Conclusão

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorLivre-Docente em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP. Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP
Páginas289-304

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Como mencionado, este livro, fruto de um estudo científico que outorgou ao autor o título de mestre, cuida de um dos assuntos mais empolgantes do mundo jurídico: o patrimônio da alma e seus mistérios desse ser incompleto, não terminado, em formação e transformação, em constante processo de aperfeiçoamento e de busca do bem-estar e da felicidade, que é o homem.

Não apenas empolgante, como deslumbrante é o dano moral, por força de tratar de algo que o ser humano, embora nele reflita a séculos, em parte o desconhece, ainda não chegou a uma conclusão sólida, definitiva. Por ocupar o ápice da pirâmide evolutiva das espécies vivas e por se adaptar constantemente ao meio ambiente em que vive, à medida que este também se transforma, a pessoa sempre se questiona de onde veio, o que está fazendo aqui, por que nasceu nessa família, nesse berço e não em outro e para onde vai, que faz parte das indagações que também perpassam o objeto de nosso estudo: os sentimentos humanos mais profundos e que não podem ser identificados nem mesmo por perícia médica.

Em virtude do fator aleatório que emana de si, a variedade dos sentimentos humanos não há como se contar, nem mesmo com a construção de uma escala de previsões: a pessoa humana é um devir, composto de duas naturezas (humana e divina), e daí, dois patrimônios (material e moral), em “permanente inacabamento”, nas palavras de Heidegger, um ser aleatório por sua própria natureza, incompleto, existindo desde os “estoicos de coração seco”, totalmente insensíveis, como já dizia Ripert, até os ditos “moles de coração”. Daí, não há como se analisar os sentimentos humanos por presunção ou indícios, ou mesmo por perícia. A análise não há como não ser holística, com base no que ordinariamente acontece.

A beleza desse instituto jurídico – o dano moral – é tão intensa que já se passaram décadas de seu reconhecimento no direito pátrio, que foi reforçado pelo advento da Constituição da República, em 1988, e até hoje os profissionais da área ainda não têm firme convicção e certeza quanto a seus exatos parâmetros de aferição e de configuração, seja no campo civil ou na seara do Direito do Trabalho.

Daí a sublimidade do instituto do dano moral, que longe de se levar a uma banalização, como já fizeram crer, cada novidade jurídica o enobrece. Isso provém

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exatamente do fato de que o dano moral segue a mesma trajetória do ser humano, pois um é corolário do outro. Na verdade, os dois se misturam, entrelaçam-se.

Por isso que, nesta edição, nos debruçamos com alegria em leitura atenta, saboreando cada palavra, para não perder a oportunidade de colocar no papel tudo o que for possível para tornar e conservar esse instituto do dano moral ainda mais instigante e belo, seja na doutrina, ou jurisprudência, com os sentimentos que partem da mente, do coração e alma atingindo o papel como se fosse com as penas quentes e efervescentes de uma caneta dourada e aquecida pelo fogo de uma paixão, pois o homem só é levado a examinar algo, com profundidade, por emoção, quando as letras do papel também lhe tocam e atingem os sentimentos de seu coração.

O dano moral se relaciona aos direitos mais importantes da pessoa humana: os direitos humanos e a situação do homem, especialmente o empregado hipossuficiente, no mundo do trabalho.

E não é apenas importante, mas sobretudo sublime, pois faz parte do reconhecimento universal de que todos os seres humanos, em que pesem as inúmeras diferenças biológicas, sociais e culturais que os distinguem entre si, merecem igual consideração e respeito, como únicos seres no mundo civilizado capazes de pensar, refletir, criar a beleza e o seu próprio destino, por meio de suas escolhas e de seus esforços.

Em outras palavras, à medida que a consciência humana evolui, já que ela é incompleta, inacabada, aberta a novos eflúvios da alma humana misteriosa e bela, atrai novos fatos, novas situações jurídicas aptas a ensejarem a prática de atos antijurídicos que podem levar à condenação do lesante.

É inconteste atualmente a tese de reparação do Dano Moral na órbita do Direito do Trabalho, uma vez que hoje no Brasil é uma imposição constitucional, abrangendo todos os ramos do Direito, e acreditamos que com mais intensidade o Direito do Trabalho, no qual as relações entre patrão e empregado assumem um trato sucessivo, perene, diário, ensejando a possibilidade de ocorrência de dano de forma mais intensa do que em qualquer outro ramo do Direito.

É inolvidável a contribuição de Fischer630, que preconizava que a “responsabilidade civil é pura resultante do equilíbrio violado pelo dano. Ela visa a repor o prejudicado à situação que desfrutava anteriormente, da forma mais completa possível, ou seja, restitutio in integrum. A eficiência do reparo será diretamente proporcional ao quanto mais perto alcance reconduzir a vítima ao status quo ante’’.

