Condutas vedadas - representações

AutorAmaury Silva
Ocupação do AutorJuiz Eleitoral no Estado de Minas Gerais. Professor na área jurídica - Graduação e Pós-Graduação
Páginas177-213

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As condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais são restrições impostas pela lei eleitoral (arts. 73 e seguintes da Lei 9.504/97) a todo aquele que, sendo candidato ou não, beneficiar-se da prerrogativa do vínculo com a Administração Pública (governo) para fins de vantagem ou proveito em eleições, afetando a igualdade de oportunidades entre os candidatos. Trata-se assim de um mecanismo que visa a inibir o tão conhecido e nefasto uso da máquina pública ou máquina administrativa em desvio de finalidade, para obtenção de dividendo político-eleitoral.

Funciona também como contenção aos efeitos deletérios do instituto da reeleição. A expressão tendência ao desequilíbrio ou afetação à igualdade de oportunidade entre os concorrentes não exige necessariamente que a partir do ato ou conduta praticada se perceba de modo real e objetivo tal constatação. Basta simplesmente que a atitude discutida tenha essa probabilidade, criando um cenário de prestígio eleitoral para a captação de votos, sem a qual não ocorreria com essa aptidão.

O destinatário das proibições é todo aquele que mantiver com a Administração Pública direta, indireta ou fundacional a qualidade de ator público, conforme consagrado no art. 73, § 1º, Lei 9.504/97. Com um conceito amplo do servidor ou agente público, cria-se um interessante arcabouço de proteção à lisura e isonomia nas eleições, envolvendo desde o Presidente da República, Governadores e Prefeitos, como Parlamentares e um Chefe de Setor.

9. 1 Condutas vedadas Análise das proibições

1ª Hipótese

Cessão ou uso de bens públicos

Esse comportamento é taxativamente defeso, quando voltado ao benefício ou vantagem de partido político, candidato ou coligação,

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ainda que realizado por interposta pessoa - art. 73, I, Lei 9.504/73. A exceção cabível é a utilização em prol e em razão da realização de convenção partidária; por exemplo, pode ser cedido o espaço da sede das Câmaras de Vereadores, escolas ou outros locais considerados como bens públicos para a congregação partidária (vide art. 8º, § 2º, Lei 9.504/97).

O acervo patrimonial tutelado envolve os bens da Administração Pública direta e indireta, fundacional, autárquica, das empresas públicas e de economia vista, eis que seu escopo é o atendimento a uma finalidade coletiva que não se confunde com a adesão política a grupos ou pessoas. Nesse aspecto, há uma ratificação da intromissão indevida desses entes públicos nas campanhas eleitorais, conforme proibição do art. 24, II, Lei 9.504/97, isto é, não podem ser financiadores de campanhas eleitorais, o que seria alcançado pela doação ou cessão estimável em dinheiro.

2ª Hipótese

Uso de materiais ou serviços pagos pelo poder público além dos limites regimentais

Os gastos com despesas correntes referentes a materiais e serviços para se alcançar a finalidade pública de determinado segmento da administração devem ser mantidos nos patamares históricos. Contudo, o ilícito ocorrerá apenas se a regulamentação específica dos níveis e parâmetros qualitativos ou quantitativos dos gastos forem extrapolados e for constatado o objetivo eleitoral para auxílio ou colaboração com partido, coligação ou candidato - art. 73, II, Lei 9.504/97.

Havendo um justificado aumento da demanda na utilização daqueles itens, não se pode falar em ocorrência da conduta vedada, o que se refere, como exemplo, o aumento em ligações telefônicas ou despesas com energia e água de determinado órgão público se em ano eleitoral enfrentou problemas para atendimento à população em virtude de inundação ou seca.

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O importante para se definir sobre a regularidade ou não da conduta é aferir se houve desvio de finalidade do ato administrativo.

3ª Hipótese

Cessão de servidores para campanha eleitoral

Inconcebível que a mão de obra ou apoio dos servidores públicos sejam aproveitados para fins eleitorais. Com isso, a sua utilização em horário de expediente normal em benefício de candidato, partido ou coligação é comportando nocivo à democracia, desequilibrando a disputa, pois cria uma estrutura extremamente favorável àquele que detém o mando sob a Administração Pública na gestão contemporânea aos acontecimentos - art. 73, III, Lei 9.504/97.

Ressalta-se que não haverá o desvirtuamento se o servidor estiver licenciado ou mesmo em férias, podendo assim atuar em prol do candidato ou campanha de sua preferência, pois nessa hipótese constituiria um cerceio indevido à sua liberdade de opção e de postura.

A norma não se dirige apenas aos servidores públicos no sentido estrito, mas a todo aquele que tiver o vínculo com o Poder Público, envolvendo aqueles contratados excepcionalmente por prazo deter-minado para atender a relevante interesse público ou os terceirizados.

