Os complementos do projeto

AutorMayr Godoy
Ocupação do AutorMestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo
Páginas229-254

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A ação legislativa não se subsume exclusivamente em torno ao projeto. Integra-lhe os complementos, muitos dos quais nem sempre se positivam, ou porque, eventuais, não se tornaram exigidos ou porque, ainda que necessários, houve descuido e não se aprimorou a legiferação como se devia legislar.

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1. A justificativa do projeto

São complementos do projeto: a sua justificativa, sempre necessária; as emendas, eventuais; os pareceres, necessários; e o veto, eventual.

Há, no entanto, textos legais que passaram incólumes pelas Casas Legislativas sem que nada sobre eles tenha sido dito; às vezes, nem pareceres mereceram.

A lei deve ser trabalhada para fixar-lhe memória e isto deve começar com a justificativa de seus projetos. Quando o legislador imagina o direito novo, deve, a par da articulação do texto, preparar os argumentos justificadores de sua pretensão, não só porque deva enfrentar o debate parlamentar, mas porque a norma deve nascer com vida, deve nascer biografada.

Não importa onde tenha origem: no parlamento ou no executivo, terá que ser apresentada com razões de sua criação.

2. A mensagem do executivo

Os projetos oriundos do Poder Executivo chegam ao Legislativo capeados por uma mensagem, um misto de ofício encaminhador e de justificativa para a propositura. Às vezes constituem atos autônomos, mas sempre o projeto deve estar apresentado por razões demonstrativas da necessidade do direito que se quer criar e das vantagens de sua inclusão no sistema jurídico.

Ao mesmo tempo que o Executivo justifica sua criação, deve demonstrar as qualidades da lei pretendida, refutando de ante-mão posições, eventualmente possíveis de adversários do governo ou da mudança que irá se operar. É uma técnica de persuasão66

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que antecipa o debate parlamentar e cria condições de fácil tramitação à propositura.

Não deve a mensagem pecar pela repetição telegráfica de lugar comum na espécie. São testemunhos do nascimento de um direito novo e devem dizer razoavelmente, para que se destina o texto proposto. A mensagem lacunosa gera insegurança no Legislativo, recomendando-se uma peça introdutória com argumentos convincentes.

Nos casos de grandes projetos, como os códigos, deve ser acompanhada de exposição de motivos ou, no caso de projetos polêmicos, de pareceres de especialistas

3. A exposição de motivos

A exposição de motivos se justifica nos projetos de maior fôlego, de grandes transformações do direito, onde conceitos novos são introduzidos, merecendo que os autores do anteprojeto informem, tecnicamente, o conteúdo da propositura.

Como ocorre em casos desse espécie, a exposição de motivos encerra a comunicação da comissão ou do jurista ou do técnico que preparou o texto, ao titular Executivo que irá subscrevê-lo, enviando ao Legislativo.

A anexação da exposição de motivos ao projeto encaminha o debate parlamentar, podendo ir adiante dele, integrando-se à futura lei, como documento aclarador do direito a glorificar a obra de seu criador67.

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4. Os pareceres

As matérias polêmicas, de que o Executivo não se pode furtar, devendo remetê-las ao Legislativo para obter a lei, precisam ser tratadas com cuidados técnicos e, dentre eles sobressaem os pareceres, quase sempre de juristas ou especialistas do assunto, mais recentemente, de economistas, de sociólogos, dos gênios da informática, dos físicos nucleares, para não citar muitos.

Esses pareceres, com as características da espécie, são levados ao debate parlamentar como argumento de autoridade, inclusive, para exposição do tema à comunidade técnica, a fim de transmitir segurança ao legislador, cuja sensibilidade será tocada pelo seu eleitorado, sem esquecer a pressão dos órgãos da imprensa, dos grupos organizados e do lobismo.

O legislador não pode ser levado ao debate sem sentir a opinião esclarecida de um lado e, de outro, a opinião interessada nesta ou naquela posição. Os pareceres podem formar opinião, mas constituem uma forma de abrir uma discussão em alto nível, com curso pelos meios de divulgação e retorno à caixa de ressonância comunitária, que deve ser o Legislativo.

Este procedimento é válido nos três níveis criadores da lei: na União, nos Estados e nos Municípios e Distrito Federal; pois nessas três esferas sempre há mudanças polêmicas do direito que hão de ser feitas com a participação de todos, pelo esclarecimento do assunto.

