Cláusula de Não Concorrência

AutorCélio Pereira Oliveira Neto
Ocupação do AutorAdvogado, Doutorando, Mestre e Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas13-44

Page 13

O primeiro capítulo inicia com o conceito de cláusula de não concorrência, passando em seguida para o breve histórico - o que se justifica, pois, o narrado no breve histórico introduzir a importância do objeto de proteção da cláusula de não concorrência, que será tratado logo em seguida.

1.1. Conceito

Regiane Teresinha de Mello João ensina que, para efeitos de direito do trabalho, "a cláusula de não concorrência consiste na pactuação da abstenção do empregado de ativar-se por conta própria ou para outro empregador, em atividade igual ou semelhante, após o término do contrato de trabalho".1

Na definição de Catia Guimarães Raposo Novo, trata-se de:

[...] acordo celebrado na vigência ou após o término da relação de emprego, para produzir seus efeitos após a rescisão contratual, a qual o empregado qualificado se compromete a não praticar atos de concorrência e desvio de clientela durante determinado período, mediante o recebimento de uma remuneração, sem que fique coibido de exercer funções diversas às quais exercia na empresa.2

Representa, pois, o compromisso assumido pelo empregado de não gerar concorrência com o ex-empregador, após o contrato, mediante compensação financeira, com limitação de tempo, local e atividade.

Nos dizeres de Ari Possidonio Beltran, a cláusula de não concorrência no contrato de trabalho se refere à "obrigação em virtude da qual o empregado se

Page 14

compromete a não praticar por conta própria ou alheia, após a vigência do contrato de trabalho, ação que implique desvio de clientela de seu antigo empregador".3

Trata-se de obrigação de não fazer, que tem por objeto a limitação temporal de área geográfica e setorial do exercício da liberdade ao trabalho pelo ex-empregado, e objetiva proteger o empregador da concorrência gerada pelo seu antigo empregado em favor de outrem ou em nome próprio.

Na acepção de Oris de Oliveira, o contrato de não concorrência é:

[...] contrato, em virtude do qual o empregado (promitente) se compro-mete, mediante contraprestação prevalentemente pecuniária, a não praticar, por conta própria ou alheia, após a vigência do contrato de trabalho, dentro de limites de possibilidade de exercício de sua profissão, de objeto, de tempo e de espaço, ação ou entabular negócios que potencialmente possam desviar, em proveito próprio ou de terceiros, clientela de seu ex-empregador (estipulante), sob pena de estipulante ou promitente, em hipótese de descumprimento, responder por perdas e danos.4

Mediante pactos dessa natureza - na explicação de Maria do Rosário Palma Ramalho -, passam os empregados a ter o dever de "não desenvolver a sua actividade profissional na área de actividade do empregador, durante um período de tempo determinado, subsequente à cessação do contrato de trabalho".5

Consiste em cláusula que pode ser pactuada em momentos diversos - antes do contrato de emprego, no início, durante ou após -, tendo por escopo resguardar os segredos do negócio do empregador, por meio da limitação da amplitude da área de atuação geográfica e da atividade do empregado, quando, por si ou por terceiros, mediante concorrência, houver risco de lesão ao patrimônio imaterial do empregador, em razão do uso ou divulgação das informações obtidas por força do cargo desempenhado pelo empregado no curso da relação de emprego.

1.2. Breve histórico

Para tratar de cláusula de não concorrência, primeiramente é necessário tecer breve histórico sobre a liberdade de iniciativa e livre concorrência, e isso porque a cláusula de não concorrência está umbilicalmente ligada com aquelas.

Com efeito, a cláusula de não concorrência tem por objetivo imediato a preservação dos segredos próprios do negócio do empregador, tendo por escopo mediato e macro a manutenção de um equilíbrio formal na competição por uma

Page 15

fatia de mercado, procurando evitar que um dos competidores obtenha vantagens por conta de informações obtidas de ex-empregado do concorrente.

1.2.1. Livre-iniciativa

O princípio da liberdade de iniciativa econômica tem as suas origens no édito de Turgot, de 1776, que determinou o fim das monopolistas corporações de ofício.

Com a Revolução Francesa de 1789, definitivamente a indústria e o comércio ficaram liberados das velhas restrições - período em que se incrementou substancialmente a produção em razão do uso das máquinas industriais, impondo a necessidade de escoamento dos bens, provocando acentuada concorrência, o que causou barateamento dos preços dos produtos, obrigando as indústrias a diminuírem custos com o escopo de se manterem competitivas frente à concorrência instaurada.