E os servidores públicos do Legislativo, Judiciário, Tribunais de Contas e Ministério Público podem ser cedidos para campanha eleitoral?

A norma restritiva fala tão somente em servidores e empregados do Poder Executivo.

A interpretação teleológica pode evitar o absurdo da aplicação débil da norma de alto significado para a normalidade do pleito eleitoral. Ora, o objetivo do legislador foi tecer uma camada de proteção à tomada ou invasão da estrutura pública para ser utilizada em eleições. A rigor,

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intenta-se levar a cabo uma distinção e impermeabilidade entre o que seja Administração Pública e interesse eleitoral, o que lamentavelmente no Brasil não se apregoa.

Com isso, nos mesmos patamares de restrição devem estar os servidores ou empregados dos Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário, e ainda dos Tribunais de Contas e Ministério Público, pois são órgãos públicos voltados ao atendimento de demandas da coletividade.

Todavia, a jurisprudência já sinalizou pela impossibilidade de se impor a proibição a servidor do Legislativo, como se percebe da ementa referente a julgamento pelo TRE mineiro:

"RE - RECURSO ELEITORAL nº 6365 - Santa Cruz de Minas/MG Acórdão de 17/09/2009

Relator(a) MARIA FERNANDA PIRES DE CARVALHO PEREIRA Publicação:

DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico - TER/MG, Data 02/10/2009 Ementa:

Recursos Eleitorais. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Conduta vedada aos agentes públicos em campanha. Improcedência. Eleições 2008. Preliminar de licitude da prova gravada. Acolhida. Filmagens realizadas por um dos interlocutores, ou com seu consentimento, dentro de órgão público e diante de diversas pessoas. Abrandamento do direito fundamental à intimidade. Precedentes. Licitude da mídia filmada e juntada como prova. Mérito. Captação ilícita de sufrágio. Distribuição de senhas para consultas médicas no Sistema Único de Saúde (SUS) em troca de votos. Ausência de provas quanto ao pedido de votos. Condutas vedadas aos agentes públicos em campanha. Art. 73, I, III e IV da Lei nº. 9504/97. Cessão e uso de bem público em favor de candidatura. Ausência de provas. Servidor público ou empregado do Poder Executivo cedido em horário de expediente para atuar em campanha eleitoral. Empregada pertencente ao Poder Legislativo. Não-incidência da restrição do art. 73,

III. Distribuição de senhas para consultas médicas no Sistema Único de Saúde em troca de votos. Prática existente desde 2005. Finalidade eleitoral não comprovada. Recursos a que se nega provimento.

Decisão: O Tribunal, à unanimidade, negou provimento ao recurso." (www.tse.jus.br/jurisprudencia).

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A própria temperança da norma sinaliza para a sua aplicação racional e em prestígio de seu elevado valor ético. Se o assessor de um parlamentar deseja participar da sua campanha eleitoral para reeleição, o que se afigura como legítimo interesse, que o faça fora do horário normal de expediente, ou quando em férias ou licença. O que se visualiza como uma indevida justaposição de interesses é o servidor remunerado pelos cofres públicos, para fim determinado, ser aproveitado em projetos eleitorais.

4ª Hipótese

Uso promocional de distribuição gratuita de bens ou serviços

Os programas ou medidas de índole social que impliquem na distribuição gratuita à população necessitada de bens ou serviços, quer sejam custeados no todo ou subvencionados pelo poder público, não podem ser no período eleitoral utilizados de maneira promocional para subsidiar coligação, partido ou candidato - art. 73, IV e §§ 10 e 11, Lei 9.504/97.

Nota-se que não pode ocorrer cessação no atendimento social à população, sendo proibido o uso promocional e eleitoral. Necessário destacar que no ano eleitoral é proibido o incremento da atuação social, ressalvando-se os casos de calamidade pública, estado de emergência ou programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, ocorrendo a fiscalização do Ministério Público sobre a execução financeira e administrativa dos respectivos projetos.

É essa a norma do art. 73, § 10, Lei 9.504/97, introduzida pela Lei 11.300/2006. Resta assim proibida a própria doação de bens, valores ou benefícios de ordem social em ano eleitoral, salvo as exceções já nominadas.

O art. 73, § 11º, Lei 9.504/97, regra introduzida pela Lei 12.034/2009, determina, por sua vez, que os mencionados programas

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sociais em ano eleitoral sejam executados por entidade que nominal-mente se vincule a candidato ou que seja por ele mantida, fechando-se assim um círculo de proteção à tentativa permanente de se utilizar a política paternalista, sobretudo em convencimento aos eleitores de camadas mais pobres da população, de que é o personalismo de A ou B que traz determinada vantagem ou benefício, e...

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