Código florestal brasileiro, agricultura familiar e assentamentos rurais

AutorVirgínia Totti Guimarães - Juliana Chermont Pessoa Lopes - Paula Máximo de Barros Pinto
CargoDoutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. - Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Estudante de Especialização em Políticas Públicas e Planejamento Urbano (IPPUR/UFRJ) - Graduanda em Direito pela Pontifícia ...
Páginas106-125
Dom Helder Revista de Direito, v. 1, n. 1, Setembro/Dezembro de 2018.
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CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO, AGRICULTURA
FAMILIAR E ASSENTAMENTOS RURAIS
BRAZIL´S FOREST CODE, FAMILY FARMING AND RURAL SETTLEMENTS
Virgínia Totti Guimarães
36
Juliana Chermont Pessoa Lopes37
Paula Máximo de Barros Pinto38
Artigo recebido em: 28/11/2018.
Artigo aprovado em: 17/12/2018.
Resumo: O presente trabalho visa analisar as normas do Código Florestal de 2012 aplicáveis aos
agricultores familiares e, ainda, aos assentamentos rurais. A metodologia baseia-se em pesquisa e análise
crítica da bibliografia, bem como levantamento de dados específicos relativos ao Cadastro Ambiental Rural.
As peculiaridades do tratamento destinado aos assentamentos rurais no processo de inscrição no Cadastro
Ambiental Rural (CAR) são analisadas, objetivando-se apresentar questionamentos sobre os direitos e
garantias dos assentados decorrentes desse cadastramento. O trabalho traz reflexões acerca das Cotas de
Reserva Ambiental originárias de assentamentos rurais. Verificou-se que, no que se refere ao CAR, a
maioria das regras específicas sobre assentamentos rurais direciona-se à simplificação dos procedimentos,
mas não houve previsão sobre a necessária participação dos assentados na geração das informações a serem
incluídas no Cadastro, bem como a garantia de amplo acesso aos estudos e dados produzidos no âmbito do
INCRA. No que se refere aos pagamentos por serviços ambientais, além dos debates relativos a
mercantilização da natureza, não há sequer menção sobre as cotas originadas de excedentes de vegetação
nativa em assentamentos rurais, o que gera uma série de questionamentos a respeito dos direitos garantidos
nos procedimentos estabelecidos pelo Código Florestal.
Palavras-chave: Código Florestal; assentamentos rurais; Cadastro Ambiental Rural (CAR)
Abstract: This work aims to analyze the rules of the Forest Code of 2012 applicable to family farmers, and
especially those specific rules applied to rural settlements. The methodology is based on research and critical
analysis of the bibliography, as well as the collection of specific data related to the Environmental Registry
of Rural Properties. The peculiarities of the treatment to the rural settlements durying the process of
registration in the Environmental Registry of Rural Properties (CAR) were analyzed aiming to present
questions about the rights and guarantees of the settlers. The work brings reflections about the
Environmental Reserve Quotas created from forests inside rural settlements. It was verified that, regarding
to the CAR, most of the specific rules about rural settlements in the Forest Code are directed to the
simplification of the procedures, but there was no prediction about the necessary participation of the settlers
in the generation of the information to be included in the registry, as well as the guarantee of others access to
studies and data produced within INCRA. In addition, as far as payments for environmental services are
concerned, besides the discussion about the natures mercalization, there is no mention of the generation of
36 Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professora da P ontifícia Universidad e Católica do
Rio de Janeiro.
37 Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Estudante de Especialização em P olíticas
Públicas e Planejamento Urbano (IPPUR/UFRJ)
38 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Dom Helder Revista de Direito, v. 1, n. 1, Setembro/Dezembro de 2018.
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quotas originating from native forest inside rural settlements, which translates into a series of questions
regarding the implementation of the Forest Code.
Keywords: Forest Code; rural settlements; Environmental Registry of Rural Properties (CAR).
1 INTRODUÇÃO
O Código Florestal de 2012 (Lei 12.651/2012) é resultado de um processo legislativo polêmico, em
que se pode dizer que prevaleceram os interesses de determinado setor agrícola, atualmente representado
pela Bancada Ruralista no Congresso Nacional.
39 Durante suas discussões, muito se argumentou sobre a
necessidade de alteração das normas florestais para beneficiar a agricultura familiar, quando na verdade se
tratava de interesses de grandes proprietários.
Três são os pilares do Código Florestal aprovado em 2012. O primeiro é a diminuição das regras de
proteção ambiental, por meio da alteração de critérios técnicos para definição de áreas de preservação
permanente (APP´s), do estabelecimento de exceções ao regime geral de proteção destas áreas, da
diferenciação jurídica entre apicuns e manguezais, dentre outros. O segundo pilar do Código Florestal de
2012 refere-se as ilegalidades, e é a regularização de atividades que ocorriam em dissonância à legislação
em vigor, mediante a criação da área rural consolidada, bem como pela anistia de multas e crimes relativos
ao revogado Código (Lei 4.771/1965). O terceiro pilar é a instituição de um mercado de pagamento por
serviços ambientais no Brasil.
O presente artigo tem como objetivo analisar as normas do Código Florestal específicas sobre
agricultura familiar e assentamentos rurais, como forma visibilizar o debate sobre os direitos destes sujeitos
e discutir o processo político que os tem preterido em detrimento de outros interesses. Tem-se como
pressupostos, de um lado, a extrema importância da agricultura familiar, com a necessária discussão sobre
políticas públicas que a viabilizem e desenvolvam, e, de outro, o acirramento de uma agenda política de
benefício ao agronegócio e agricultura extensiva.
A importância da agricultura familiar possui, ao menos, três dimensões que merecem ser
destacadas, desde já. A primeira refere-se à identidade de ser agricultor ou camponês, o que inclui o direito a
permanecer como tal, por meio de um estilo de vida próprio, vinculado à prática de atividades no campo.
Não se pode negar tal direito a esse grupo social, fundamental para a constituição de identidades no Brasil.
A segunda dimensão refere-se ao modo de distribuição no território brasileiro, muito extenso, e que não
pode prescindir de ocupação humana em áreas rurais ou destinadas a atividades agropastoris. Outro fator
está relacionado à relevância da agricultura familiar para produção de alimentos e do modo como isso
ocorre. Como exemplo, destaca-se que, segundo informações do Governo Federal, apenas 30% dos
39 Entende-se como Bancada Ruralista a Frente Parlamentar da Agropecuária, instituída a cada mandato legislativo do Congresso
Nacional.

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