5. As justificativas dos parlamentares

No seio do Legislativo, quando os parlamentares apresentam seus projetos, ou quando as comissões técnicas o fazem em cole-giado, não deve ser menor o apuro na preparação das justificativas em torno ao texto proposto.

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Por uma incompreensível situação, o Poder Legislativo, nem sempre, dispõe dos recursos técnicos e de pessoal necessário, como o Executivo, para funções que são predominantemente suas. Em consequência, o parlamentar deve suprir essa falta para o preparo dos projetos e suas indispensáveis justificativas, que pessoalmente, quer coletivamente, no trabalho das comissões.

O Legislador parlamentar, ao contrário do Executivo – que precisa criar leis para seus programas e projetos –, tem compromissos com sua clientela eleitoral, setorizada ou regionalizada na maioria das vezes, cuja demanda, em termos de direito novo, não sofre igual pressão. Isto lhe permite trabalhar os textos que irá apresentar, aos quais não faltarão os argumentos de convicção68, dele ou de assessores, para vê-los tramitar tranquilamente nos meandros parlamentares do processo legislativo.

Como seus projetos são produto da comunidade que o alimenta politicamente, as justificativas fluem com os pedidos de lei nova: resta que tais argumentos encontrem eco na Casa Legislativa, daí o caráter técnico que deve dar a esse trabalho de traduzir as aspirações comunitárias no bom discurso legislativo.

Há, ainda, dois aspectos a considerar; o do parlamentar técnico, que se basta na função e o do parlamentar representativo de setores ou de regiões, cujo projetos, por certo, deverão merecer estudos acurados de assessorias técnicas da Casa.

De fato, ou por razão da escolaridade que os representantes reeleitos vão adquirindo na vida parlamentar ou, mesmo, pela eleição de técnicos que ingressam nas Casas Legislativas, uma parte do trabalho pela boa preparação da lei é feita com a ação pessoal do legislador parlamentar. Por outro lado, há o representante da comunidade que reúne outras qualidades – mas não a

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especializada do labor normativo – e que precisa ser assessorado no aspecto técnico, vez que domina, pela sensibilidade política inerente, apenas a decisão em torno ao que quer a comunidade.

6. As justificativas das comissões

As comissões técnicas, também chamadas permanentes, e as especiais, sempre temporárias, em ação coletiva, agindo em cole-giado, vez por outra, elaboram projetos e redigem suas justificativas, às vezes, ao estilo dos pareceres, que lhes é função precípua.

O trabalho das comissões, nessas eventualidades, gozam de evidente prerrogativa, não só porque decorre de um grupo de parlamentares escolhidos pela Casa, por sua inerente especialidade, como igualmente, porque reúnem, também, recursos de informações e de assessoria que, isoladamente, os demais parlamentares não têm.

Os projetos, oriundos das comissões, têm o privilégio da dispensa dos pareceres, pois suas justificativas são, de fato, um pare-cer sobre a matéria neles tratado, concluído pela propositura.

Essa característica das justificativas elaboradas pelas comissões em torno aos seus projetos infunde maior confiança ao Plenário, gozando daquela prerrogativa de ser produto tecnicamente privilegiado, a par de sua evidente disposição lógica e redacional a esclarecer minudentemente o assunto enfocado.

7. As emendas

Em sentido amplo, as emendas visam a alterar os projetos em tramitação. No sentido restrito, substantivadas, as emendas são um ato legislativo modificador das constituições, da Federação ou dos Estados, e da lei orgânica do Distrito Federal ou do Município69.

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No processo legislativo, as emendas constituem um ato intrínseco, que se esvai com a votação, incorporando-se ao projeto ou, sendo rejeitadas, encaminhadas ao arquivo.

Já na técnica legislativa as emendas são uma proposição aces-sória, pelo qual o parlamentar, na maior das vezes, usa para inter-vir na vontade legislativa de outrem, pretendendo alterar o texto do projeto em trâmite. Não é só o parlamentar que pode praticar essa intervenção: as comissões, também, podem emendar os projetos; a Mesa, nas matérias de sua iniciativa, altera o texto primitivo e o Chefe do Poder Executivo, nas suas proposições, através de mensagem, pode pedir modificações.

A apresentação formal e material das emendas fica sujeita às mesmas regras dos projetos. Destas, se destaca o caráter de identidade da matéria, pois não se admite o processamento de uma emenda de finalidade diversa das contidas no texto que se vai modificar. Devem ainda, as emendas, serem acompanhadas de justificação, como os projetos, para elucidação dessa particular vontade legislativa.

Materialmente, as emendas ora se apresentam articuladas...

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