A aceitação da cláusula compromissória pelo silêncio, à luz da conduta negocial das partes: a cláusula geral do art. 111 do Código Civil Brasileiro

AutorLuiz Gustavo Meira Moser
Páginas105-115

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1. Introdução

A cláusula compromissória devidamente pactuada representa a anuência de ambas as partes contratantes a submeter qualquer controvérsia contratual à arbitragem. A aceitação da cláusula se perfectibi-liza, via de regra, mediante a manifestação inequívoca das partes envolvidas na avença. Contudo, na prática comercial, tendo em conta a celeridade e fluidez das contingências contratuais, é possível trilhar a linha de entendimento de que não se exige uma aceitação expressa, desde que o comportamento das partes envolvidas no negócio acene para o seu consentimento.

Em que pese o silêncio ser frequentemente associado à noção de ausência de vocação volitiva e, via reflexa, inoperante para gerar obrigações, o silêncio vinculativo-formativo encontra terreno fértil na seara comercial. Leia-se aqui, o silêncio dotado de circunstâncias capazes de habilitá--lo a manifestar vontade no liame obriga-cional.

Não foi outro o entendimento recepcionado pelo legislador, no art. 111 do Có-digo Civil brasileiro: "O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa".

Nesse passo, o aceite da cláusula arbitral pelo silêncio, à luz da conduta negocial das partes, reclama o desenho de um cenário de proatividade, latente ou em potência, da parte recalcitrante, tencionando a anuência ao pacto. Isso porque se veda o comportamento contraditório no iter negocial. Portanto, se a parte, pelos seus atos, descortina conduta tendente ao aceite da cláusula arbitral, não há como reputar inexiste o vínculo havido entre os contratantes.

2. Aspectos conceituais da cláusula compromissória
  1. A natureza contratual da cláusula

    A utilização da arbitragem no Brasil encontrava-se engessada até a década de 1990, devido à escassa regulamentação.1

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    Com o advento da Lei n. 9.307/1996 (LA), resgatou-se de nossas instituições jurídicas o acordo de vontades por meio do qual as partes, preferindo não se submeter ao crivo judicial, confiam a árbitros, verdadeiros peritos do caso concreto, a solução de seus conflitos de interesses.2 A acompanhar essa evolução do instituto, a Lei n. 11.232/2005 emprestou ao laudo arbitral o tratamento de título judicial, forte no art. 475-N, IV, do Código de Processo Civil.3 Portanto, na hipótese de recalcitrância da parte adversa no cumprimento dos termos decididos no juízo arbitral, pode-se ingressar com petição de cumprimento de sentença.4

    Nada impede que os contratantes se amparem em opções mais dinâmicas e eficientes como a arbitragem,5 socorrendo-se, quando necessário, ao Estado-Juiz para obrigar a parte inerte a cumprir a decisão proferida. A possibilidade de maior rapidez na solução do conflito, a especialização do árbitro das questões levadas a sua apreciação, o enforcement dos termos pactuados,6 o menor custo e também o si-gilo acerca do conflito em debate, sobretudo questões comerciais e de grande repercussão, muitas delas envolvendo segredos industriais ou questões técnicas, são aspectos positivos aventados na utilização do instituto.

    O uso da arbitragem pode ser viabilizado por duas formas, quais sejam a cláusula compromissória ou convenção arbitral, e o compromisso arbitral.7

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    O compromisso arbitral, lastreado na Lei n. 9.307/1996, oferece duas modalidades de uso: (i) a judicial, referindo-se à hipótese em que a controvérsia já está em juízo comum, o que leva ambas as partes a firmar, por termo nos autos, a adoção do juízo arbitral, declinando a competência, por acordo de vontades, do juiz togado; (ii) a espécie extrajudicial, que será celebrada por escrito particular, mediante duas testemunhas que também assinarão o compromisso, ou por instrumento público. Percebe-se que no compromisso arbitral as partes ou já estão litigando em juízo comum e então decidiram adotar a arbitragem ou, após o advento do conflito, resolvem submeter a decisão da controvérsia ao pleito arbitral, sem que tenha havido, quando da assinatura do contrato, uma comunhão de vontade em relação à submissão ao instituto da arbitragem.8

    A cláusula compromissória, por seu turno, consubstancia-se na promessa que vincula as partes contratantes a submeter ao foro arbitral os litígios vindouros e possíveis advindos do contrato. Estabelece-se, por meio da cláusula, que, na eventualidade de uma possível e futura divergência entre os interessados na execução do negócio, estes deverão lançar mão do juízo arbitral para dirimir sua controvérsia.9

    A finalidade da cláusula compromissória comporta, portanto, o pacto inarredá-vel de submeter ao foro arbitral a solução de eventuais disputas decorrentes do contrato principal entre eles firmado, de modo a afastar a busca da tutela pretendida perante o Poder Judiciário.

