A previdência complementar como instrumento adicional de inclusão social previdenciária

AutorÉrica Fernandes Teixeira
Ocupação do AutorDoutora e mestre em Direito do Trabalho pela PUC Minas
Páginas161-175

Page 161

7.1. Previdência pública e previdência complementar

Pulino expressa as distinções entre previdência pública e previdência complementar. Afirma que a expressão "previdência social", constante nos arts. 201 e 202 ou no art. 24, XII da Constituição Federal de 1988, que dispõem sobre a competência legislativa concorrente da União e dos Estados, refere-se:

Tanto à previdência pública (ou oficial), básica (ou elementar) e obrigatória, quanto àquela outra modalidade de previdência (que é como que o contrário exato desta), caracterizada por ser (sempre de acordo com a própria Constituição) privada, complementar e facultativa. (PULINO, 2009, p. 22).

Dessa forma, a previdência pública, básica e obrigatória é composta pelo regime próprio de previdência social - RPPS, destinado aos servidores públicos, conforme reza o art. 40 da Constituição Federal e, também, pelo regime geral de previdência social - RGPS, de caráter residual, ao qual se filiam todos os demais trabalhadores brasileiros, como dispõe o art. 201 do texto Magno. (PULINO, 2009, p. 22).

Ambos os regimes caracterizam-se por serem de Direito Público, gerido por entidades estatais, através da própria administração direta ou pelas autarquias. Seus planos de benefícios e de custeio, assim como suas atuações, são vinculadas à reserva legal e não meramente por ajustes entre as partes. Também, são de vinculação obrigatória dos trabalhadores, apesar de poderem contar também com segurados facultativos, conforme dispõe o § 5º do art. 201 da CF/88. Objetivam tutelar situações de necessidade social básicas, compreendidas no valor-teto de seus benefícios, mas destinando-se sempre, em certa medida, a manter o nível de vida do trabalhador. (PULINO, 2009, p. 24).

Complementando essa modalidade de previdência, o art. 202 da CF/88, com redação integralmente formulada pela Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, prevê o regime de previdência privada. Suas características são opostas àquelas apresentadas pelos regimes oficiais. Assim, a previdência complementar é privada, já que é criada em regime de autonomia privada, de índole negocial e contratual, sendo devido, às partes envolvidas, estabelecer as regras aplicáveis em seus contratos, atendendo, por óbvio, aos limites impostos pela atuação estatal. Cabe, pois, aos patrocinadores e instituidores, participantes e assistidos e à própria entidade de previdência complementar definir as regras que tutelarão seus interesses previdenciários. Como o próprio nome

Page 162

indica, é complementar, não apenas sob enfoque econômico, que visa à proteção de necessidades que superam o patamar de cobertura dos regimes de previdência básica, aperfeiçoando, conforme previsão contratual, o padrão de vida do trabalhador quando na inatividade. Mas, também, por nortear que, no sistema brasileiro, seu papel não é substitutivo, tampouco concorrente da proteção previdenciária obrigatória do Estado para os trabalhadores. Por fim, é facultativa, pois o indivíduo pode contratar, vinculando-se ou não, a um plano privado, podendo, inclusive, dele se retirar quando desejar, eis que jungido ao princípio da autonomia da vontade. Dessa característica, decorrem os estímulos extrafiscais do regime de tributação para o setor, a independência do contrato previdenciário com o contrato de trabalho, conforme destacado no § 2º do art. 202 da CF/1988 e art. 14 da LC n. 109/2001; imperativa transparência na gestão dos planos (CF, art. 202, § 1º, e arts. 7º, 10, 22 e 24 da LC n. 109/2001) e vinculação à atuação reguladora e fiscalizadora do Estado. (PULINO, 2009, p. 25).

7.2. Previdência complementar: traços históricos

A previdência complementar privada existe formalmente no Brasil antes mesmo da Constituição Federal de 1988. A Lei n. 6.435, de 1977 (BRASIL, 1977), institucionalizou as atividades de previdência privada, que passaram a ser controladas pelo Estado.

