Compatibilizando meios com fins: é necessário regular a distribuição de bolsas do prouni por curso?

AutorJoão Marcelo da Costa e Silva Lima
Páginas147-200
RESUMO
Este trabalho demonstrará, em um primeiro momento, como o Supremo Tribu-
nal Federal (STF), ao analisar a lei que instituiu o ProUni em sede de controle
constitucional abstrato, alterou o objetivo atribuído ao programa pelo Poder
Executivo. Argumenta-se que, se levada a sério, a decisão do STF, embora te-
nha declarado constitucional o ProUni, traz consigo consequências normativas
que exigem alterações no desenho do ProUni, que agora passa a ter um com-
promisso com a empregabilidade de seus beneciários. Em seguida, este traba-
lho avaliará a compatibilidade do ProUni com seu “novo” objetivo normativo e,
ao cumprir essa tarefa, chamará atenção para o seguinte problema: embora o
ProUni impacte positivamente no índice de empregabilidade dos alunos, não os
direciona às carreias mais valoradas no mercado de trabalho. Por m, susten-
tar-se-á que se a alteração do objetivo normativo do Programa feita pelo STF
for levada a sério, há indícios de que a distribuição de bolsas do ProUni precisa-
ria ser alterada para passar a priorizar cursos “estratégicos”. Isso porque — se-
gue o argumento — ao conferir ao Programa a tarefa de “reduzir desigualdades
sociais”, o STF incorporou ao ProUni um novo compromisso, o de garantir que
todos (ou quase todos) seus beneciários concluam seus cursos de educação
superior e passem a ocupar vagas de trabalho bem-remuneradas.
Palavras-chave
Objetivo normativo. STF. Educação Superior. ProUni. Empregabilidade.
Introdução
Em 25 de setembro de 2013, a Presidente Dilma Rousseff apresentou seu pla-
no de investimentos em infraestrutura a um auditório repleto de investidores
internacionais na sede do banco Goldman Sachs, em Nova York. Essa reunião
passou para a história, pois, nela, Dilma Rousseff disse que “advogado é custo,
engenheiro é produtividade”. A mídia capturou essa frase, que provocou gar-
galhadas da plateia. Por trás dessas palavras, Dilma rearmou uma prioridade
COMPATIBILIZANDO MEIOS COM FINS : É NECESSÁRIO
REGULAR A DISTRIBUIÇÃO DE BOLSAS DO PROUNI POR
CURSO?
joão MarCelo da Costa e silva liMa
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de seu governo em termos de política de educação: formar mais engenheiros,
em prol do desenvolvimento do Brasil. É inclusive por essa razão que criou o
programa Ciência Sem Fronteiras, em 2011, inaugurando-o com o seguinte co-
mentário: “O Brasil precisar dar um salto em inovação, ciência e tecnologia” 1.
Diversas evidências corroboram a conclusão de Dilma Rousseff: de fato,
o Brasil carece de mão de obra formada em engenharia, ciência e tecnologia,
como os relatórios da empresa de consultoria Manpower reiteram ano após
ano2. Além da carência de engenheiros, cientistas3 e prossionais especializados
em tecnologia da informação identicada pela Presidente, há indícios de que,
no Brasil, também faltam médicos, enfermeiros e dentistas, que, ademais, estão
geogracamente mal distribuídos4. É difícil negar que uma política de educação
que priorize a formação de engenheiros, cientistas, médicos e prossionais es-
pecializados em tecnologia de informação (TI) contribuirá para um aumento da
produtividade e do ritmo de inovação do Brasil, bem como em melhora no bem-
-estar da população. Por outro lado, esses prossionais estão em falta no Brasil,
e instituições de ensino superior (IES) não os formam na mesma quantidade que
bacharéis em direito, administração de empresas e pedagogia5.
Em 2011, Carlos Ragazzo, colunista do blog “Direito e Desenvolvimento”
da Revista Exame, publicou um post intitulado “Ensino Superior e Oferta de
Trabalho”6 em que faz a seguinte constatação: embora o lógico fosse que os
até então 170 mil alunos já formados pelo Programa Universidade Para Todos
(ProUni), uma política pública de educação criada pelo Ministério de Educação
e Cultura (MEC) durante o primeiro mandato do governo Lula, e os 900 mil que
estavam à época recebendo as bolsas — fossem das carreiras mais demandadas
pelo mercado de trabalho brasileiro, não era isso que estava ocorrendo. Na práti-
ca, até 2011, as IES que aderiram ao ProUni ofertavam predominantemente vagas
para cursos de administração e direito. Ou seja, os estudantes de baixa renda be-
neciários do ProUni não estavam, majoritariamente, se formando para atuar em
mercados com décit de mão de obra, e,portanto, com condições de absorvê-los.
