Classificação dos juros

AutorGlauber Moreno Talavera
Ocupação do AutorExecutivo corporativo em São Paulo; Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-SP
Páginas127-156

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9. 1 Os juros quanto à sua origem
9.1. 1 Os juros legais e os juros convencionais

Entendemos que o critério ideal para iniciarmos o tratamento pormenorizado dos juros com vistas a estabelecer uma classificação sistemática que abranja as diversas espécies integrantes do gênero é aquele que se baseia na fonte da qual emanam, aquele que nos leva a perquirir sua origem.

Modo geral, tal qual as obrigações – excluídas as originárias de atos ilícitos – que derivam da vontade estatal, materializada numa norma, ou da vontade humana, via de regra formalizada num instrumento contratual, os juros podem ser provenientes de norma ou de convenção. Os primeiros são denominados “juros legais”, pois originários de estipulação contida em dispositivo integrante de norma. Os outros são denominados “juros convencionais”, pois decorrem de convenção, ou seja, do acordo de vontades das partes a respeito

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da matéria, consubstanciado em cláusula contratual que integra a avença formalizada.

Na letra sempre precisa do mestre Caio Mário da Silva Pereira: “(...) podem os juros ser convencionais ou legais, conforme a obrigação de pagá-los se origine da convenção ou da lei. No primeiro caso, juntamente com a obrigação principal ou subseqüentemente, as partes constituem a obrigação relativa aos juros, acompanhando a outra até a sua extinção. No segundo, é a lei que impõe a obrigação acessória”.1Os juros convencionais, por emanarem do contrato, submetem-se ao regime que disciplina as avenças em geral. Por via de consequência, portanto, a contratação de juros deve preencher os mesmos requisitos que condicionam a validade dos contratos em geral, os quais, vale dizer, pressupõem partes capazes, objeto lícito e determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Afora a disciplina dos contratos em geral, regramentos específicos insculpidos em dispositivos integrantes do Código Civil incidem sobre a contratação de juros.

Os juros legais, a seu turno, na lição de Marcos Cavalcante de Oliveira:

“(...) são aqueles que têm a lei como sua fonte preponderante, ou seja, o sujeito devedor dos juros tem de pagá-los independentemente de ter feito uma declaração de vontade no sentido de constituição desse dever. São aqueles devidos nos casos em que há a conjugação da lei com um fato humano não volitivo”.2Noutras palavras, a hipótese de incidência dos juros legais verifica-se na ocorrência de algum fato do qual decorre a fluência de

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juros, não pela convenção das partes envolvidas, que para tal efeito pactuaram, mas, sim, pela vontade da lei. Exemplo emblemático é o do fiador, interveniente garantidor do contrato de mútuo feneratício, que constitui garantia fidejussória ao cumprimento da avença firmada entre mutuante e mutuário. Em caso de inadimplemento do mutuário, solvendo, o fiador, o débito deixado em aberto, sub-roga-se nos direitos do mutuante e legitima-se a exigir do devedor originário juros incidentes sobre o montante dispendido, por força da disposição do art. 833 do CC/2002,3que reproduziu o art. 1.497 do Código Civil de Bevilácqua. O fiador que adimpliu ao quanto convencionado no contrato firmado entre o devedor originário e o credor tem direito a ser ressarcido do quantum que dispendeu para desvencilhar o devedor das peias de sua obrigação perante o credor. Esse direito é exercitável por meio de ação de natureza regressiva. Além do principal desembolsado, o fiador faz jus a montante relativo à incidência do percentual expressamente previsto no contrato principal e, se não houver previsão expressa, tal valor fica sujeito à fluência dos juros legais da mora.

À evidência, a exigibilidade de juros pelo fiador que solveu a dívida em face do mutuário inadimplente não decorre do contrato, mas, em verdade, da subsunção do fato à norma legal que versa sobre sub-rogação.

Nesse sentido, os juros legais podem ser moratórios ou compensatórios, de acordo com a natureza e o substrato fático que tenham. Enquanto a taxa de juros legais compensatórios, como a incidente no caso acima relatado, pode ser igual à taxa de juros contratada, a

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taxa de juros legais moratórios, nos termos do disposto no art. 406 do Código Civil, supra transcrito, é necessariamente: “(...) a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento dos impostos devidos à Fazenda Nacional”.

Essa taxa, a teor do art. 13, da Lei 9.065, de 20.06.1995, passou a ser, desde então, a taxa equivalente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC – para títulos federais, acumulada mensalmente.