Em 1791, foi editado o decreto d’Allarde, que reafirmava o princípio da liberdade de iniciativa econômica, ao enunciar a liberdade ao exercício de qualquer negócio, ofício, profissão ou arte, desde que mediante a paga de um imposto, taxas aplicáveis e sujeição aos regulamentos de polícia, suprimindo com isso as corporações de ofício.

A Lei Le Chapelier promulgada ainda naquele ano tem as mesmas bases, proibindo as corporações de ofício. O que se constata é que, mesmo na origem, inexistia liberdade absoluta ao exercício da atividade econômica, que ficava sujeita aos regulamentos aplicáveis.

Com a segunda fase6 da Revolução Industrial, entre 1860 e 1960, há uma mudança de paradigma, pois se passou a perceber a importância dos inventos como forma de riqueza, não se exaurindo no produto acabado7, tanto que a Convenção de Paris8, de 1886, regulou a proteção da propriedade industrial, tendo por objeto as patentes de invenção, modelos de utilidade, desenhos ou modelos industriais, marcas de serviço, nome comercial e as indicações de procedência ou denominações de origem, bem como a expressa repressão da concorrência desleal.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia9, de 2002, trata da livre iniciativa, sob o título "Liberdade de empresa", consoante se extrai do art. 16, que reconhece a liberdade de empresa, de acordo com o direito comunitário, e as legislações e práticas nacionais.

Page 16

No que tange ao cenário constitucional nacional, a Constituição Federal de 193410 foi a primeira a dedicar capítulo às ordens econômica e social, estabelecendo os limites de exercício da liberdade econômica, no sentido de que a ordem econômica deveria ser organizada de acordo com os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, a fim de possibilitar a vida digna a todos.

A Carta de 1937 trazia capítulo atinente à Ordem Econômica, e dispunha que a riqueza nacional se fundava na iniciativa individual, criação, organização e invenção do indivíduo. Essa iniciativa deveria ser exercida nos limites do poder público, embora o Estado não pudesse intervir no domínio econômico, salvo para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção.11

A Constituição de 1946 voltou a intitular capítulo relativo à Ordem Econô-mica e Social, prevendo, em seu art. 145, que "a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano".

Disciplinou, ainda, nos termos do art. 148, que "a lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou os agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros". A Carta de 1946 foi a primeira a enunciar a repressão ao abuso do poder econômico e a preservação da concorrência.

A Constituição de 1967 se aproximou da redação atual, ditando que a ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, observados: I) a livre-iniciativa; II) a valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III) a função social da propriedade; IV) a harmonia e solidariedade entre os fatores de produção; V) o desenvolvimento econômico; VI) a repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

1.2.2. Preservação da concorrência e cláusula de não concorrência

O embrião da concorrência no Brasil data de 1807, ano em que teve início as fases econômica e cultural que propiciaram o desenvolvimento do comércio e das

Page 17

pequenas indústrias, motivado pela chegada da Corte de D. João VI e estrangeiros que a acompanhavam, bem como em razão da abertura dos portos.12

Em 1850, por meio da Lei n. 556, foi criado o Código Comercial, que tinha por escopo regular as relações dos comerciantes, agentes auxiliares do comércio e outras relações de comércio e empresa.

O primeiro caso de repercussão nacional em que se defendeu a preservação do concorrente foi enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal em 1914. O Conde Antonio álvares Leite Penteado alienou a Companhia Nacional de Tecidos de Juta, no entanto, pouco tempo após, o Conde construiu nova fábrica (Companhia Paulista Aniagem) para atuar exatamente no mesmo ramo da Cia Juta, e ainda vizinha desta.

Na época, o contrato nada previa quanto à possibilidade do alienante constituir novo fundo de comércio vindo a concorrer com a fábrica que alienou. Advogando para a Cia Juta estava José xavier Carvalho de Mendonça, e atuando em favor da Companhia Paulista Aniagem, Rui Barbosa.13

Dada a ausência de previsão contratual de não concorrência, a demanda foi julgada em favor do Conde Penteado. Pouco tempo depois, a doutrina começou a defender majoritariamente o contrário, tendo à frente José xavier Carvalho de Mendonça, que advogava "fazer boa ao comprador a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT