A comunicação como processo dialógico de transformação e ocupação das escolas

AutorAline Pimentel Romani
Páginas429-450

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Apresentação

O presente artigo pretende refletir sobre comunicação e ações afirmativas dentro das escolas, como forma de enfrentamento ao problema de representatividade na mídia, numa perspectiva dos direitos humanos. Também é fruto de ponderações sobre a igualdade no espaço escolar, visando melhor desenvolvimento do jovem no aprendizado para a cidadania e para o respeito às diferenças, e ainda, uma tentativa de colaborar com práticas de inclusão social neste ambiente. O estudo analisa as dificuldades e novas perspectivas para o ensino regular, em uma dimensão em que o aluno apareça como protagonista no processo de aprendizado.

1 Introdução

O presente artigo é fruto de reflexões sobre a busca por igualdade no espaço escolar. É também uma preocupação com o papel da escola no enfrentamento ao problema de exclusão de uma parcela significativa da sociedade em processos de comunicação, principalmente, tratando-se da grande mídia. E ainda, serão apresentadas propostas de atividades dialógicas, a partir de uma reelaboração da noção do aluno como sujeito de sua história, não mais como ser passivo e moldável.

Para tal, trataremos logo da noção de igualdade, que basicamente pode ser ponderada a partir de dois pontos de vista. A formal, que significa,

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dentro de um contexto democrático, o reconhecimento para todos - sem discriminação - de um determinado número de direitos básicos, dentre eles a liberdade de locomoção, de voto, de expressão e de opinião. Nesses casos, supõe-se que consideremos pessoas diferentes como equivalentes, mas não forçosamente idênticas.1Ser diferente não poderá ser motivo de exclusão. Sendo esta não apenas a discriminação social, mas a ausência de direitos e oportunidades. Para que haja liberdade de escolha, é necessário considerar a noção de igualdade material ou de oportunidade. Santos explica:

Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.2

Visto isso, será analisado o ambiente escolar, desde a forma de inserção na escola pública, suas finalidades, e ainda sobre as relações de poder estabelecidas nela. Desde 1988, a Constituição Federal do Brasil determina:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

Percebe-se que a Constituição garante a gratuidade da escola pública e que esta deve ser de igual acesso a todos, bem como a permanência na escola. Além disso, a Constituição avaliza a liberdade e o pluralismo de ideias na educação. Apesar dos problemas presenciados na prática, muitos avanços devem ser destacados. Anterior ao ano de 1988, o acesso à escola não era garantido a todos pelo Estado, nem tão pouco sua gratuidade. A pluralidade de ideias era cerceada e censurada pela ditadura militar, tendo a escola um verdadeiro clima de vigilância.3Atualmente, a igualdade formal de acesso à educação é realidade e direito constitucional, todavia,

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para ter jovens dentro da escola, é preciso mantê-los com vínculo, interesse e condições de frequentá-la.

Posto isso, o que significa essa inclusão social? Apenas adentrar com esses jovens para os portões da escola? Garantimos a igualdade de oportunidade no momento em que todos se encontram dentro dos muros dessa instituição? Como garantir a permanência de todos, de forma a garantir também o melhor aproveitamento do ensino.

Assim, o objetivo desse trabalho é refletir sobre essa nova etapa de acesso às escolas e da ocupação dos antigos espaços pelos novos sujeitos. Ou seja, é preciso analisar como o sistema educacional é visto, sentido e ocupado pelos sujeitos advindos de grupos historicamente marginalizados. Pensar a escola enquanto instituição tradicional e, ao mesmo tempo, como meio de transformação, portanto, sujeito a mudanças. Para tal, serão verificadas suas práticas para além da sala de aula, percebendo o poder estabelecido por ela e dentro dela, ou seja, as relações políticas. Segundo Bobbio4: "A relação política por excelência é uma relação entre poder e liberdade. Há uma estreita correlação entre um e outro. Quando mais se estende o poder de um dos dois sujeitos da relação, mais diminui a liberdade do outro, e vice-versa".

No entanto, não é possível negar essas relações de poder, mas é preciso equilibrá-las, com uma nova noção de ensino, menos autoritário, mais criativo, horizontal, autônomo, e, de fato, visando à cidadania. Diante da realidade apresentada, em que a escola pública recebe uma diversidade imensa de sujeitos, advinda de culturas diferentes, incluindo práticas religiosas, etnias, dentre outros fatores - gênero, sexo, renda, classe social, deficiências - é preciso pensar a identidade5como forma de valorização do sujeito, não de exclusão.