Em síntese, os juros de mora que incidem sobre uma relação jurídica por vontade da lei, autônoma ou subsidiariamente – no silêncio das partes quanto à contratação de juros no mútuo com fins econômicos ou quanto à taxa incidente a título de juros que foram objeto de previsão contratual – fluem ao sabor da taxa básica da economia, que se aplica nas operações interbancárias com títulos da dívida pública federal e é mensalmente fixada pelo Comitê de Política Monetária – COPOM – do Banco Central do Brasil.

9. 2 Os juros quanto à inflação
9.2. 1 Os juros nominais e os juros reais

Ainda que tenha relevância econômico-financeira muito maior do que jurídica, a classificação que divide os juros entre nominais e reais merece ao menos ser objeto de menção perfunctória no presente trabalho, sobretudo porque a inexistência de uma definição legal categórica de juros reais também permeou a polêmica sobre a auto--aplicabilidade ou não do revogado § 3º do art. 192 da CF/1988. Ademais, é relevante porque, em larga medida, evidencia o efeito depreciativo representado pela inflação que o decurso do tempo tem com relação ao dinheiro.

Os juros nominais são os estipulados pelas partes contratantes, aprioristicamente, sem nenhum critério de referibilidade que os vin-

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cule à inflação registrada no interregno que vai da contratação até a liquidação efetiva do contrato firmado. Os juros reais, a seu turno, são aqueles apurados através da aplicação de um índice deflator aplicado sobre a taxa de juros nominais, o qual reflete a inflação apurada no período supra citado. Conforme elucida o Desembargador Sérgio Gischkow Pereira: “(...) considero o juro real como sendo o juro nominal deflacionado, ou seja, o juro excedente à taxa inflacionária, esta medida pela OTN (ou outro índice que no futuro venha a tomar o seu lugar). No juro real incluem-se os custos administrativos e operacionais, as contribuições sociais, os tributos devidos pela instituição financeira e mais quaisquer, no linguajar constitucional, ‘comissões’ e ‘outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito’”.4Grosso modo, portanto, os juros nominais são, para efeito de análise, num exemplo figurado, um oásis que se move por si, independentemente do contexto fático em que está inserido. Ora, sabemos que o dinheiro, enquanto instrumento de troca que o é, por excelência, tem como característica indefectível a relatividade. Desse traço característico do dinheiro decorre, por via de consequência, o conceito de juros reais, que implica a relativização contextual devida dos juros nominais, descontando-se dele a inflação registrada no período de frutificação de capital. Recorrendo mais uma vez a um exemplo lúdico, poderíamos asseverar que os juros reais representam os frutos efetivamente consumíveis, resultado da subtração dos frutos contaminados pela erva daninha inflacionária da totalidade dos frutos colhidos.

Em resumo, quanto maior a inflação registrada, maior a diferença entre a taxa de juros nominal avençada e a taxa de juros real apurada. E quanto menor a inflação do período, maior a proximi-dade entre a taxa de juros nominal e a real. A título de ilustração,

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vale mencionar, v.g., a política monetária, por muitos considerada extremamente ortodoxa ou demasiadamente cautelosa, que orientou a gestão macroeconômica do governo federal nos anos que se seguiram à adoção da política de metas de inflação pelo Banco Central do Brasil. Analistas econômicos atribuíam a baixa taxa de crescimento econômico do país à manutenção de uma rota de baixa da taxa de juros nominais deveras lenta e parcimoniosa, sobretudo tendo-se em vista a inflação baixa e sob controle. Noutras palavras, a queda lenta, em termos nominais, da taxa de juros básica da economia importava na manutenção de uma taxa de juros real muito alta, tendo-se em vista o êxito do controle inflacionário levado a efeito pela equipe econômica, o que significava, em termos práticos, crédito caro e pouca disposição para investimentos produtivos.

Outra expressão encontrada na doutrina, passível de inserção neste critério de classificação que tem por base os juros em face da perda do poder aquisitivo da moeda5causada por efeitos inflacionários, é a dos nominados “juros complessivos”. Trata-se, em síntese, dos frutos do capital acrescidos do valor relativo à correção do capital emprestado pelo índice de correção monetária utilizado para neutralizar o efeito depreciativo do poder de compra causado pela inflação registrada no período que medeia entre a contratação e a liquidação das obrigações contratadas.

Em síntese apertada, os juros complessivos representam a superação do descompasso apurado entre os juros nominais e os juros reais. A diferença detectada entre os juros...

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