, não tiver sido formalmente citado, mas, a despeito disso, ficar ciente da existência da ação e do teor da petição inicial e, no prazo legal, oferecer contestação, na qual alega, em preliminar, a nulidade (ou inexistência jurídica) do processo por falta de citação, não deveria o juiz acolher a preliminar, pois a ausência de citação não acarretou nenhum prejuízo ao réu. Convém lembrar a particularidade de o processo do trabalho haver consagrado o princípio da transcendência, conforme o qual não há nulidade sem prejuízo (CLT, art. 794). Na situação por nós imaginada, seria render injustificado apego ao formalismo a declaração de nulidade processual, pelo simples fato de o réu não haver sido citado — embora tenha podido oferecer, sem prejuízo ou constrangimento, resposta à inicial. Razão teria o réu, isto sim, se viesse a saber, por acaso, da existência da ação dois ou três dias antes da audiência (em desrespeito ao art. 841, caput, da CLT), na qual deveria oferecer a sua resposta, e, em razão disso, elaborasse, às pressas, e de maneira imperfeita, essa resposta. Aqui, além de ter ocorrido violação à garantia constitucional da ampla defesa (CF, art. 5.º LV), o prejuízo seria manifesto, por modo a autorizar a declaração judicial de nulidade do processo, por falta de citação.

§ 2.º Sendo rejeitada a alegação de nulidade, as consequências processuais serão as indicadas nos incisos seguintes.

Inciso I. No processo de conhecimento, o réu será considerado revel; é necessário esclarecer, porém, que nem sempre ocorrerá o efeito característico da revelia, que é a presunção de veracidade dos fatos alegados na petição inicial (CLT, art. 844, caput, CPC, art. 344). O CPC prevê as situações em que esse efeito não se verificará (art. 345, I a IV).

Inciso II. No processo de execução, diz a norma que “o feito terá prosseguimento”. Essa declaração legal, contudo, precisa ser interpretada com certa reserva, pois também no processo de conhecimento o feito terá prosseguimento mesmo que o réu seja revel.

Art. 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). § 1.º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação. § 2.º Incumbe ao autor adotar, no prazo de 10 (dez) dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de não se aplicar o disposto no § 1.º.

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§ 3.º A parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário. § 4.º O efeito retroativo a que se refere o § 1.º aplica-se à decadência e aos demais prazos extintivos previstos em lei.

Caput. O assunto era tratado no caput do art. 219 do CPC revogado.

A norma se ocupa dos efeitos processuais da citação válida.

Litispendência. Ocorre quando se repete ação que está em curso (CPC, art. 337, § 3.º). Uma ação é idêntica à outra quando tiverem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e mesmo pedido (ibidem, § 2.º). Cuida-se, como se vê, de uma tríplice identidade. Quanto à...

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