A propósito, Fischer ainda afirma que “a indenização tem caráter sucedâneo. Ela põe-se no lugar do dano. O acontecimento danoso interrompe a sucessão nor-

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mal dos fatos: o dever do indenizante, em tal emergência, é provocar um novo estado de coisas que se aproxime o mais que for possível à situação frustrada daquela situação, que segundo os cálculos da experiência humana e às leis da probabilidade, seria existente a não se ter interposto o dano’’.

Valeixo631, por sua vez, assevera que “o direito, há muito, somente habilita a via pecúnica, como meio de restituição. A soma resultante do processo reparador reequilibra, ainda que ficticiamente, mas da única maneira possível, o modus vivendi, a situação física, econômica e moral antecedente ao dano. Se essa reposição, por conseguinte, substitui a ofensa, vedado está qualquer corte no quantum reparador, sob qualquer título, porquanto este (o reparo) se sub-roga naquela (a ofensa). Se se admitir o afastamento de uma porção, faltar-lhe-á, visivelmente, uma parte que outrora lhe compunha e respondia por sua inteireza’’.

No pleito de recuperação aos bens imateriais atingidos pelo ato ilícito, por exemplo, a honra maculada, a dor sofrida, a imagem violada, um complexo, uma humilhação desastrosa etc, o valor apresentado pelo autor na ação é sempre indicativo, exemplificativo, referencial, posto que a dor não tem preço.

Certo é que, na maioria das vezes, esse “equilíbrio” de que fala Fischer nunca mais será restabelecido, nunca mais será esquecido, vez que cria uma ferida no recôndito da alma do ofendido, que de vez em vez voltará a se lembrar do ocorrido, com amargura, com tristeza, com ressentimento, e que nenhum dinheiro no mundo jamais conseguirá apagar.

Nesse sentido, urge abordarmos uma citação de ninguém menos do que o precursor do estudo do Dano Moral no Brasil, Wilson de Melo e Silva632, que apregoava que:

“As feridas da alma, são às vezes, eternas e mais duradouras que as físicas.’’

Isso porque temos de levar em consideração a duplicidade da natureza humana, formada por uma de ordem material (humana) e outra espiritual (divina), tendo, portanto, dois patrimônios a merecer guarida do Estado, tendo o homem (e a mulher) sido colocado no ápice da cadeia evolutiva das espécies vivas633, cons-

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tituindo-se em um ser único, insubstituível, especial, inigualável, irreprodutível, não tem equivalente, que não pode ser trocado por coisa alguma, nem ser objeto de venda, ou de empréstimo, pois deve ser tratado e considerado como um fim em si mesmo e não objeto de nada e de ninguém, pois por sua vontade racional, vive em condições de autonomia, ou seja, é um ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio cria.

Disto decorre o princípio da dignidade da pessoa humana, na visão kantiana de “que todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas”.634

Não poderíamos deixar de citar neste espaço a bela poesia, denominada “entre o céu e a terra”, extraída e traduzida do filme Vietnã, da qual muitas vezes nos socorremos para alívio das angústias e agruras do dia a dia:

“É o nosso destino viver entre norte, sul, leste, oeste, Vietnã e América. É o nosso destino viver entre o céu e a terra. Quando nós não aceitamos o destino, nós sofremos. Quando o aceitamos, somos felizes. Temos tempo. A eternidade. Para corrigir os nossos erros e precisamos corrigi-los apenas uma única vez para ouvir a música da iluminação, com a qual podemos quebrar a cadeia da vingança. Só no coração se pode ouvi-la. É a música que o espírito canta desde o nosso nascimento. E se os monges estavam certos e nada acontece por acaso, então o valor do sofrimento é aproximar-nos de Deus, fazendo-nos fortes, quando estamos fracos, corajosos quando temos medo, e sábios no meio da confusão, e termos coragem para deixar, aquilo que não podemos mais reter, pois as vitórias são ganhas no coração e não em uma terra ou em outra.” (Extraída da música do filme Vietnã.)

Mais recentemente, na concepção existencialista da pessoa humana, um dos filósofos dessa corrente, Heidegger, apresenta como característica essencial da pessoa

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o “ser no mundo”, em constante processo de transformação e busca de aperfeiçoamento em busca da felicidade, ou seja, em estado de “permanente inacabamento”.

A problemática do Dano Moral e sua reparação é tão complexa que transcende o direito e o processo, na medida em que pode acompanhar o lesado até o fim de sua vida. Eis alguns comentários pertinentes ao Dano Moral:

  1. a maior parte dos trabalhadores médios que são vitimados pelo Dano Moral geralmente desconhecem até mesmo os seus direitos básicos. O Dano Moral pode ser considerado um direito complexo;

  2. a Justiça do Trabalho é morosa. Existem casos tramitando há mais de dez anos na Justiça, sem solução à vista;

  3. o patrimônio moral é muito mais importante que o patrimônio material, pois este tem uma recuperação mais fácil e menos traumática psicologicamente. Ademais, nessa conceituação não podemos olvidar os conceitos ontológicos do “ter” e do “ser”, sendo o primeiro temporário, efêmero, transitório, material; e o último, eterno...

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