A descaracterização do outro frente às diferenças é a raiz de problemas como o bullying, a violência escolar, a dificuldade de aprendizado e principalmente, é o que torna a escola um espaço desinteressante, para a maioria. A identidade é muito cara aos jovens em idade regular no ensino fundamental II6, visto que este é um período de intensa construção dos

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sujeitos. Os alunos se apoiam na identidade não apenas para resistir à massificação, mas também, para discriminar, tornar o outro o estranho, exótico ou até mesmo inimigo. No ambiente escolar, o professor se depara com toda essa diversidade e, então, nos questionamos: como lidar com a exclusão?

A identidade é parte da formação de um sujeito crítico, a noção de pertencimento, suas origens, e suas referências de liberdade, felicidade e dignidade, todas elas indispensáveis a cidadania. Se a escola tem papel fundamental nesse processo, isso não exclui outras referências e influências externas. Devemos considerar, dentre outros fatores, o papel da mídia e da publicidade na formação do indivíduo e na composição do sujeito.

Será a identidade apenas uma construção genuína? O mundo contemporâneo e capitalista estaria criando identidades ficcionais? Identidade é individualidade? Essas perguntas são importantes quando notamos uma crescente valorização do individualismo, em um discurso midiático em que imperam máximas como: "seja você mesmo", "o que conta é ser mais eu", ou ainda "você é o que tem". No sistema capitalista, há um incentivo ao consumismo e uma tentativa de convencer que precisamos aparentar o que somos, há uma fetichização da imagem individual e de grupos caracterizados por um conjunto de signos fechados, o que vestem, consomem, leem, enfim, definidos pelo que tem.7Por outro lado, vivemos também uma tentativa de impor o tradicional, o comum, o convencional como caminho único para a resolução dos problemas. Apoiados em argumentos que suscitam a fragilidade da fraternidade e da solidariedade em sociedades plurais, esses grupos reacionários percebem o outro, tão somente, a partir de sua ótica, e a sua inclusão apenas como adaptação ao ordenamento estabelecido pelo status quo. No entanto, essa visão acaba por omitir conflitos, tentando prevalecer características de setores dominantes, impedindo que as minorias tenham voz.

Esses conflitos aparecem de forma recorrente no cotidiano escolar, quando, por exemplo, um garoto é alvo de chacota: "credo, professora, o estojo dele é de menininha" - ao se referir a cor, ao formato, ou ao desenho do seu material. Ora, esse ponto de vista é construído em torno de uma identidade de gênero tradicional, em que existem coisas de menino e de menina, ela impede a alteridade e limita o olhar sobre os sujeitos, inferiorizando a figura feminina. Outro caso comum, quando um aluno se envergonha e não conta que é adepto a religião de matriz africana, havendo,

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neste caso, uma autonegação, por medo da exclusão. E, ainda, quando um aluno não tem um material novo, ou usa um calçado velho, ele pode virar alvo de vexação, sem maiores problematizações por parte da turma ou do professor. Em todas as situações, a identidade dominante é rígida, não permite a inclusão do diferente e o transforma em bizarro.

Mesmo assim, seria um equivoco considerar a identidade apenas uma forma superficial e alienante de constituir o sujeito. Ela deve deixar de ser consciência "em si", para ser consciência "para si e para o outro". Ou seja, a identidade deve ser um resgate, mas também sempre uma construção, porque o homem está sujeito a mudanças que somente se dão em contato com o outro. No entanto, tanto o resgate quanto as transformações devem ser conscientes, acompanhadas de atitudes reflexivas para que a tradição não seja imutável e dominante, e o novo não seja superficial e excludente.

Alguns aspectos estão envolvidos na exclusão do ambiente escolar, seja esta supressão, fruto das relações entre alunos ou entre alunos e professores. Esse fenômeno pode não significar evasão, mas pode tornar esse ambiente inóspito e impróprio para o aprendizado. Segundo Mello8, o ambiente urbano é uma das principais razões para a exclusão social do jovem, pois propicia a convivência conflituosa entre os diferentes, que se tornam discrepantes. São abastados e desfavorecidos que dividem, na maioria das vezes, o mesmo espaço, com sentimentos e pontos de vista diferentes. Ainda no meio urbano, a autora destaca que é gritante a violência policial e os homicídios de jovens pobres, principalmente, comparados aos jovens de classes...

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