Conceituação e caracterização da prova digital

AutorDario José Kist
Ocupação do AutorMestre em Direitos Fundamentais
Páginas105-136
Prova Digital no Processo Penal 105
CAPÍTULO I
CONCEITUAÇÃO E CARACTERIZ AÇÃO DA PROVA DIGITAL
1. Aproximações conceituais
1.1. Noções gerais
Já se referiu, em outra passagem, que a cibercriminalidade também
causa re exos no âmbito processual, ressaltando-se em importância a
matéria concernente à sua prova. De fato, tratando-se de ilícitos criminais
perpetrados por meio do ciberespaço, é natural que as características
intrínsecas a ele sejam transmitidas e impressas nas formas de, depois de
consumados os crimes, identi car e recolher as evidências da sua autoria
e materialidade.
Em termos mais especí cos, há duas questões de relevo que se
põem nesse campo. A primeira refere-se à natureza dos meios de prova
dos cibercrimes que, em regra, é eletrônico-digital, diferentemente das
evidências físicas, próprias da criminalidade tradicional. A segunda rela-
ciona-se com o acesso transfronteiriço a dados e sistemas informáticos,
necessidade comum por conta de a cibercriminalidade caracterizar-se
pela inter/transnacionalidade.
A primeira questão demanda o estudo da prova digital, com especial
atenção para o desenvolvimento de novas modalidades de investigação,
próprias para estas formas de prática criminosa; para resolver a segunda
tem havido apelo ao instituto da cooperação internacional, e isso impõe
tratar dos mecanismos existentes para tanto, alguns já consensuados. Será
visto que, dentre as características da prova digital, está a sua fragilidade e
volatilidade, do que decorre a possibilidade de ser alterada ou destruída/
apagada na mesma velocidade com que foi gerada e, especialmente
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por isso, reclama-se por um aprimoramento nas formas de cooperação
policial e judicial entre as autoridades de países diversos, nomeadamente
para as hipóteses em que a prova do cibercrime encontrar-se em país
diferente daquele em que se iniciou a persecução penal e nele tiver de ser
identicada, preservada e recolhida. E é nesse ponto que os dois temas
tocam-se e relacionam-se entre si.
Eis uma vista panorâmica sobre as linhas que se seguem, iniciando-se
com uma abordagem sobre a prova de natureza digital.
1.2. Dados digitais e sistema binário
A compreensão da prova digital pressupõe a mobilização de alguns
termos de natureza técnica e a sua denição conceitual, como é o caso
destes ora enunciados.
De fato, e lembrando que a prova com a qual se decide uma causa
penal é constituída pelas evidências produzidas e deixadas pelo autor do
fato em discussão, é de se distinguir a situação em que estas evidências
têm natureza física e, por isso, são apreensíveis por algum dos sentidos
humanos, do caso em que estas evidências, embora existentes, são revesti-
das de um formato que as oculta desses mesmos sentidos. Com efeito,
no acesso indevido a um sistema informático, por exemplo, a vítima
observará apenas o resultado (subtração de valores de conta bancária,
disseminação de fotograas íntimas, mensagem ameaçadora ou difama-
tória), mas dicilmente encontrará e verá sinais da ação criminosa em si.
Ou seja, e, por exemplo, se em crime de homicídio praticado com arma
de fogo é visível a lesão no cadáver da vítima, se no furto qualicado pelo
rompimento de obstáculo são visíveis os danos na fechadura da porta,
etc., nos crimes praticados pelos meios informáticos não estará à vista
nenhum sinal ou evidência externa deixada pela ação criminosa.
Esta circunstância desaa as concepções tradicionais sobre a natureza
da prova, bem como sobre os mecanismos de identicação das evidências
do crime e seu recolhimento para posterior valoração. É que a cibercri-
minalidade deixou para trás o ambiente físico e instalou-se em um ambiente
digital e, por óbvio, é neste ambiente que também se encontram as provas
dos crimes e é nele que deverão ser identicadas e dele recolhidas.
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A expressão “digital” é polissêmica, e seu signicado é impregnado
do contexto em que usada. No geral, diz-se ser digital o que se relaciona
com os dedos, e assim é usada, por exemplo, a locução “impressão digital”.
Mas, naturalmente não é esse o contexto que interessa quando se trata
da prova dos cibercrimes; neste âmbito, interessa mobilizar o signicado
da palavra “digital” para a matemática, a eletrônica e a informática.
Nesses campos, “digital” deriva de dígito, este compreendido como
sendo cada um dos números ou algarismos arábicos de zero até nove,
bem como as quantidades que resultam da combinação deles. Esse conceito
interessa, na medida em que os sistemas informáticos processam dados
e informações utilizando o assim conhecido sistema binário: utilizado por
máquinas com circuitos digitais para interpretar informações e executar
ações, é uma espécie de linguagem, com a qual o computador processa
textos, números e imagens, pois somente lê sinais elétricos na sua forma
mais simples – sem corrente ou com corrente, representados respecti-
vamente pelos números 0 e 1169.
Com essa base, e quando se antepõe ao termo “digital” outro, qual
seja, “prova”, é intuitivo que se quer signicar que esta última tem a
natureza digital, ou seja, é impregnada das notas essenciais dos sistemas
digitais, utilizados pelos dispositivos informáticos e por meio dos quais
processam e transmitem informações e dados. E quando, transmitindo
dados, o dispositivo informático é instrumento para a prática de ilícito
penal, as evidências deste também terão esta característica digital.
Portanto, o uso, doravante, da expressão “digital” pressupõe a sua
vinculação à lógica binária ou outra forma de representação170, utilizada
169 A representação do sistema binário é esta: 01001101 01110101 01101110 01100100
01101111 00100000 01000101 01110011 01110100 01110010 01100001 01101110
01101000 01101111. Todos os comandos e dados processados pelo equipamento
informático são formados por sequências desses algarismos; assim, por exemplo, branco
puro na tela equivale a 11111111 em código binário e o número 8, para o computador, é
1000. Ademais, um dígito binário (0 ou 1) equivale a 1 bit, a menor unidade de informação
processada por dispositivos digitais; 8 dígitos binários formam 1 byte e 1 gigabyte é formado
por 8,5 bilhões de zeros e uns. Referência importante sobre o sistema binário, bem como
os conceitos de “digital” contraposto a “analógico”, há em PRICE, Donald Justin. “The
Analog and Digital World”. In Handbook of Digital and Multimedia Forensic Evidence. Nova
Jérsia: Humana Press, 2008, pp. 1-10.
170 De fato, os dados informáticos podem ter representação diversa da forma binária, ou seja,
não é certo dizer que estes dados sempre terão esta forma. A matéria, no fundo, relaciona-se
com os sistemas de numeração utilizados na programação da linguagem computacional
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