Já no início de 2014, o então Ministro da Educação e Cultura Aloísio Mer-
cadante conrmou, em anúncio de abertura de mais um semestre de oferta de
bolsas no Prouni, o cenário já notado por Ragazzo em 2011: administração e di-
reito dominam, ainda hoje, a distribuição de bolsas ofertadas pelas IES aderen-
tes ao ProUni. Ragazzo também notou que a quantidade de bolsas ofertadas
1 NOSSA, 2014.
2 BONFANTI e MARTINS, 2012.
3 Entre os cientistas mais requisitados em razão da escassez, estão biólogos e geólogos.
COSTA, 2012.
4 COLLUCCI, 2013. Ver também: VEJA, 2013.
5 TANEGUKI, 2011.
6 RAGAZZO, 2011.
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para cursos voltados a mercados de trabalho decitários, i.e., em crescimento
e com muita oferta de vagas, é baixa. Seriam essas carreiras as de “engenheiros
(dos mais diferentes tipos), geólogos, arquitetos e para prossões relacionadas
à informática (como prossionais de TI em geral)” (RAGAZZO, 2011). A primei-
ra vista, esses cursos parecem coincidir com alguns dos que a Presidente Dilma
Rousseff está priorizando para que o Brasil dê esse “salto em inovação, ciência
e tecnologia”.
Nesse contexto, este trabalho demonstrará, em um primeiro momento,
como o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar a lei que instituiu o ProU-
ni em sede de controle constitucional abstrato, alterou o objetivo atribuído ao
programa pelo Poder Executivo, que o desenhou e negociou sua aprovação no
Congresso Nacional. Argumenta-se que, se levada a sério, a decisão do STF, em-
bora tenha declarado constitucional o ProUni, ao rejeitar as teses de inconsti-
tucionalidade suscitadas pelos autores da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(Confederação Nacional de Estabelecimentos de Ensino — CONFENEN e DEM),
traz consigo consequências normativas que podem exigir alterações no desenho
do ProUni. De fato, mostrar-se-á como o STF afunilou o objetivo do ProUni, que
quando idealizado pelo Poder Executivo era a “universalização do acesso ao en-
sino superior”, ao conferir ao Programa a missão de reduzir desigualdades sociais.
Na sequência, este trabalho avaliará a compatibilidade do ProUni com seu
“novo” objetivo normativo e, ao cumprir essa tarefa, chamará atenção para
o seguinte problema: embora o ProUni impacte positivamente no índice de
empregabilidade dos alunos, não os direciona sucientemente às carreias mais
valoradas no mercado de trabalho, que coincidem com as carreiras que podem
ser acessadas por meio de cursos de educação superior chamados de “estra-
tégicos” para o desenvolvimento do Brasil (alguns dos quais já cobertos por
programas sociais como o Ciência Sem Fronteiras e o Mais Médicos). Para levar
a cabo essa avaliação do Programa com seu objetivo normativo (aquele a ele
atribuído pelo STF), este trabalho não enfrentará argumentos de justiça, e sim
compilados de dados estatísticos que descrevem a situação atual da distribui-
ção de bolsas do programa, bem como dados objetivos gerais sobre o grau de
empregabilidade de cursos superiores.
Ao nal, desejamos avançar a seguinte conclusão: se a alteração do objeti-
vo normativo do Programa feita pelo STF for levada a sério, há indícios de que
a distribuição de bolsas do ProUni precisaria ser alterada para passar a priorizar
cursos estratégicos. Isso porque — segue o argumento — ao conferir ao Progra-
ma a tarefa de “reduzir desigualdades sociais”, o STF incorporou ao ProUni um
novo compromisso, o de garantir que todos (ou quase todos) os seus beneci-
ários concluam seus cursos de educação superior e passem a ocupar vagas de
trabalho bem-remuneradas.

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