Juros compensatórios: Discussão Conceitual à Luz da ADI 2.332

AutorAlexandre Kaiser Rauber
CargoGraduando do curso de Direito da Universidade de Brasília

Consta no rol de restrições ao direito constitucional de propriedade a possibilidade de desapropriação de bens de particulares. A idéia é de que a propriedade deve cumprir sua função social e de que cabe intervenção estatal para que isso ocorra. Certo é, no entanto, que sob o ordenamento constitucional pátrio (à exceção daquela hipótese em que seja o bem usado para cultivo de psicotrópicos -art. 243, CF/88), não haverá desapropriação que depaupere o proprietário.

Dispõe a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XXIV que "a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização (..)". Justa é a indenização que, no dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, "corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio" 1. Completa Hely Lopes Meirelles: "indenização justa: é a que cobre não só o valor real e atual dos bens expropriados, à data do pagamento, como, também, os danos emergentes e os lucros cessantes do proprietário, decorrentes do despojamento de seu patrimônio" 2.

Compõe, portanto, a "justa indenização", ainda segundo a lição de Hely, os itens: "valor do bem, suas rendas, danos emergentes e lucros cessantes, além dos juros compensatórios e moratórios, despesas judiciais, honorários de advogado e correção monetária" 3. A princípio destinar-se-ia cada um desses elementos a remunerar determinado aspecto da perda patrimonial do expropriado. Entretanto, trata-se de uma construção jurisprudencial e doutrinária, na qual se verificam algumas divergências. É ver-se que, por exemplo, os juros compensatórios, tratados aqui como elemento singular, são definidos no voto do eminente Min. Ilmar Galvão na ADIn 2.332 (objeto de nosso estudo) como exatamente os responsáveis por remunerar os lucros cessantes, a teor do que se segue: "(...) cheguei à conclusão, com base em pesquisa que fiz, há anos, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de que esses juros compensatórios são uma construção pretoriana que visam compensar o lucro do proprietário, ou seja, os 'lucros cessantes'" 4. Diferentemente pensa, novamente, o Min. Moreira Alves que, em seu voto na mesma referida ADIn considerou, citando o Min. Rodrigues Alckmin, que os tais "juros compensatórios" remunerariam não a renda que o expropriado deixaria de obter em virtude da perda precoce do usufruto de sua propriedade, senão a renda produzida pelo "capital, que deveria, desde essa ocasião (ao tempo da ocupação do imóvel) substituir o bem no patrimônio dos expropriados" 5.

A celeuma continua na doutrina, muito embora seja escassa a literatura que se aprofunda na questão. Marçal Justen Filho também identifica os juros compensatórios com os lucros cessantes, o que se pode perceber do excerto: "Além do valor dos bens expropriados, o expropriado faz jus a 'lucros cessantes', os quais são calculados por meio de juros compensatórios (...)" 6. Autor da mesma monta, José dos Santos Carvalho Filho faz novamente distinção afirmando que compõe a indenização "não só o valor real e atual do bem expropriado, como também os danos emergentes e os lucros cessantes da perda da propriedade. Incluem-se também os juros moratórios e compensatórios (...)" 7.

A imprecisão conceitual tem reflexos nefastos no tratamento legal das indenizações em desapropriação. A matéria é objeto do Decreto-Lei nº 3.365 de 1941 que, antigo, não sofreu inconstitucionalidade superveniente, sendo recepcionado pela Carta de 1988. Foi, no entanto, modificado com o acréscimo dos arts. 15-A e 15-B pela medida provisória de nº 2.027-43, datada do ano de 2000, tratando da fixação dos juros moratórios e compensatórios.

Diz a MP:

"Art. 15-A. No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. (Vide ADIN nº 2.332-2)

§ 1o Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário. (Vide ADIN nº 2.332-2)

§ 2o Não serão devidos juros compensatórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero. (Vide ADIN nº 2.332-2)

§ 3o O disposto no caput deste artigo aplica-se também às ações ordinárias de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem assim às ações que visem a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, incidindo os juros sobre o valor fixado na sentença.

§ 4o Nas ações referidas no § 3o, não será o Poder Público onerado por juros compensatórios relativos a período anterior à aquisição da propriedade ou posse titulada pelo autor da ação." (NR) (Vide ADIN nº 2.332-2) 8.

O redator remete constantemente à ADIn 2.332 porque esta teve por objeto pedido de inconstitucionalidade desses dispositivos. Pelo acórdão, verifica-se que foram suspensos em medida cautelar, no caput, a expressão "de até seis por cento ao ano", e os §§ 1º, 2º e 4º. Também foi dada nova interpretação ao final do texto do caput para considerar a base de cálculo da incidência dos juros compensatórios como a "diferença eventualmente apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença". Desse modo, o que atualmente vige na fixação do quantum indenizatório a título de juros compensatórios é a pretérita taxa de 12% ao ano, fixada pela súmula 618 do STF, que data de 1984 9.

Houve acirrada discussão entre os ministros Moreira Alves, Sepúlveda Pertence e Ilmar Galvão ao elaborarem seus votos para suspensão dos dispositivos. Aquele, relator, sustentava que seria relevante, no caput, somente a suspensão da expressão "até", firmando assim a taxa de juros compensatórios em precisamente 6% ao ano. No particular, foi seguido pelos ministros Ellen Gracie, Nelson Jobim e Celso de Mello, em posição que se afigurou minoritária, mas que, ao nosso ver, parece a mais correta. Ocorre que, tal como foi redigida, a MP dava margem discricionária ao julgador da ação de desapropriação para fixar a taxa de juros compensatórios, sob o risco de ser irrisória, no intervalo de 0 a 6% ao ano, não remunerando a contento as perdas patrimoniais do expropriado.

A posição majoritária entendeu que mesmo os 6% ao ano seriam pouco para atender o princípio da justa indenização. Argumentou-se que, em primeiro lugar, a súmula que fixou a taxa em 12% tem fundo constitucional, ou seja, é uma interpretação do pretório excelso sobre o princípio da justa indenização. Como aduziu o Min. Sepúlveda Pertence, "está-se discutindo uma medida provisória, e não posso admitir que uma súmula, que afirmamos para os jurisdicionados decorrente da constituição, seja desprezada como irrelevante numa argüição de inconstitucionalidade de uma medida provisória" 10. Esse argumento foi seguido por outros quatro ministros, que, sinteticamente, votaram da seguinte maneira:

-Min Carlos Velloso: "A medida provisória está reduzindo os juros compensatórios e o Supremo entende que deve ser de doze por cento, com base na constituição" 11.

-Min. Sydney Sanches: "(...)enquanto os precatórios estiverem sendo descumpridos, anos a fio, como vem acontecendo até agora, em inúmeros estados, (...) prefiro manter a orientação da súmula(...)"12.

-Min. Maurício Corrêa: "Portanto, entendo que há relevância na matéria, mas que há mais relevância ainda na predominância da Súmula, e assim ficarei com ela (...)"13.

-Min. Néri da Silveira: acompanhou o voto do eminente Min. Maurício Corrêa.

A isso, retorquiu o relator Min. Moreira Alves com o argumento de que tal súmula, quando fixada, ter-se-ia baseado na realidade econômica contemporânea, ou seja, no contexto de instabilidade econômica e alta inflação que se verificava no país em 1984, e que, portanto, seriam justificáveis os 12% para que...

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