Concurso de Crimes

AutorFernando de Almeida Pedroso
Ocupação do AutorMembro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Professor de Direito Penal. Membro da Academia Taubateana de Letras
Páginas567-573

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22.1. Prolegômenos

Diversamente da coautoria ou participação (concursus delinquentium), em que há um crime atribuível a várias pessoas, no concurso de crimes (concursus delictorum) tem-se vislumbre oposto: há diferentes crimes atribuíveis ao mesmo sujeito ativo.

Nada impede, entretanto, que o agente dos múltiplos delitos os tenha perpetrado, a alguns ou mesmo a todos, com a participação de outras pessoas. Vale dizer: é perfeitamente possível a coexistência da coautoria ou da participação em sede de concurso de crimes. Exemplo: Mévio mata Antonio, com o auxílio de Sérgio. Comete, assim, com participação alheia, um homicídio. Posteriormente, em outra ocasião, Mévio, com a colaboração de Caio, pratica um furto. Em outra oportunidade, Mévio, atuando sozinho, realiza um estupro e, em outro dia, fere alguém por atropelamento ao dirigir automóvel com velocidade. A Mévio serão atribuídos os delitos de homicídio doloso, furto, estupro e lesão corporal culposa, os dois primeiros cometidos em coautoria ou com participação de outrem e os dois últimos mediante autoria singular.

O concursus delictorum projeta relevância, em face da natureza que apresente, na questão do equacionamento das penas que devem ser aplicadas ao infrator da lei. Mas não é só. Tem, ainda, reflexos típicos pela sua estreita relação com o conceito de conduta e sua íntima ligação com o conflito aparente de normas penais (v. n. 24.1). Por tal razão, Magalhães Noronha observa que o concurso de delitos é um problema de dogmática do crime1359, embora tratado pelo Código no capítulo referente à aplicação da pena.

O concurso de crimes pode abranger delitos de qualquer espécie (consumados com tentados, instantâneos com permanentes, dolosos com culposos, comissivos com omissivos, qualificados com privilegiados e até crimes com contravenções) e pode ocorrer entre infrações penais idênticas (concurso homogêneo) ou diversas (concurso heterogêneo).

O concurso de delitos apresenta duas modalidades: formal (próprio ou impróprio) e material, distinguíveis em função da singularidade ou multiplicidade das ações.

22.2. Concurso formal

Configura-se o concurso formal (também chamado concurso ideal) quando os diversos crimes, atribuíveis ao mesmo agente, decorrem de única ação típica (ex uno eodemque facto).

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A singularidade da ação é que serve de medida ao concurso ideal. Mas, calha consignar, uma mesma ação, sem perder sua unidade jurídica, pode admitir fragmentação ou cisão do seu processo executivo em múltiplos e sucessivos atos (v. n. 3.3). Lado outro, há pluralidade de delitos, ressalvados os casos de crimes pluriofensivos (v. n. 2.3) ou complexos (v. n. 24.4), sempre que é atingido mais de um bem jurídico penalmente tutelado.

Se alguém subtrai de uma joalheria vinte peças diferentes de joias ou se o sujeito ativo mata a vítima com seis golpes de faca não se aperfeiçoa o concursus delictorum. Trata-se de crime único: única ação, embora decomposta em diversos atos, e só um bem jurídico penalmente tutelado atingido.

Todavia, se "A" dispara um tiro de revólver contra "B" e, transfixando seu corpo com o projétil, também atinge o circunstante "C", provocando a morte de ambos, "A" terá cometido dois crimes de homicídio (pois dois foram os bens jurídicos penalmente tutelados atingidos), um doloso (pela intenção de matar) e outro culposo (pela previsibilidade), em concurso formal (unidade da ação).

Exemplos de concurso ideal: mediante violência, o sujeito ativo pratica atos libidinosos ou mesmo mantém o congresso carnal com outrem, fazendo-o em lugar público. Nessa situação, mediante única ação (o ato sexual violento), o sujeito ativo comete dois crimes: estupro (pela violação da liberdade sexual da vítima - art. 213, CP) e ato obsceno (art. 233, CP - pelo ultraje ao pudor). Ou: o agente coloca explosivo em avião e o faz detonar em pleno voo da aeronave. Nesse caso, o sujeito ativo terá perpetrado, com única ação, tantos homicídios quantas foram as pessoas mortas. Ainda: dirigindo imprudentemente (singularidade da conduta), o motorista causa um acidente automobilístico, com mortes e lesões. Há tantos crimes de homicídio culposo e lesões culposas quantas foram as pessoas mortas e feridas. Mais: ao arremessar uma pedra contra vitrine de loja, o agente, após atingir e quebrar o vidro, atinge com o projétil, que prossegue na sua trajetória, balconista que se encontrava do outro lado: dano (art. 163, CP) e lesão culposa (art. 129, § 6º, CP) resultantes da mesma ação. Outrossim: há homicídios, em concurso formal, nas mortes de pessoas que ingeriram alimento envenenado pelo sujeito ativo, que pôs a substância letal (única ação) no caldeirão em que a alimentação era preparada. Igual: há concurso formal de roubos (art. 157, CP) quando a subtração, mediante o meio executivo que caracteriza o crime, é praticada contra vítimas distintas no mesmo contexto fático1360. Por derradeiro: "a conduta de quem, desentendendo-se

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com o guarda de trânsito, movimenta o seu veículo contra o corpo deste, que se postara à frente para impedir-lhe a fuga, obrigando-o a saltar sobre o capô para não ser atropelado, e assim passa a transitar pelas ruas da cidade, expondo-o a perigo e ao ridículo, comete, a um só tempo, os delitos dos arts. 132 e 331 do CP, em concurso...

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