Concessões de serviços públicos e PPPS: aspectos financeiros e tributários

AutorHeleno Taveira Torres e Suzana Soares Melo
Páginas115-159
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CONCESSÕES DE SERVIÇOS
PÚBLICOS E PPPS:
Aspectos financeiros e tributários
HELENO TAVEIRA TORRES
SUZANA SOARES MELO
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Constituição alberga um núcleo essencial de direitos, garantias
e liberdades, assegurando, nessa medida, os anseios de um Estado Demo-
crático de Direito. Trata-se de uma Carta não meramente formal, com
a aplicabilidade direta das normas constitucionais garantidoras dos direi-
tos fundamentais.1 A garantia ao desenvolvimento nacional é, nessa linha,
erigida como um dos objetivos fundamentais da República.
1 Nesse sentido: TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança
jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011. p. 164. Na doutrina internacional: CANOTILHO, J. J.
Gomes. O direito constitucional como ciência de direcção: o núcleo essencial de pres-
tações sociais ou a localização incerta da socialidade: contributo para a reabilitação da
força normativa da “Constituição Social”. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; CORREIA,
Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha (Coord.). Direitos funda-
mentais sociais. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 11-31. p. 29-30.
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HELENO TAVEIRA TORRES, SUZANA SOARES MELO
A função constitucional da distribuição, redistribuição ou inter-
venção do Estado ampliou-se com a recente crise econômica e a ima-
nente necessidade de atuação do Estado para sua superação no mundo
dos mercados nacionais.
A economia de mercado demanda contínua segurança jurídica
para os seus agentes econômicos, para conferir previsibilidade, calcula-
bilidade e confiança ao futuro das relações jurídicas, porquanto suas
decisões econômicas dependem das informações do Estado e suas ações.
Esta é uma das principais funções da Constituição Econômica, bem como
da própria Constituição Financeira.
A Constituição Econômica, ao conferir essa dupla instrumentali-
dade, de que fala Norbert Reich, define os meios ou instrumentos para
realizar a intervenção do Estado na atividade econômica, ao mesmo
tempo que controla os limites dessa intervenção, no interesse dos sujei-
tos que participam no mercado, os particulares e o próprio Estado, como
no caso do art. 173 da nossa Constituição. E nada impede que empresas
do próprio ente estatal sejam afetadas por medidas interventivas.
Como preleciona Amartya Kumar Sen, o desenvolvimento pres-
supõe um processo de expansão das liberdades reais, eliminando-se
privações que limitam as escolhas e oportunidades dos indivíduos.2 O
chamado “Direito da Infraestrutura”3 exerce, nesse contexto, um papel
de suma importância na promoção do desenvolvimento, ao revelar o
arsenal jurídico relativo à concepção, construção e funcionamento dos
projetos que são, via de regra, contidos, conectados ou referenciados a
uma rede e servem à consecução de um interesse público.4
2 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 95.
3 Por todos, no Brasil: WALD, Arnoldo; SAMPAIO, Eduardo. O direito da infraestrutura.
Valor Econômico, São Paulo, 28 fev. 2013. Disponível em: .valor.com.br/
brasil/3026076/o-direito-da-infraestrutura>. Acesso em: 10 fev. 2015. Na doutrina
estrangeira, entre outros: ARIÑO & ALMOGUERA ABOGADOS. Nuevo derecho de
las infraestructuras. Madrid: Editorial Montecorvo, 2001; SADDY, A.; MARTÍNEZ,
Aurilivi Linares (Coord.). Direito das infraestruturas: um estudo dos distintos mercados
regulados. São Paulo: Lumen Juris, 2011.
4 MELO, Suzana Soares. Tributação nos serviços de infraestrutura: uma análise estrutural-
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CONCESSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS E PPPS: ASPECTOS...
Diante da grave crise financeira enfrentada pelo Estado, com a
redução de sua capacidade autônoma de investimentos5, a Lei de Con-
cessões (Lei n. 8.987/1995) e a Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei
n. 11.079/2004) surgem como alternativas para a provisão de serviços
inicialmente confiados unicamente à gestão estatal, proporcionando
investimentos, pelo setor privado, em setores que visam à satisfação de
um interesse público.
As políticas públicas são ações ou gestões governamentais, apro-
vadas por lei e que visam a atingir os fins e valores do Estado dirigidos
a determinado segmento da sociedade ou setor da economia. Fundam-
se nas finalidades constitucionais do Estado na ordem econômica, na
efetividade de direitos fundamentais ou na solidariedade social.
Toda política pública requer planejamento e objetivos transpa-
rentes a serem atendidos, por isso, deve ser entendida como meio de
ação político-administrativa de governo, dirigido à concretização de
determinados fins preordenados. É um modo eficiente de dirigir recur-
sos, segundo planos de metas e resultados previamente traçados, para
segmentos específicos, sob controles internos e externos, a evitar a
captura pela burocracia, que gera letargia, procedimentos morosos e
ineficiências.
A hermenêutica do Direito da Infraestrutura reclama compatibili-
dade com a Constituição Financeira, que convive com a noção de justiça
distributiva, segundo a realização dos fins do Estado.6 Faz-se necessária,
-funcionalista da utilização de mecanismos tributários como instrumentos para o de-
senvolvimento. 2014. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, São Paulo. p. 77.
5 Referido quadro foi bem observado, já no início da década de 90, por Henrique
Fingermann e Maria Rita Loureiro, ao apontarem a necessidade de se redefinir as funções
governamentais diante da grave crise financeira do Estado. (Mudanças na relação público-
privado e a problemática do controle social: algumas reflexões sobre a situação brasileira.
In: LODOVICI, E. Samek; BERNAREGGI, G. M. (Org.). Parceria público-privado:
cooperação financeira e organizacional entre o setor privado e administrações públicas
locais. v. I. [trad. Nilson Moulin Louzada]. São Paulo: Summus, 1992. p. 27-28).
6 TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional financeiro: teoria da Constituição
financeira. São Paulo: RT, 2014. p. 199.

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