A codificação do dolo eventual no movimento para a reforma do Código Penal italiano
| Autor | Sheila Jorge Selim de Sales |
| Páginas | 217-248 |
SHEILA JORGE SELIM DE SALES• 217
A CODIFICAÇÃO DO DOLO EVENTUAL
NO MOVIMENTO PARA A REFORMA
DO CÓDIGO PENAL ITALIANO
Sheila Jorge Selim de Sales1
Resumo: A partir do nal dos anos oitenta, o dolus eventualis tem
sido tema de reexão constante no direito penal em todo o mundo.
Não sem razão, o conceito de dolo eventual, além de servir a uma
ideologia expansiva do direito penal, pode ser, também, facilmente
manipulado para aplicação em fatos culposos. Tal como é previsto
na legislação penal brasileira, trata-se de conceito cuja exibilidade,
na praxe, faculta seu manejo em prejuízo do denunciado, sendo pou-
co compatível com o direito penal de garantia, ideário dos Estados
de Direito democráticos. O tema merece relevância sobretudo em
face da denominada sociedade risco, caracterizado pela diminuição
dos requisitos para a responsabilidade penal, e também pelo seu ca-
ráter preventivo e simbólico. Pensando na atualidade da discussão
sobre o tema, que sem dúvida trata-se de um conceito em crise, e no
interesse que os estímulos e experiências que o direito comparado
podem trazer, realiza-se uma breve exposição sobre a codicação
do dolo eventual nos diversos projetos para reforma penal italiana,
como modelos que podem apresentar interesse para o debate sobre
matéria no direito penal brasileiro.
Palavras-chave: dolo eventual; codicação; expansão do direito pe-
nal; Itália; projetos de reforma.
1
Professora Titular de Direito Penal na Faculdade de Direito da UFMG.
Chefe do Departamento de Direito e Processo Penal da FDUFMG. Mes-
tre em Ciências Penais pela Faculdade de Direito da UFMG. Doutora em
Direito Penal e Criminologia pela Universidade de Roma – La Sapienza.
Pós-doutorado na Universidade de Roma – La Sapienza.
218 • PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO: CAPÍTULO 9
Abstract: Since the ending of the eighties, the dolus eventualis has
been the theme of constant reexion in the criminal law area all over
the world. Besides of being used as an ideology that expands crimi-
nal law, the concept of dolus eventualis can be easily manipulated to
be used in unwillingly acts. As seen in the Brazilian criminal code,
this concept has a exibility which provides, when handling it, da-
mage to the accused party, not been compatible with the criminal
law’s warranties pursued by a democratic state. e theme awake-
ns relevance, especially, when put against risk society, described as
preventive and symbolic, with a decrement of requirements for a
criminal responsibility. us the actuality of the theme’s subterfuge
- without doubt it is a concept aicted by crisis - and the products
brought by experiences and incentives of a comparative law, a brief
exposition is to be taken about the codication of dolus eventualis
that takes place in various Italian criminal reform projects.
Keywords: dolus eventualis; Codication; criminal law expansion;
Italy; reform projects.
Riassunto: Sin da la ne degli anni ’80, il dolus eventualis è tema di
riessione ricorrente nella scienza del diritto penale. Il concetto, al
di là di servire ad una ideologia espansiva del diritto penale, è agevo-
le ad essere aplicato a fatti colposi. Nel modo in cui è previsto nella
legislazione penale brasiliana, trattasi di concetto la cui essibilità
può essere manipolata, oltre ad essere poco compatibile con l’dea di
un diritto penale garantista, caratteristico degli Stati democratici. Il
tema presenta interesse anche con riguardo al diritto penale del ris-
chio, caratterizzato dalla diminuzione dei requisiti della responsabi-
lità penale e dal suo prolo preventivo e simbolico. La discussione
del tema che, senz’altro, è un concetto in crisi, e tenendo in conto
gli stimoli e le esperienze che il diritto comparato possono orire, il
saggio ora scritto realizza una breve esposizione sulla codicazione
del dolus eventualis nei diversi proggetti per la riforma del diritto
penale italiano, con la nalità di arrichire il dibbatito sul tema nel
diritto penale brasiliano.
Parole-chiave: dolus eventualis; codicazione; espansione del dirit-
to penale; Italia; proggetti per la riforma del codice penale italiano.
SHEILA JORGE SELIM DE SALES• 219
1 Considerações iniciais: do dolo eventual como um conceito
em crise
A partir dos anos noventa, o dolo eventual tem sido tema
de reexão constante no direito penal em todo o mundo.2 Não sem
razão, o conceito de dolo eventual, além de servir a uma ideologia
expansiva do direito penal,3 pode ser, também, facilmente manipu-
lado para aplicação em fatos culposos.4
No direito penal brasileiro, em vista da vaga formulação le-
bém já foi se armou que “em face da equivocidade dos seus termos,
a fórmula do código é evidentemente incompatível com um direito
penal de garantia, o que está a exigir uma precisa tomada de posição
da doutrina para delimitá-lo no seu verdadeiro sentido.”5
Com efeito, o dolo eventual, como previsto em nossa legis-
lação, trata-se de criação dogmática, cuja exibilidade, na praxe, fa-
culta seu manejo em prejuízo do denunciado, sendo pouco compa-
tível com o direito penal de garantia, ideário dos Estados de Direito
democráticos.
O tema ainda desperta interesse em face do denominado di-
reito penal de risco, voltado para a contemporânea sociedade mun-
dial do risco,6 no qual há uma “redução dos requisitos de responsa-
2
Apenas para ilustrar, mencionamos aqui alguns volumes monográcos
sobre o tema: no direito penal italiano, CANESTRARI, Stefano. Dolo even-
tuale e colpa cosciente: ai conni tra dolo e colpa nella struttura delle tipolo-
gia delituose, 1999; e PROSDOCIMI, Salvatore. Dolus eventualis, 1993. Nos
países de língua espanhola, cf. os trabalhos monográcos de PITA, Del Mar
Diaz. El dolo eventual, 1994; SANCHEZ, Bernardo Feijóo. El dolo eventual,
2004; e TENCA, Adrian Marcelo. Dolo eventua l, 2010.
3 Assim, no direito penal brasileiro, cf. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Ainda
a expansão do direito penal: o papel do dolo eventual. RBCcrim, v. 64, p.
222-238.
4
Neste sentido, cf. BATISTA, Nilo. Novas tendências do direito penal, p. 24.
5
TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2002,
p. 350.
6
Segundo BECK, Ulrich.Un mondo a rischio. Trad. Laura Castoldi, Torino:
Einaudi, 2003, p. 17-18. Na denominada “sociedade mundial do risco”, as
atividades que habitualmente praticamos “não nascem de uma relação idí-
lica de todos com todos. Nascem de uma situação de perigo gerada pelas
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO