Comissão de empresa e representantes no local de trabalho na 'CLT reformada

AutorSandro Lunard Nicoladeli e André Franco de Oliveira Passos
Páginas198-205

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Ver Nota12

1. O contexto da reforma trabalhista brasileira

A denominada reforma trabalhista/sindical (Lei n. 13.467/2017) brasileira é fruto da combinação de vários elementos de natureza jurídico-política, especialmente com a assunção do governo instalado a partir do impeachment presidencial em 2016.

As alterações no campo da regulação laboral foram inscritas na chamada “ponte para o futuro”, projeto implementado de caráter nitidamente neoliberal, flexibilizando direitos sociais, congelando gastos públicos e privatizando ativos do Estado brasileiro.

No campo da institucionalidade do Estado-juiz,3 tais sinais flexibilizantes foram precedidos por julgados da Suprema Corte em matéria trabalhista, os quais revisaram, ou, melhor dizendo, reformataram toda a doutrina e jurisprudência na esfera laboral, produzida e acumulada ao longo de décadas, sobretudo no período pós-Constituição de 1988.

Na quadra do Legislativo, aprofunda-se a crise de legitimidade do parlamento brasileiro, no qual mais da metade dos parlamentares é investigada por problemas de financiamento eleitoral ou de processos decorrentes de irregularidades eleitorais, ou, simplesmente, por problemas de apuração investigatória de corrupção. Nesse cenário de rearranjo institucional, derivado pela crise do impeachment presidencial e a pouca legitimidade institucional do

Parlamento e Executivo nacionais, cria-se, o pano de fundo de modo mais nítido e sem contrapeso político, para assunção dos interesses empresariais e religiosos, por conta da formação de bancadas compostas ou financiadas por membros que defendem interesses do segmento da indústria nacional,4 da agroindústria, do setor financeiro ou de matriz religiosa.

Todo esse substrato social e político desagua no açodado processo de reforma trabalhista, um ponto de destaque revela-se na rapidez no seu trâmite: apresentada pelo Poder Executivo ao Parlamento em dezembro de 2016, contando com debate, tramitação nas duas Casas Legislativas e sanção presidencial em tempo recorde – oito meses, por óbvio, atropelando o necessário diálogo social num tema tão importante para a vida nacional de trabalhadores e empresas.

É nesse contexto que surge a Comissão de Empresa ou, como definida na CLT, Representação dos Trabalhadores no Local de Trabalho (RTLT), objeto do presente artigo, figurando como uma das diversas inovações trazidas no bojo da reforma trabalhista (Lei n. 13.467/2017).

2. O eixo sindical da reforma trabalhista

No Direito Coletivo do Trabalho foram inoculados vários elementos de inovação, modificação e supressão de direitos,5 mas cabe destaque: a) a desnaturação da natureza

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compulsória da contribuição sindical (art. 578 e seguintes), convertendo e subordinando sua cobrança ao interesse e à autorização do contribuinte (no caso, aquele que participa da categoria profissional ou econômica); b) prevalência do negociado sobre o legislado, definindo-se o conteúdo temático da contratação coletiva, com o arrolamento indicativo das possibilidades de flexibilização e, por outro lado, com fixação de hipóteses taxativas na ilicitude em matéria de conteúdo normativo (art. 611-A e 611-B e parágrafos).

Esse novo eixo estruturante das relações coletivas de trabalho, encetado no âmago da reforma trabalhista desafia o operador do Direito do Trabalho a um raciocínio importante. Essa reforma determina uma nova estrutura sindical, a qual coexistirá, a partir de novembro, com o sistema sindical histórico-constitucional assentado no modelo confederativo e de unicidade sindical, ainda com o efeito erga omnes no tocante aos efeitos da contratação coletiva.

Portanto, a reforma trabalhista/sindical estabelece a coabitação de um novo regulamento normativo, embora inserido nas entranhas, como dito, do modelo histórico sindical. Assim, não se pode abdicar da compreensão de um deslocamento do centro gravitacional que determinou a superação de uma concepção estruturante entre a lei e a contratação coletiva, agora substituída pela emergência de uma racionalidade intrinsecamente individual. Aliás, pode-se afirmar que essa reforma subtrai substancialmente o poder negocial coletivo, fazendo com que, de certa forma, a autonomia coletiva fique subordinada ao interesse particular.

Isso tudo ainda convive com o subsistente monopólio dos sindicatos na contratação coletiva que, por vezes, já era relativizado, tendo em vista a admissão de corpos representativos intermediários, a exemplo da comissão de PLR (Lei n. 10.101/2000) ou da possibilidade de um grupo de trabalhadores firmarem acordo coletivo diretamente com o empregador (art. 617, § 1º, da CLT), agregando-se, agora, a figura da comissão de empresa (art. 510-A e ss).

3. Comissão de empresa ou representação do trabalhador no local de trabalho

É importante denotar que a ideia de “comitê de fábrica” ou de “organização operária nos locais de trabalho” é relativamente antiga, teorizada, principalmente, pelos pensadores de inspiração socialista.6 A ideia de organização nos locais de trabalho tem sua descrição como estratégia do movimento operário, estudada, principalmente nos escritos de Gramsci e Bordiga,7 na década de 1920, definindo o comitê de fábrica como sendo um método de controle de gestão dos operários nas unidades produtivas, com vistas ao atingimento de uma democracia operária.

Como assinala Bridi,8 a partir dos anos 1970, contudo, renascem os embriões das comissões de fábrica, na região do ABC paulista. As comissões na Volkswagen, na Ford (primeira comissão de fábrica na legalidade, fundada em 1981) e na Scania existem há mais de 30 anos. As comissões de fábrica (ou de empresa) são órgãos colegiados de representação direta de todos os trabalhadores de um local de trabalho. Em muitos países, elas representam o principal canal de relação entre empregados e empregadores, atuando ao lado dos sindicatos e desempenham um importante papel na proteção dos empregados frente ao poder do empregador.

Essa experiência de democratização nos locais de trabalho sintonizou a construção do texto da Constituição Federal, notadamente com a inserção do artigo 11: “nas empresas com mais de 200 empregados é assegurada a eleição de um representante destes com a missão exclu-siva de promover o entendimento direto com os empregadores”. Embora tenha havido essa inserção no texto da Constituição, ainda assim, padeceu de regulamentação, ficando, em verdade, circunscrita às experiências preexistentes de comissões de empresa em funcionamento.

A representação de trabalhadores na empresa obteve tratamento diferenciado e avançado, dispensado pela

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jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho,9 exatamente na implementação do Precedente Normativo 86, mas, segundo Arouca, revelante de uma debilidade ou resistência dos atores sociais e do Estado na regulamentação do art. 11 da CF:10

A CF, no art. 11, acolheu forma insignificante de representação do pessoal, sem nenhuma participação sindical, através de um único empregado, eleito para intermediar interesses individuais junto ao empregador, restrita às empresas com mais de 200 empregados. Sequer garantiu-lhe o emprego, providência determinada pelo TST, mas em dissídios coletivos, conforme seu Precedente n. 86, que determina a aplicação do art. 543 da CLT. Nem empregadores nem empregados, muito menos os sindicatos, interessaram-se em dar efetividade à medida.11

Somente no governo Lula, durante o Fórum Nacional do Trabalho, em 2004, buscou-se, dentre outras iniciativas, elementos para uma reforma sindical com representação no local de trabalho; todavia, na redação do relatório final do fórum, o entrave existente em torno do tema não permitiu um consenso entre as bancadas empresariais e das centrais sindicais quanto à natureza desse novo tipo de representação no local de trabalho, se seria vinculada ao sindicato ou de livre organização, como queriam os empregadores, sem qualquer organicidade ao aparelho sindical.

As discussões do Fórum somente resultaram na apresentação da Proposta de Emenda à Constituição n. 369/2005, particularmente no que toca à representação de trabalhadores por local de trabalho. A proposta apresentada alterava radicalmente a redação do art. 11 da Constituição.

Além da PEC, no âmbito do Poder Legislativo foram apresentadas outras proposições de regulamentação da representação no local de trabalho: projeto de lei do Deputado Tarcisio Zimmermann (PL n. 4430/2008)12 e da deputada Manuela D´Ávila (PL 5684/2009) – ambos não seguiram para debate e tramitação final.

No ano de 2011, a direção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC apresentou à Casa Civil da Presidência da República proposição legislativa denominada de “Acordo Coletivo com propósito Específico (ACE)”, tratando de possibilidades de flexibilização da regulação do trabalho, desde que contasse com a Comissão Sindical...

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