O CNJ e a reconfiguração do campo judiciário

AutorJosé Guilherme Vasi Werner
Páginas149-180
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O CNJ E A RECONFIGURAÇ‹O DO
CAMPO JUDICI˘RIO
Ao im do processo de reforma conduzido pela Emenda Constitucional
45/2004, o Judiciário brasileiro passou a ter uma estrutura caracterizada pelas
seguintes características:
1 Um tribunal ao mesmo tempo constitucional e de recursos, o Supremo
Tribunal Federal manteve-se no topo do organograma de competências,
detendo atribuição para conhecer, via recurso, de quaisquer matérias
que venha a considerar de natureza Constitucional (a ampliação dessa
prerrogativa de decidir sobre sua competência de julgamento é facilitada
pelo rol signiicativamente abrangente de nossa Constituição); controle
de decisões dos tribunais superiores via recurso; controle de decisões
do CNJ, via mandado de segurança, e outros instrumentos; capacidade
de uniformização de jurisprudência com efeito vinculante e obrigatório
para todos os juízes e tribunais e toda a Administração Pública Direta
e Indireta da União, Estados e Distrito Federal, com ministros vitalícios
(aposentadoria compulsória aos 70 anos) e indicados pelo presidente da
República, mediante aprovação da maioria absoluta do Senado.
2 Seguia-se a ele um conselho administrativo judiciário (Conselho Nacio-
nal de Justiça) inserido logo abaixo do STF, sem função jurisdicional, mas
com atribuição para realizar o controle administrativo dos tribunais e
o controle disciplinar de seus juízes, integrado pelo presidente do STF,
por um ministro do STJ e um do TST, além de magistrados indicados por
esses tribunais superiores, por advogados indicados pela OAB, por mem-
bros do Ministério Público indicados pelo procurador geral da República
e por dois cidadãos nomeados – cada um deles pelo Senado e pela Câma-
ra dos Deputados.
3 Um tribunal federal de recursos de temas infraconstitucionais (o Su-
perior Tribunal de Justiça), com atribuição para julgar governadores e
membros dos tribunais de segunda instância e tribunais de contas dos
Estados e Municípios, bem como competência para julgar, mediante re-
curso, alegadas violações de leis federais, composto por 2/3 de juízes e
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1/3 de advogados e membros do Ministério Público, em uma solução que
copia a composição do Tribunal Federal de Recursos da Constituição de
1946 e com isso desprestigia não só os juízes de carreira, mas, também,
os juízes em geral, ao abrir um lanco signiicativo no campo para o in-
gresso de agentes não necessariamente orientados pela sua lógica.
A posição de ministro do STJ icou ainda mais valorizada com a colocação
da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (EN-
FAM) sob seu controle, além do Conselho da Justiça Federal (CJF), “órgão
central do sistema” e poderes correicionais no âmbito da Justiça Federal.
A ENFAM representava mais um passo em direção à centralização, unifor-
mização e hierarquização, pois a ela passaria a atribuição de regulamentar
os cursos de ingresso e promoção na carreira, retirando mais essa atri-
buição dos tribunais regionais e dos Tribunais de Justiça. A despeito das
diversidades regionais, que se reletem até mesmo nas questões levadas a
juízos e tribunais, passou a caber a esse órgão controlado pelo STJ (um tri-
bunal da União, composto por apenas 2/3 de juízes e, mesmo assim, como
vimos, não necessariamente juízes de carreira) a deinição do que deve
conter, por exemplo, um curso de formação e aperfeiçoamento dos juízes
de um determinado Estado. Melhor, em termos de autonomia, seria uma
solução semelhante àquela dada quanto à composição do TST.
Essas disposições (contidas no parágrafo único, I, do art. 104 da Consti-
tuição) pareciam ainda deixar aos tribunais locais a orientação dos seus
próprios concursos, para que, pelo menos nesse momento, pudessem in-
luenciar de algum modo a escolha da qualidade e do caráter dos juízes
que poderiam ingressar na carreira. No entanto, também isso foi retirado
da esfera de interferência dos tribunais por meio de uma resolução do
CNJ que, deinindo o tipo de prova, de matérias e de questões que devem
ser observadas nos concursos, poderá determinar a lógica e a orientação
que devem ser seguidas pelos juízes em todo o território nacional, não
importa onde irão exercer suas atribuições.
Quanto ao CJF, embora já estivesse previsto desde 1988, tinha apenas a
supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal. Com a Re-
forma, passou a ter atribuições correcionais e a igurar como órgão de
controle e centralização. Leia-se: mais uniformização e hierarquização.
4 Um tribunal para uniformização de temas trabalhistas em nível federal, o
Tribunal Superior do Trabalho, composto de 26 ministros, sendo 1/5 no-
meados entre advogados e membros do Ministério Público e o restante
de juízes dos tribunais regionais do trabalho oriundos da carreira, pros-
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seguindo com a solução dada desde a redação original da Constituição,
que reduzia as inluências externas no âmbito da Justiça Trabalhista ao
garantir vagas no tribunal superior aos magistrados de carreira, diversa-
mente da solução adotada para a composição do STJ e do TSE, que acaba-
va por prestigiar advogados em detrimento de juízes de carreira nas suas
composições.
5 Um tribunal federal de questões eleitorais, o Tribunal Superior Eleitoral,
órgão máximo da Justiça Eleitoral especializada, composto por 3 minis-
tros do STF, dois ministros do STJ e dois advogados nomeados pelo pre-
sidente da República e tirados de uma lista de seis nomes pelo STF, exa-
tamente como previsto na redação original da Constituição. Manteve-se,
também, o desenho do Superior Tribunal Militar.
6 Além desses tribunais superiores, nosso Judiciário conta com tribunais de
segunda instância federais e estaduais constituídos de 4/5 de magistrados
de carreira e 1/5 dentre advogados e membros do Ministério Público.
Quanto à carreira, a Reforma legou: (i) ingresso de juízes por concursos com
a participação da OAB em todas as fases; (ii) promoção por antiguidade, somente
podendo ser recusada por voto fundamentado de 2/3 de seus membros; (iii) pro-
moção por merecimento a ser apurado conforme o desempenho e pelos critérios
objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequên-
cia e pelo aproveitamento em cursos oiciais ou reconhecidos de aperfeiçoamen-
to; (iv) remoção a pedido e por interesse público; (v) possibilidade de disponi-
bilidade e aposentadoria compulsórias; e (vi) perda do cargo apenas mediante
condenação judicial transitada em julgado.
Foi aprovada, ainda, a chamada “quarentena” de três anos para o exercício
da advocacia por magistrados que deixaram o cargo, o que nos parece mais uma
vitória do campo da advocacia sobre os agentes da burocracia judiciária. Quis-s e
evitar, como referido por Demóstenes Torres, que “com o seu pronto ingresso
nessa atividade proissional, possam ocorrer situações de concessão de privilé-
gios, por força da antiga investidura, em detrimentos dos demais colegas advoga-
dos” (BRASIL, 2004, p. 21396).
Podemos perceber, no que se refere às garantias clássicas dos juízes (vita-
liciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos), que a reforma do
Judiciário manteve as conquistas da Constituinte de 1987-1988. Assim, pelo me-
nos nesse ponto, foi prestigiada a independência judicial.
A promoção por merecimento também foi objeto de alteração que procurou
reduzir as inluências sobre o juiz que busca a ascensão na carreira. Este não

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