Condições gerais sobre o erro de fato

AutorEdmilson Villaron Franceschinelli
Ocupação do AutorAdvogado. Ex-Promotor de Justiça e Ex-Juiz de Direito. Mestre em Direito
Páginas145-164

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1 Introdução

O erro de fato, como fundamento da ação rescisória, surgiu com o atual Código de Processo Civil. O Direito anterior não tratava da hipótese. A inovação teve inspiração no Direito italiano1. Sustenta o caput, do art. 395, do Código italiano: "Casi di revocazione. - Le sentenze pronunciate in grado d’appello (396) o in un unico grado (339), possono essere impugnate per revocazione (325, 327, 403)." Já o nº 4 do mesmo artigo estabelece: "...se la sentenza è l’effetto di un errore di fatto risultante dagli atti o documenti della causa. Vi è questo errore quando la decisione è fondata sulla supposizione di un fatto la cui verità è incontrastabilmente esclusa, oppure quando è supposta l’inesistenza di un fatto la cui verità è positivamente stabilita, e tanto nellúno quanto nell’altro caso se il fatto non costitui un punto controverso sul quale la sentenza ebbe a pronunciare (324, 327, 338)."

JJá para o Código de Processo Civil brasileiro, a sentença de mérito transitada em julgado pode ser rescindida quando fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa. Há erro quando a sentença admitir um fato inexistente ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. É indispensável que em ambos os casos não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato (art. 485, inciso IX e §§ 1º e 2º, do CPC).

Feita a comparação entre o texto da lei brasileira e o da italiana, percebe-se que a definição do erro de fato se confunde, já que o nº 4 do art. 395 expressamente estabelece que cabe a rescisória quando a

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sentença é o efeito de um erro de fato, resultado dos atos ou documentos da causa. Este erro existe quando a decisão é fundada sobre a suposição de um fato do qual a verdade é incontestavelmente excluída, ou, ainda, quando é suposta a inexistência de um fato cuja verdade é positivamente estabelecida e, em ambos os casos, se o fato não constitui um ponto controvertido sobre o qual a sentença teve de se pronunciar.

2 Do erro

Erro é, na definição de De Placido e Silva2: "Derivado do latim error, de errare (enganar-se, estar em erro, desviar-se), na técnica jurídica, entende-se a falsa concepção acerca de um fato ou de uma coisa. É, assim, a ideia contrária à verdade, podendo, pois, ser o falso tomado como verdadeiro ou o verdadeiro como falso."

O erro é matéria que também envolve outros ramos do Direito. No Código Civil brasileiro é regulado nos arts. 138 a 144 e, no Código Penal, nos arts. 20 e 21. No Direito Civil, Washington de Barros Monteiro3comenta: "Como bem observa Espínola, a doutrina do erro ainda hoje é muito complicada e objeto de várias controvérsias. Acrescenta Cunha Gonçalves que este vício é o mais frequente e o mais fácil de realizar-se, devido à insuficiência mental da grande maioria dos homens... O assunto, delicado e difícil, regula-se pelos arts. 86 a 91. Embora a Seção I traga a rubrica do erro ou ignorância, só encontramos, nesses preceitos, disposições sobre o erro. A verdade, entretanto, é que o legislador os equipara nos seus efeitos. Ignorância é o completo desconhecimento acerca de um objeto. Erro é a noção falsa a respeito desse mesmo objeto, ou de determinada pessoa. Por outras palavras, na primeira, a mente está ‘in albis’; na segunda, o que nela está regis-trado é falso. Num e noutro caso, o agente é levado a praticar o ato jurídico, que não praticaria por certo, ou praticaria em circunstâncias diversas, se estivesse devidamente esclarecido."

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No Direito Penal, E. Magalhães Noronha4 comenta: "Distinguem-se erro e ignorância, pois o primeiro é o conhecimento falso acerca de um objeto, ao passo que a ignorância é a ausência total desse conhecimento." Nota-se que o conceito de erro não varia, permanecendo o mesmo em todos os ramos do Direito.

O erro incide sobre a vontade ou o consentimento - error excludit consensum. Como bem esclarece Silvio Rodrigues5: "Se o ato jurídico é ato de vontade, e se a vontade se apresenta viciada por um engano que a adultera, permite a lei que, dados certos pressupostos, se invalide o negócio." A sentença, como todo ato jurídico, é ato de vontade do juiz e, como tal, poderá ser viciada em decorrência de erro.

No Processo Civil, o instituto do erro está arcaico, raquítico, pouco desenvolvido, se comparado com a sua evolução em outras searas do Direito. Por essa razão, será feita uma análise comparativa do erro no Processo Civil e em outras legislações, com o propósito de clarear o seu entendimento. Veja-se, por exemplo, que no Direito Civil não é qualquer espécie de erro que a lei admite como causa de anulabilidade; é mister que o erro seja substancial ou essencial e que seja escusável, o mesmo ocorrendo no Direito Penal. Será que no Direito Processual é diferente? Será mostrado que não.

