Compliance solidário e promoção do consumidor nos planos de saúde: novas estratégias preventivas e estruturais

AutorFernando Rodrigues Martins
Páginas207-231
COMPLIANCE SOLIDÁRIO E PROMOÇÃO DO
CONSUMIDOR NOS PLANOS DE SAÚDE: NOVAS
ESTRATÉGIAS PREVENTIVAS E ESTRUTURAIS
Fernando Rodrigues Martins
Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. Pesquisador Visitante do Instituto Max-Planck de Direito Privado Com-
parado e Internacional (Hamburgo – Alemanha). Professor Adjunto IV – graduação e
pós-graduação (lato sensu e stricto sensu) da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Uberlândia. Associado fundador do Instituto de Direito Privado em São
Paulo – IDPriv. Associado fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual – IBD-
Cont. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil. Diretor-Presidente do
Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON. Coordenador
regional do PROCON/MG Triângulo Mineiro. Promotor de Justiça do Ministério Público
do Estado de Minas Gerais.
Sumário: 1. Notícia introdutória sobre o compliance, integridade e governança corporativa: os dois
lados da moeda dos deveres de proteção ao consumidor – 2. Modelos externos de proteção: con-
trole e regulação – 3. Modelo interno de proteção: autorregulação e ethos empresarial dos planos
e seguros privados de assistência à saúde – 4. Notas conclusivas – 5. Referências.
1. NOTÍCIA INTRODUTÓRIA SOBRE O COMPLIANCE, INTEGRIDADE E
GOVERNANÇA CORPORATIVA: OS DOIS LADOS DA MOEDA DOS
DEVERES DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR
A saúde suplementar no Brasil representa setor proeminente. Mesmo conside-
rando o ano de 2020 como marcadamente de crise por conta da pandemia COVID-19,
designada como de importância internacional pela Organização Mundial de Saúde,
os números apurados registram consolidação setorial, demonstrando movimentação
com saldo positivo em determinadas rubricas.
A comparação com o desempenho do exercício de 2019 não deixa dúvidas: i)
houve crescimento da taxa de benef‌iciários em 0,1%, enquanto em 2019 decrésci-
mo de -0,1% em relação a 2018; ii) diminuição das despesas de assistência para R$
120.174.456.305,00 frente aos R$ 174.539.061.631,00 de 2019, o que representa
quase quarenta por cento; iii) aumento da taxa de cobertura para 24,3% frente a
24,2% em 20191.
1. Esses números constam do portal transparência da Agência Nacional de Saúde Suplementar e foram colhidos
em https://www.ans.gov.br/perf‌il-do-setor/dados-gerais. Relevante perceber que a receita de 2020 caiu em
torno de 33% em relação a 2019, conquanto percentagem, como se viu, inferior às despesas de assistência.
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Acesso a esses dados somente é possível pela prática da transparência adminis-
trativa2 e ao mesmo tempo da accountability3. Esta última f‌igura assim como diversas
outras identif‌icadas por expressões inglesas, estrangeirismos e neologismos, foram
colhidas pelos efeitos da globalização que, a despeito de aumentarem riscos e perigos
na ambiência mundial (a exemplo novamente do COVID-19), também contribuem
na inovação, renovação do conhecimento e ‘recepção’ de valores outros4.
Na atualidade, e em síntese de norma secundária, para o setor da prestação de
serviços de saúde da iniciativa privada está vigendo a Resolução Normativa – RN
443/19 expedida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar que dispõe sobre ‘a
adoção de práticas mínimas de governança corporativa, com ênfase em controle
internos e gestão de riscos’.
Importante verif‌icar, a título introdutório, que as matérias respeitantes a com-
pliance, integridade e governança corporativa a partir deste século XXI vêm encon-
trando forte utilização no direito brasileiro como modelos jurídicos internos empre-
sariais aptos a prevenir e precaver eventuais ilícitos praticados pelas corporações.5
Investigação atenta leva à formulação de preceito interessante. Anteriormente
apenas as massas de instituições públicas, agentes políticos e agentes públicos con-
solidavam como únicos responsáveis por níveis catastróf‌icos de corrupção e ausência
de eticidade. Contudo, descortinou-se o óbvio contido na lógica de que o mercado
2. Ver Lei 12.527/2011. Art. 5º. É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será fran-
queada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil
compreensão.
3. WALD, Arnold. O governo das empresas. Doutrinas essenciais de direito empresarial. v. 3. São Paulo: Ed. RT,
2010, p. 307-336. Bastante signif‌icativa a referência: “há necessidade de conciliar o Mercado e o Direito, pois
o direito representa o elemento ético sem o qual nenhuma sociedade progride. Já se af‌irmou que o mercado
sem direito é a selva e o direito sem mercado é o imobilismo. O poder, ou seja, o mercado, encontra ou deve
encontrar limites na lei, no governo das empresas, na governance, na democracia e na accountability, isto
é, na responsabilidade”.
4. RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. A inf‌luência do BGB e da doutrina alemã no direito civil brasileiro do
século XX. RT. v. 938. São Paulo: Ed. RT, p. 79-155. Com apoio em Dário Moura Vicente sintetiza as três
ondas cronológicas de ‘recepção’ do direito estrangeiro: (i) direito romano; (ii) direito das codif‌icações;
(iii) direito anglo-saxônico. Nos interessa, aqui, a última onda, verbis: E a “terceira vaga”, que se deu na
segunda metade do século XX, “por via da difusão na Europa continental de novos tipos contratuais oriun-
dos do universo jurídico anglo-saxónico (em particular o norte-americano), como o leasing, o factoring,
o franchising etc., e da consagração legal e jurisprudencial de regimes especiais de responsabilidade civil,
igualmente emanados dos Estados Unidos da América, entre as quais a do produtor, a dos médicos e a dos
provedores de serviços de Internet. Desse modo, é vulgar que a recepção se dê por meio da “importação”
de institutos ou de f‌iguras estrangeiras, o que pode contemplar (a) a adoção de modelos jurídicos e seu
aproveitamento na doutrina, na jurisprudência ou na legislação; (b) a tradução de textos doutrinários, o
que implica certo grau de inf‌luência teorética ou mesmo ideológica de um país sobre o outro”.
5. CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei 12.846/13. São
Paulo: Ed. RT, 2015, p. 54. Identif‌icando a responsabilidade penal-administrativa das pessoas jurídicas
pela prática da corrupção: “neste aspecto do combate à corrupção no seio do Poder Público, de que resulta
a comissão omissiva da pessoa jurídica, são muito oportunas as disposições na presente lei, no sentido que
a punição seja atenuada nas hipóteses de cooperação da pessoa jurídica (leniência – artigo 7º, inciso VII)
ou de criação de programas de conformidade (compliance), na forma regulamentar prevista no parágrafo
único do artigo 7º, para, assim, melhor conhecer a instigação corruptiva do agente público”.
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