O código civil de 2002 e a responsabilidade dos sócios e administradores

AutorMaria Rita Ferragut
Páginas257-296
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Capítulo X
O CÓDIGO CIVIL DE 2002 E A
RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS E
ADMINISTRADORES
10.1 A importância dos conceitos de direito civil para
a correta compreensão e aplicação do direito
tributário
A Lei 10.406/2002 introduziu no ordenamento jurídico
brasileiro o atual Código Civil, em substituição ao anterior,
aprovado pela Lei 3.071/1916.
A importância do estudo da legislação civil, para todo
aquele que se propõe a conhecer o direito tributário, reside
na circunstância de que os fatos descritos nas regras-matrizes
de incidência tributária são definidos e regulados a partir do
direito privado. Assim, conhecer esses conceitos, propicia ao
intérprete ferramentas para a correta construção do sentido
das normas jurídicas tributárias.
Há de se considerar, além disso, que o art. 110 do CTN
proibiu ao legislador eleger livremente o conteúdo semântico
dos signos utilizados para definir a materialidade dos tributos,
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MARIA RITA FERRAGUT
ao dispor que “A lei tributária não pode alterar a definição,
o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de
direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela
Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pe-
las Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para
definir ou limitar competências tributárias.”
Exemplo típico de construção de conteúdo semântico di-
verso do empregado pelo direito privado é a incidência da con-
tribuição social sobre o pro labore pago aos administradores de
pessoas jurídicas e trabalhadores autônomos, em época em que
a Constituição permitia a tributação apenas sobre a folha de sa-
lários. O Supremo Tribunal Federal, baseando-se na impossibi-
lidade de a lei fiscal alargar o conteúdo dos termos regulados
pelo direito privado, declarou a inconstitucionalidade do tributo.
Por isso, não temos dúvidas de que o conteúdo semân-
tico do vocábulo “imóvel” será sempre o mesmo, seja para
fins civis, comerciais ou tributários, ainda que a lei tributária
possa, dentro dos limites impostos pela Constituição, definir
o tratamento fiscal aplicável. O mesmo ocorre com os impos-
tos sobre a propriedade imobiliária, sobre a propriedade de
veículos automotores, sobre a transmissão inter vivos onerosa
de bens imóveis, sobre operações de crédito, câmbio e seguro,
sobre as operações relativas a títulos e valores mobiliários, so-
bre a transmissão causa mortis de bens, sobre doações, sobre
a prestação de serviços etc.
Portanto, à lei tributária é vedado empregar a analogia
e a interpretação extensiva, para os fins de abranger o maior
número possível de fatos passíveis de tributação, alargando,
com isso, a discriminação constitucional de competências e
desrespeitando a taxatividade dos tipos tributários.
Para concluir, há de se considerar que, na aplicação do art.
110 do CTN, o conteúdo, alcance e conceitos de institutos de di-
reito privado são aqueles contidos na lei privada em vigor na
data da promulgação da Constituição Federal (5 de outrubro
de 1988). Não fosse assim, qualquer alteração promovida pela
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RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
legislação infraconstitucional, que modificasse conceitos até en-
tão existentes, seria capaz de alterar as competências tributárias.
10.2 Superioridade h ierárquica das normas veicu ladas
no CTN sobre as constantes do Código Civil
Como teremos oportunidade de verificar ao longo desse ca-
pítulo, por vezes o Código Civil regula matérias não tratadas de
forma específica pelo CTN, mas que podem refletir nas relações
jurídicas tributárias. Em outras situações, tanto o CTN quanto o
Código Civil disciplinam, de forma harmoniosa, a mesma maté-
ria. Finalmente, também constataremos algumas incompatibili-
dades entre as normas veiculadas nesses dois Códigos.
O direito positivo convive com disposições contraditórias
– diferentemente do que ocorre com a Ciência do Direito, em
que isso não pode ocorrer dado os princípios da identidade,
da não contradição e do terceiro excluído – e, nesses casos, a
função do jurista e do aplicador do direito é justamente a de
sanar a aparente incompatibilidade, construindo o conteúdo
e o alcance da matéria legislada, a fim de estabelecer a melhor
solução para o caso concreto.
Assim, se ambos os Códigos estão em vigor, imperioso deter-
minar os respectivos campos de abrangência, a forma de interação
das normas e o alcance do Código Civil em matéria tributária.
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Entendemos que as normas veiculadas no CTN prevale-
cem sobre as constantes do Código Civil, quando incompatí-
veis entre si e quando o objeto de regulamentação for de com-
petência do direito tributário. Justifiquemos:
1)
O CTN foi recepcionado pela ordem constitucional de
1988 como lei complementar, em face do disposto no
120. Sobre esse tema, vide trabalho de Ricardo Mariz de Oliveira, intitulado O em-
presário, a sociedade empresária, a sociedade simples e a responsabilidade tributária
perante o Código Tributário Nacional – CTN e o Código Civil de 2002. Texto inédito
preparado para o XVII Congresso Brasileiro de Direito Tributário do Instituto Ge-
raldo Ataliba – IDEPE – Instituto Internacional de Direito Público Empresarial.

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