As discussões sobre a regulamentação da previdência complementar se iniciaram de forma incipiente durante o regime militar em 1972. Porém, a Lei n. 6.435 somente foi criada no ano de 1977 (BRASIL, 1977), durante o governo de Ernesto Geisel. O Decreto n. 81.240/1978 regulamentou as entidades fechadas de previdência privada, enquanto o Decreto n. 81.402/1978 tratou das entidades abertas. Também, as Resoluções do CMN (Conselho Monetário Nacional) integravam as fontes formais do regime de previdência privada brasileiro.

Através de tais diplomas, Ricardo Pena Pinheiro (2007) esclarece que tanto as entidades abertas de previdência privada quanto as fechadas objetivavam criar planos privados de concessão de pecúlios ou de rendas, de benefícios complementares ou semelhantes aos da previdência social, através da contribuição de seus participantes, dos respectivos empregadores ou de ambos. Tais entidades eram organizadas em sociedades anônimas, quando tinham fins lucrativos, e sociedades civis ou fundações, quando não visavam a fins lucrativos.

Como sociedades anônimas, as entidades abertas de previdência privada integravam o Sistema Nacional de Seguros Privados, cujo órgão normativo era o Conselho Nacional de Seguros Privados, e cujo órgão executivo e fiscalizador era a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), órgãos pertencentes ao Ministério da Fazenda. Eram destinadas a uma clientela de caráter individual, que desejasse aderir ao plano de benefícios por meio do aporte regular das contribuições requeridas. (PINHEIRO, 2007, p. 31).

As entidades fechadas de previdência privada estavam organizadas na forma de fundações ou sociedades civis e se equiparavam às entidades assistenciais. Integravam o sistema oficial de previdência social, composto pelo Conselho de Previdência

Page 163

Complementar, atuando como órgão normativo; e pela SPC (Secretaria de Previdência Complementar), que procedia às fiscalizações. (PINHEIRO, 2007, p. 31).

Na década de 1980, em razão do processo inflacionário experimentado pela economia brasileira, houve grande acumulação de recursos em papéis de renda fixa. Foram criados vários fundos de pensão em empresas privadas do país. (PINHEIRO, 2007, p. 32).

A onda de privatizações que marcou o Brasil, a partir da primeira metade da década de 1990, atingiu certamente o controle atuarial dos fundos de pensão. Isso porque a privatização das empresas estatais e federais contou com a participação decisiva dos recursos financeiros dos fundos de pensão.

Até a promulgação da Emenda Constitucional (EC) de n. 20/1998, a matéria prevista na Constituição Federal determinava apenas a criação "de um seguro coletivo, de caráter complementar e facultativo, custeado por contribuições adicionais" (art. 201, § 7º do texto original). (CASTRO; LAZZARI, 2012, p. 128).

Com a EC n. 20/1998, a previdência privada passou a ser disciplinada no art. 202 da Constituição Federal, estabelecendo a autonomia do regime previdenciário privado. Paralelamente ao regime geral de previdência social do INSS, a previdência complementar foi instituída como regime complementar, conforme previsão do art. 202 da Carta Magna, destinado a todos os cidadãos, em especial, àqueles que desejam auferir uma renda maior do que o valor-teto fornecido pelo INSS quando da inatividade.

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

§ 1º A lei complementar de que trata este artigo assegurará, ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada, o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos.

§ 2º As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.

§ 3º É vedado o aporte de recursos à entidade de previdência privada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder à do segurado.

§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas, direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de

Page 164

entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada.

§ 5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada.

§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4º deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação. (BRASIL, 1988).

Também alterou a redação do § 14 do art. 40 da Constituição Federal, prevendo a hipótese de fundos de previdência complementar também para os agentes públicos ocupantes de cargos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT