Comissão de empresa

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Páginas358-387

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Feito o estudo genérico dos representantes dos trabalhadores, cumpre, agora, como indicado no capítulo anterior, realizarmos análise específica acerca da comissão de empresa. Isso, mesmo com a regulamentação recente da representação dos trabalhadores na empresa em comissão, até porque o que, ao final, vamos propor, vai além do que agora existe.

Qualquer que seja a denominação que se lhe dê — que são as mais variadas, como veremos em item próprio —, da forma de sua criação e de suas atribuições, é órgão de representação dos trabalhadores que vem adquirindo espaço cada vez maior dentro da empresa.

Adiantando discussão que será retomada, isto parece ocorrer, qualquer que seja o local no mundo em que é instituída, por dois motivos básicos, que podem surgir em conjunto ou separadamente.

Em primeiro lugar, para ocupar um vazio deixado pelos sindicatos, no tocante aos problemas dos trabalhadores decorrentes do seu dia a dia na empresa.

Em segundo lugar, pela característica da comissão de empresa de representar todos os trabalhadores1, o que supera, nos países em que há pluralidade sindical, a atuação dos sindicatos apenas em favor de seus associados, bem como se revela propício para possibilitar a maior aglutinação dos trabalhadores em torno de órgão que se encontra bem próximo deles.

Alguns destes elementos, por exemplo, podem ser encontrados na visão de Antônio Gramsci, em coletânea de textos publicados em revista denominada “Ordine Nouvo”, no período de junho de 1919 a agosto de 1920, na perspectiva, claro, revolucionária do autor. Pelo que se depreende de sua leitura, a comissão de fábrica seria a verdadeira expressão do agrupamento, da união operária, por fazer esta união espontaneamente, no meio propício para tal, no local de produção.

Ressalte-se que a comissão de fábrica importaria em união de todos, constituindo a menor célula do poder operário e, portanto, a base da organização dos trabalhadores, diferentemente dos sindicatos e do partido, pois estes não aglutinariam todos os trabalhadores2.

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Podem estes elementos, também, ser encontrados em análise formulada por Iram Jácome Rodrigues sobre as comissões de empresa no Brasil, quando afirma o autor que a comissão funciona como catalisadora das demandas dos trabalhadores no cotidiano da fábrica, sendo fator de identidade operária3.

Ora, a comissão é catalisadora das demandas dos trabalhadores, no Brasil, pelo vazio deixado pelos sindicatos, na atuação interna à empresa, encontrando os empregados, em órgão mais próximo a eles, meio de expressar seus anseios, o que é difícil, senão impossível, em organização que está distante de “suas bases”.

Embora possam existir outras motivações que levem ao agrupamento dos trabalhadores por meio de órgão interno à empresa e que os reúna no total, as motivações vistas acima são a base do pensamento que move a análise que será feita a partir de agora.

Notícias históricas

Os autores, até os que não o fazem sob o prisma da análise jurídica, indicam, nos diversos pontos do mundo, fatos históricos que trazem em seu bojo o surgimento da comissão de empresa.

Nossa tarefa aqui é trazer estes fatos, reunindo-os dentro do espírito de relatar o que consideramos ser as experiências mais relevantes para o estudo que está sendo desenvolvido.

Assim é que, embora pudéssemos transitar pelas mais diversas experiências, como a polonesa que, segundo Alfredo Camargo Penteado Neto, tem tradição no assunto, criando-se em 1956, nesse país, nada mais nada menos que 4.600 conselhos nas unidades de produção4, ou como a alemã, com os conselhos de empresa da República de Weimar; os conselhos de confiança do período do nazismo e os conselhos de empresa e outros, do período atual5, preferimos concentrar-nos, neste item, nas experiências italiana e espanhola, além da brasileira, e de rápida menção à OIT.

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A razão para isto é simples. Nossa análise é feita dentro de hipótese definida de representação dos trabalhadores, não chegando à participação dos trabalhadores na empresa, como indicado no início do capítulo anterior, o que, de certa forma, põe um pouco de lado a experiência alemã.

É que, no tocante à participação, entendemos que ela, no Brasil, poderá até chegar a ser implantada, mas, com certeza, em momento mais adiante. Já a representação, além de já haver experiência a respeito, revela-se, no momento atual, em plena crise do sindicalismo, uma alternativa para os trabalhadores.

Quanto aos países escolhidos, Itália e Espanha, além da natural ligação deles com o Brasil, contou o fato de serem modelos em que a representação unitária pode ter atuação bem ampla, em áreas que, via de regra, em outros modelos, pertencem ao sindicato, além de que, em relação ao primeiro, sua primeira experiência, no plano cronológico, é bem rica do ponto de vista doutrinário e, em relação ao último, sobressai regulamentação bem detalhista, o que oferece bom campo de estudo e será importante nos itens seguintes.

Antes de verificarmos estas experiências, todavia, devemos trazer a observação feita por Cássio Mesquita Barros Jr., que indica que a participação dos trabalhadores nas decisões empresariais surgiu com a grande empresa6.

Neste sentido, só que agora falando da representação sindical, Antonio Ojeda Avilés afirma que é a generalização da grande empresa um dos fatores para a sindicalização da representação obreira em nível de fábrica7.

Estas duas afirmações, observe-se, podem ser conjugadas em única conclusão: é a grande empresa, com muitos trabalhadores em seu interior e, portanto, com margem de conflitos que justifica e impõe uma atuação particularizada, que dá origem à necessidade de os trabalhadores terem órgão que, nesse universo, represente-os, o que ocorrerá por meio do que melhor desempenhar o papel — o que vale, ao final, para qualquer que seja o modelo de sindicalização, rígido ou com liberdade, pois o credenciamento perante os trabalhadores ocorre pela efetiva representação.

Sobre os fatos, devemos iniciar pela Itália. Alfredo Camargo Penteado Neto, sobre as comissões de empresa nesse país, narra dois momentos distintos: o primeiro, no período pós-Primeira Guerra Mundial e, o segundo, no final da década de 19608. Entre um período e outro existe espécie de vazio, por conta do fascismo e da utilização de outras formas de representação dos trabalhadores.

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O primeiro momento, como já vimos anteriormente, foi marcado por concepção revolucionária das comissões de empresa, tendo nascido em Turim, dentro da FIAT.

E essa concepção parece ter dominado o período, embora as comissões de empresa italianas, naquele momento, não tenham deixado de cumprir seu papel primordial, que é representar os trabalhadores.

Assim, pode-se depreender do que ensina Gino Giugni que, tratando das comissões internas, que teriam surgido na Itália, no início do século, afirma que, ao lado delas, no período 1919-1920, surgiu outra forma de representação dos trabalhadores na empresa: o conselho de fábrica que, segundo o autor, tinha inspiração revolucionária, com sua doutrina elaborada pelo grupo do qual fazia parte Gramsci e que denomina Grupo do Ordine Nuovo9.

Outra que se refere à idealização e promoção dos conselhos de fábrica pelo Grupo do Ordine Nuovo é Luisa Galantino, que atribui a ele concepção político-revolucionária deste órgão de representação direta dos trabalhadores. A autora também situa o aparecimento no período indicado acima, mencionando ter ocorrido a partir de agosto de 191910.

Observe-se que a menção a este período (a partir de 1919) deve prender-se a razões de importância, pois, como se vê com Antônio Gramsci (em nota do tradutor), as primeiras comissões de fábrica italianas surgiram com a greve geral de 190411.

O segundo momento, segundo Giugni, a partir dos anos 1968-1969, é marcado pelo aparecimento, em relação aos anos imediatamente anteriores, de novas formas de representação direta dos trabalhadores na empresa: os delegados, a assembleia, o conselho de fábrica (ou de delegados), com as características de que a representação ocorre alheia à condição dos trabalhadores de filiados ou não às entidades sindicais e tem origem em anseio da base operária de participação, em torno de organização que buscasse objetivos relacionados aos interesses profissionais próprios do interior da empresa12.

Percebe-se que, mais uma vez, a periodização feita deve ocorrer em termos de importância, até porque, em período anterior, embora existam indícios de sua existência, como se depreende das afirmações de Alfredo Camargo Penteado

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Neto, de que gozavam os integrantes da comissão de empresa, assim como os delegados e os membros da comissão interna, desde 1943, de proteção contra despedidas retaliatórias13, a representação dos trabalhadores ocorria, principalmente, por outras formas, como se vê com Luisa Galantino, a partir de setembro de 194314, com destaque para as comissões internas15.

Na Espanha, que deve merecer destaque por possuir modelo rico a respeito do tema sob análise, ensina Antonio Ojeda Avilés que a representação do pessoal da empresa evoluiu do modelo inglês, das representações sindicais, ao modelo franco--alemão, das representações internas, isto ocorrendo por força da legislação estatal16.

Carlos Molero Manglano indica, em 1922, com aplicação em caráter geral a partir de 1926, os comitês paritários17. Avilés, por sua vez, menciona os delegados de pessoal das fábricas catalãs, durante a Primeira Guerra Mundial18. Flávio Antonello Benites Filho, de outro lado, indica antecedentes históricos da representação dos trabalhadores na empresa no próprio regime de Franco, de cunho corporati-vista, tratando dos jurados de empresa19.

A experiência das comissões de empresa, entretanto, importa, mesmo, a partir de 1962, quando começaram a surgir comissões de fábrica eleitas e constituídas...

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