  2. Autonomia e efeitos

    A LA concedeu, em seu art. 8o, plena autonomia à cláusula compromissória em relação ao contrato, de modo que mesmo na hipótese de nulidade ou outros vícios no contrato, estes não afetam a cláusula compromissória, a qual perdurará a fim de dirimir eventual controvérsia. A existência da cláusula é suficiente para instauração da arbitragem, não se justificando a intervenção judicial. É, portanto, negócio jurídico, que, se não for devidamente adimplido, esteado no art. 7° da LA, recebe tratamento de execução específica.10

    Nesse mesmo sentido, vale referir o

    Leading case Premium Nafta Products Ltd. vs. Fili Shipping Ltd. House ofLords.

    Na oportunidade, a House of Lords manifestou, no dia 17.10.2007, parecer favorável no referente à força vinculante da cláusula compromissória, ainda que inserida em contratos cujo teor é passível de anulação em virtude de patologias detectadas em sua formação. Em breves linhas, o caso envolveu contratos de afretamento de navios, cujos termos pactuados incluíam cláusula compromissória com eleição de foro da London Maritime Association of Arbitrators, de acordo com o Arbitration Act 1950 e demais modificações a este relacionadas. A disputa envolveu oito contratos modelo Shelltime 4 de afretamento de navios, celebrados entre oito empresas do grupo Sovcomflot, de controle estatal russo, e outras oito afretadoras. A Sovcomflot alegou que os contratos foram celebrados em termos desfavoráveis porque as afretadoras haviam subornado o representante legal da Sovcomflot, responsável pela assinatura dos contratos.

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    A principal questão repousava na indagação a seguir: um contrato que contivesse uma cláusula arbitral e que fosse declarado nulo (void) permitiria que a parte adversa ignorasse a cláusula arbitral e pleiteasse seus direitos perante o Judiciário (o contrato era regido pelo direito inglês por escolha das partes). As questões secundárias se referiam à autonomia da obrigação de arbitrar das demais obrigações do contrato principal e a interpretação a ser dada aos termos contidos nas cláusulas arbitrais.

    Ocorre que, em razão da alegação de vícios na formação do contrato, aPremium Nafta ingressou no Juízo comum inglês, no afã de ver os contratos rescindidos, desconsiderando, portanto, o foro privado pactuado, sob o argumento de que o contrato entabulado não era válido e, via reflexa, também não o era a cláusula compro-missória inserta. Outrossim, aventou-se que a redação da cláusula permitiria interpretar que o foro arbitral não cobriria questões relativas à formação do contrato, mas tão somente questões pertinentes a sua instauração num momento ulterior. Contudo, os Lordes entenderam que eventuais obstáculos conceituais não teriam o condão de capitular a cláusula compromissória, uma vez que os termos acordados deveriam ser respeitados. Denegou-se, assim, o apelo da Premium Nafta. A decisão baseou-se na tese de que a cláusula compromissória deve ser atacada somente se e quando surgirem razões que digam respeito ao seu conteúdo objetivo. Confirmou a Câmara dos Lordes que a cláusula compromissória cria um contrato distinto do contrato contendo as obrigações principais.

    Em última análise, o julgado chama atenção pela desenvoltura com que é tratado o tema da separação entre a cláusula compromissória e o "main contract”, sobretudo no que respeita à importância em nos atermos à racionalidade imbuída na cláusula compromissória, que sempre deve ser preservada, bem como sua funcionalidade e eficiência econômica, já que cons-truída sob o pilar do princípio do consen-sualismo, que deve orquestrar a redação e operacionalização da cláusula arbitral. Assim, mesmo se o contrato for passível de anulação, a cláusula arbitral permanecerá ilesa.

    Em uma palavra, a cláusula compromissória é dotada de coerção para instaurar o procedimento.

3. A aceitação da cláusula e o silêncio
  1. O silêncio vinculativo-formativo

    A origem etimológica da palavra silêncio remete à silentium, silere, cujo significado está em sileo, cujo sentido é calar, deflagrando, portanto, a ideia de omissão do sujeito.11

    No Direito romano, a obrigação nasce de um ato cuja origem é a vontade expressa no pacto, um concurso da vontade de duas ou mais pessoas a respeito de determinado objeto. A abstenção era reputada como consentimento.

    De acordo com Serpa Lopes, o silêncio consiste em "um ato negativo em relação ao falar, sendo consequentemente, a abstenção de falar".12

    O silêncio guarda relação estreita com a proibição ao venire contra factum pro-prium, pois o silêncio ou inação do titular do direito produzem a perda desse direito.13 É o que a doutrina alemã denomina de Verwirkung. Para configurar-se a Verwir-kung, é preciso a omissão do exercício do direito, o transcurso de um período de tempo, mais ou menos longo e a objetiva deslealdade e intolerabilidade do exercício,

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    quando a outra parte já tenha adquirido a confiança de haver o credor renunciado ao seu direito.14

    Muito se discute a respeito dos efeitos do silêncio, sobretudo a sua capacidade para gerar...

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