Código de defesa do consumidor e atividades bancárias

AutorAlice Saldanha Villar
Páginas107-115

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1 Extensão do Conceito de Consumidor: Teorias Finalista, Maximalista e Finalista Mitigada

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não apresenta apenas um conceito de consumidor, mas quatro conceitos: o do caput do art. 2º, o do parágrafo único do art. 2º, o do art. 17 e o do art. 29, descritos a seguir:

CDC. Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

CDC. Art. 2º. Parágrafo único - Equipara-se a consumidor a coletivi-dade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

CDC. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

CDC. Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

Na sistemática do CDC, a relação de consumo existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária final do produto ou serviço. A respeito do alcance do conceito de consumidor surgiram duas teorias: a) a teoria finalista ou subjetiva e b) a teoria maximalista ou objetiva.

A teoria finalista postula que o consumidor final da aquisição é aquele que adquire o produto ou serviço para proveito próprio, não o reinserindo no mercado. Aplicando esta teoria, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) define o destinatário final como

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aquele que "ultima a atividade econômica", ou seja, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele no processo produtivo, seja na revenda, no uso profissional, na transformação do bem por meio de beneficiamento ou montagem, ou em outra forma indireta.127Sob esse enfoque, descaracteriza-se a relação consumerista se o bem ou serviço passar a integrar a cadeia produtiva do adquirente, ou seja, se for posto à revenda ou transformado por meio de beneficiamento ou montagem.

Nessa linha, elucida Claudia Lima Marques:128Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência - é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida "destinação final" do produto ou serviço, ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e distribuição.

A proteção do consumidor é garantida pela CF/88 (art. 5º, XXXII, e art. 170, V), com o intuito de reequilibrar uma relação profundamente desigual entre fornecedor e consumidor. Assim, na sistemática do CDC, a proteção ao consumidor é endereçada "àquele que utiliza o produto ou serviço para seu uso exclusivo ou familiar, sem finalidade de utilizá-lo no bojo de uma atividade econômica com fins lucrativos". Ora, "não faria sentido uma proteção especial àqueles que utilizam o produto ou serviço como insumos ou etapas de sua atividade produtiva". Neste caso, haveria uma atividade empresarial, regida pelas normas do Direito Civil e/ou Empresarial.129

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Enquanto a teoria finalista apresenta uma interpretação restritiva das normas de proteção do consumidor, a teoria maximalista ou objetiva propõe uma aplicação ampliativa do código consumerista. Buscando alargar o conceito de consumidor, a teoria maximalista considera que "consumidor seria o destinatário final fático do produto ou do serviço, ou seja, aquele que o retira do mercado e o consome, ainda que no bojo de uma atividade produtiva".130Veja, portanto, que a teoria maximalista amplia a noção de consumidor, exigindo para a caracterização de consumidor final apenas que o adquirente seja o destinatário fático do produto. Para essa corrente, "pouco importa se o produto será utilizado com benefício econômico por quem o adquiriu, ou se o consumidor usa o bem com um fim profissional. Avalia-se, apenas, se o produto foi retirado do mercado".131Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, surge uma terceira teoria, que interpreta a expressão "destinatário final" do art. 2º do CDC de forma mista. Trata-se da chamada teoria "finalista aprofundada" ou "finalista mitigada". Esta teoria foi criada pelo STJ, com base no art. 29 do CDC. Por esta teoria, admite-se, conforme cada caso concreto, que a parte (pessoa física ou jurídica) adquirente de um produto ou serviço possa ser equiparada a consumidor, quando demonstrada a sua vulnerabilidade frente ao fornecedor ou vendedor, ainda que não destinatária final do serviço. Como elucida a Ministra Nancy Andrighi:132(...) 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, em um processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.

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