Combate à corrupção efetivo, republicano e democrático como redutor da desigualdade social

AutorLeandro Mitidieri Figueiredo
Páginas173-286
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CAPÍTULO III
A tese principal do presente trabalho é a de que a corrupção é
uma das causas da desigualdade social, assim como a desigualdade
social é uma das causas da corrupção, como amplamente abordado na
Parte II. Neste diapasão, tudo que se abordará em seguida ataca uma
parte desse ciclo vicioso, restando ainda a tarefa do combate direto da
desigualdade, para um enfrentamento integral da corrupção.
No presente capítulo, estabelecida a premissa fixada da relação
entre corrupção e desigualdade, resta a necessidade de uma análise
crítica do combate à corrupção, no sentido de que não é qualquer
enfrentamento da corrupção que funcionaria como redutor da
desigualdade.
Procura-se aqui a contraposição entre um combate à corrupção
político, seletivo e descumpridor de garantias fundamentais - que não
exerce seu devido papel e pode até agravar as desigualdades -, e um
enfrentamento da corrupção efetivo, republicano e democrático,
consentâneo com o objetivo fundamental constitucional da redução da
desigualdade, cuja descrição desenvolver-se-á abaixo.
3. COMBATE À CORRUPÇÃO EFETIVO,
REPUBLICANO E DEMOCRÁTICO COMO
REDUTOR DA DESIGUALDADE SOCIAL
A questão do enfrentamento da corrupção é comumente
abordada em duas grandes perspectivas: a preventiva e a repressiva.
3.1. Enfrentamento Preventivo
Há muito lugar comum no tema da prevenção da corrupção,
sendo difícil fugir do básico: reforma do Estado (principalmente
eleitoral), controle/responsabilidade (accountability), transparência
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governamental e educação (voltada ao exercício da cidadania)384. Como
praticamente tudo no mundo real, corrupção é um fenômeno
multifatorial e, de fato, todas essas questões operam no enfrentamento
preventivo da corrupção.
3.1.1.
Reforma do Estado
SUSAN ROSE-ACKERMAN afirma que a reforma
anticorrupção não pode se dar de forma isolada, mas fazer parte de
um esforço geral de reforma da governança envolvendo agentes
públicos, empresas privadas, organizações da sociedade civil e
cidadãos. Ressalta o que entende uma lição importante, reforma não
deve se limitar à criação de "sistemas de integridade"385 ou "agências de
combate à corrupção". Em vez disso, mudanças na forma como o
Estado opera devem estar no centro da agenda de reformas. O
principal objetivo deve ser o de reduzir os incentivos à prática de
corrupção ex ante, mais do que reforçar os sistemas de controle ex post.
Endurecimento e fiscalização são necessários, mas terão pouco
impacto em longo prazo se as reformas não reduzirem as condições
básicas que estimulam as práticas. Se os estímulos e as instituições
continuarem como são, a eliminação de um conjunto de "maçãs
384 Da dos c oletados p or FLÁVIO SAMARA MENDES apontam que municípios
brasileiros com nível de educação maior tendem a apresentar um grau d e corrupção
menor que os demais: “A variável anos de escolaridade, principal foco deste trabalho,
é estatisticamente significativa ao nível de 1%. O sinal de seu coeficiente é coerente
com a intuição e literatura especializada, apontando que um ano a mais de
escolaridade nos municípios brasileiros implica, em média, ao recuo de 6,83% da
corrupção no município em questão.” SAMARA MENDES, Flávio. Educação e
corrupção: estimando um canal direto entre o nível educacional e o gra u de corrupção nos municípios
brasileiros. 2013. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11118/Disserta%
C3%A7%C3%A3o_Fl%C3%A1vio%20Samara%20Mendes.pdf?sequence=2&isAll
owed=y>. Acesso em: 24 nov. 2016.
385 O Sistema Nacional de Integridade, elaborado pela Transparência Internacional,
avalia pilares do sistema de governança de um país, em termos de risco de corrupção
interna e de combate à corrupção na sociedade em geral. Disponível em:
<http://www.transparency.org/whatwedo/nis/>. Acesso em: 24 nov. 2016.
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podres" em breve levará ao surgimento de um novo grupo sucessor de
agentes corruptos386.
Condições para reformas. Um Estado dominado por
corrupção sistêmica mostra resistência a reformas sérias. Pode ser que
as condições para reforma sejam criadas por um escândalo ou uma crise
econômica, ou ambos, aproveitando-se a indignação popular. Outra
dificuldade é a manutenção de reformas realizadas. Nos Estados
Unidos, o assassinato do presidente James Garfield, em 1881, por um
desapontado caçador de cargo, revelou as fraquezas do sistema de
patronato e ajudou a estimular uma reforma no serviço público. Na
Suécia, uma desastrosa derrota militar imposta pela Rússia em 1809
catalisou um esforço de reforma, embora demorasse muitas décadas
para que as principais reformas se tornassem institucionalizadas387.
Incentivos e reformas em geral. Do lado da máquina
pública, os incentivos à corrupção seriam: o poder sobre a distribuição
de um benefício público ou a imposição de um custo, possibilidade de
tomada de decisão discricionária e não baseada em regras, baixos
salários, falta de profissionalismo, falta de monitoramento, baixa ou
ineficaz punição, falta de prestação de contas, transparência deficiente
e percepção do agente público de que seus pares são corruptos. Do
lado dos particulares, o incentivo seria o intuito de minimizar os custos
impostos pelo Estado e maximizar as vantagens: altos custos das
políticas governamentais - tanto regulamentos quanto impostos,
políticas públicas complexas ou confusas, desejo de vantagem sobre a
concorrência e de aquisição de valiosos contratos administrativos, além
do objetivo de evitar persecução por crimes cometidos. Nessa
abordagem, a combinação mais incentivadora seria a de um agente
386 ROSE-ACKERMAN, Susan. Op. cit., posição 1001.
387 ROTHSTEIN, Bo. TEORELL, Jan. Getting to Sweden, part ii: breaking with corruption
in the nineteenth century. Scandinavian Political Studies, n. 38 (3), 2015, p. 238.
Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1467-
9477.12048/abstract> Acesso em: 28 set. 2016.

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