3 Error in judicando e error in procedendo .

No conceito de José Naufel6: "Error in procedendo. Erro no processar ou erro de processo, que consiste na aplicação de regra de direito processual diferente da que deveria incidir, ou na não aplicação da regra incidente, por dolo processual, malícia, ignorância, desídia, ou interpretação errônea. Enquanto o error in judicando só pode ser cometido pelo juiz, o error in procedendo pode ser cometido pelo juiz e por outras pessoas, como assinala Pierro Calamandrei. Error in judicando - Erro no julgar. Diz-se do erro em que, muitas vezes, incorre o juiz ao

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aplicar a lei de direito material no processo, ou interpretando-a mal, ou erroneamente considerando-a revogada, bem como ao deixar de aplicá-la, por ignorá-la ou por entender que não incide na hipótese sub judice. O error in judicando pode consistir também na má apreciação dos fatos ou das provas. No primeiro caso enunciado temos a violação da lei em tese. No segundo, a violação da lei in hypothesi. O error in judicando, num ou noutro caso, torna injusta a sentença."

Assim, o error in procedendo, também conhecido por erro de atividade, é aquele que incide sobre o processo, é a inobservância da forma processual.

O vício de atividade, para Nelson Nery Júnior7:

"...ocorre quando o juiz desrespeita norma de procedimento provocando gravame à parte. Esta norma de procedimento é aquela determinada pelo ordenamento jurídico como um todo. Não é preciso viole o juiz texto expresso de lei para caracterizar-se o erro no procedimento; basta que descumpra a regra jurídica aplicável ao caso concreto.

O vício é de natureza formal, invalidando o ato judicial, não dizendo respeito ao conteúdo desse mesmo ato.

Não é necessário que, para verificar-se o error in procedendo, tenha-se o juiz como o único destinatário na norma processual violada. Basta que seja infringida pelo juiz, encarregado de dirigir o processo, qualquer norma procedimental.

Já se afirmou em doutrina ser o magistrado o destinatário das normas de processo. Outra posição, que se nos afigura a mais correta, coloca as regras processuais como vinculantes a todos aqueles que intervêm no processo, nada obstante haver normas que obriguem ou facultem mais diretamente a um dos sujeitos do processo. Isto porque ao direito de uma parte se contrapõe o dever de outra e vice-versa.

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Evidentemente, existem normas que, pela sua finalidade e conteúdo, ensejam, de antemão, a possibilidade de aferir-se o seu destinatário primário. É o caso, por exemplo, das regras dos arts. 125, 126, 127 e 128, do CPC, que traçam diretrizes para o comportamento do juiz no processo, onde se percebe, claramente, ser o magistrado o destinatário primeiro daquelas normas. Secundariamente, entretanto, estas mesmas regras dirigem-se às partes e aos que intervêm no processo, que têm, a um só tempo, direito a que elas sejam observadas e dever de observá-las.

Daí a razão pela qual já se disse ser praticamente impossível isolar-se completamente norma de um determinado ordenamento jurídico com a finalidade de aferir-se o seu destinatário. O erro do juiz deve ser tal que comprometa a forma ou o conteúdo dos atos do processo, interferindo na higidez da relação jurídica processual, vale dizer, acarretando normal-mente a nulidade do processo.

Compreende-se no conceito de errores in procedendo também os atos das partes, que não forem corrigidos pelo juiz. Com a omissão do magistrado em corrigir o ato errôneo da parte, assume ele a posição de coautor da violação à regra de procedimento, ensejando, assim, a interposição de recurso, se dessa omissão advier gravame à parte contrária. Isto é correto na medida em que os erros no procedimento podem verificar-se tanto no curso do processo quanto na própria sentença."

O error in procedendo implica a inobservância da forma no processo, sendo sua consequência a nulidade processual. Também para o último jurista aqui citado, o error in procedendo acarreta ou causa a nulidade processual. Trata-se de erro de forma (art. 250 do CPC). O importante não é o erro, mas a forma, tanto que não se argúi o error in judicando, mas a nulidade que ele produz no processo.

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As nulidades passíveis de serem arguidas, no prazo e forma da lei, já foram discutidas no capítulo II. O capítulo III tratou das nulidades e da coisa julgada material, e, a ação rescisória como instrumento de declaração das nulidades, foi analisada no capítulo IV.

Já o Error in judicando, também conhecido por erro de juízo, é o erro no julgamento do mérito da ação ou de algum incidente processual. Consiste, segundo Betti, autor italiano citado pelo já mencionado Nelson Nery Júnior8:

"...em um erro na declaração dos efeitos jurídicos substanciais e processuais: erro pelo qual o juiz desconhece efeitos jurídicos que a lei determina para a espécie em julgamento ou, ao contrário, reconhece existentes efeitos jurídicos diversos daqueles.

O vício é de natureza...

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