A Conferência de Estocolmo como ponto de partida para a proteção internacional do meio ambiente

AutorPriscilla Nogueira Calmon de Passos
Páginas2-25

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Introdução

Os problemas ambientais, além de outros fatores, como a revolução da informação e a globalização econômica, contribuíram consideravelmente para a alteração das prioridades nas relações internacionais.1

Tem-se presenciado, ao longo do tempo, inúmeras situações e fatos reveladores da vulnerabilidade do meio ambiente, que fazem com que seja necessário não apenas adotar postura crítica para sua defesa, mas também promover a educação voltada ao respeito à natureza, ao meio ambiente e à garantia de atendimento das necessidades das futuras gerações.

Vale dizer, a preocupação com a degradação ambiental não é recente. Muitos fatores em contextos históricos diversos contribuíram para a caracterização da problemática ambiental como um aspecto global. A constatação da finitude dos recursos do planeta foi para alguns a imagem que mudou consideravelmente a maneira pela qual a humanidade começava a perceber e reconhecer os limites do planeta em que habitava.

O reconhecimento da fragilidade do planeta Terra contribuiu para privilegiar um enfoque mundial dos problemas relativos ao meio ambiente. Com isso, várias instituições foram criadas, e, sobretudo, uma dinâmica transnacional nova emergiu, cujas consequências políticas somente se tornaram claras no decorrer dos anos.

Caminhava-se, portanto, em direção a uma concepção que zelasse pela proteção de valores considerados prioritários, ou seja, que escapassem ao âmbito dos interesses restritos de determinado Estado, para servirem de parâmetro no seio de toda a comunidade internacional.

Tendo em vista essa nova perspectiva da comunidade internacional, que começa a raciocinar sobre instrumentos jurídicos passíveis de preservar valores reputados como prevalentes no conjunto de toda a humanidade, pretende-se lançar luzes sobre a primeira grande iniciativa de proteção ao meio ambiente internacional: a Conferência das Nações Page 3 Unidas sobre Meio Ambiente Humano, também denominada de Conferência de Estocolmo, ocorrida em 1972.

1 Os antecessores da Conferência de Estocolmo

De acordo com muitos estudos e análises que são realizados cotidianamente por inúmeras instituições, afirma-se a consciência sobre o planeta, a fim de garantir a sobrevivência do ecossistema global e da própria espécie humana.

Sob essa perspectiva, a proteção do meio ambiente torna-se uma das bases que fundamentam a nova ordem internacional, justificada esta notável preocupação pelos riscos ambientais que se tem presenciado. Contudo, a preocupação com os problemas ambientais envolve tanto países desenvolvidos como os em desenvolvimento, decorrendo daí a necessidade de cooperação entre as Nações para a criação de um Direito Ambiental Internacional.

É importante demonstrar, portanto, quais fatos motivaram a criação desse novo ramo do Direito, fazendo despertar uma nova consciência em toda a sociedade mundial. A propósito, o autor Geraldo Ferreira LANFREDI ressalta alguns: primeiro, a água, pois enquanto recurso esgotável, em breve será objeto de grandes disputas entre os Estados; em segundo, o ar, pois pelo fato de ser cada vez mais poluído e contaminado, representa um grande perigo no que diz respeito ao efeito estufa, causador do exagerado aquecimento global, apto por si só a causar uma série de doenças e inundações, catástrofes que já estão sendo comprovadas pela imprensa mundial; em terceiro lugar, o solo, que mesmo com sua especial influência no clima e na vegetação, tem sido entregue a formas severas de deterioração; em quarto lugar a fauna, caracterizada pela falta de proteção aos animais; e em quinto e último lugar, o autor trata do problema do desmatamento das florestas, responsáveis pelo equilíbrio do clima2.

Essa constatação, de que os recursos naturais são necessários para a satisfação das necessidades humanas, na mesma proporção em que também sofrem os custos decorrentes desta utilização, reflete o posicionamento de Daniel Rocha CORRÊA, o qual afirma que "a preocupação ambiental passou a constituir fonte de questionamento dos modelos tradicionais de desenvolvimento3", trazendo à tona no cenário mundial uma preocupação com a possibilidade de extinção da vida, inclusive humana, na Terra.

É inegável, ainda, que se vive uma intensa crise ambiental, decorrente do modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade contemporânea, mais especificamente após a Revolução Industrial, bem como da concepção de progresso que hoje prevalece, segundo a qual o homem deve dominar a natureza, o que acarreta uma exploração Page 4 incontrolada dos recursos naturais, aliada ao crescimento acelerado dos centros urbanos e às formas de gestão econômica das sociedades.

Nesse contexto, os problemas ambientais, além de outros fatores, como a revolução da informação e a globalização econômica, contribuíram consideravelmente para a alteração das prioridades nas relações internacionais. Costumava-se viver sob uma grande nuvem de desesperança em relação ao meio ambiente planetário, eis que, segundo Jefferson Marçal da ROCHA, "os interesses da preservação ambiental são deixados em segundo plano, quando as decisões requerem investimentos e/ou envolvem perdas financeiras4", pesando sobre esta lógica o viés predominante econômicofinanceiro.

No entendimento de Jefferson Marçal da ROCHA, há também, como "agravante à globalização, o papel do mercado mundial, que submete os Estados nacionais a uma lógica econômico-financeira inerente aos interesses nacionais5", debilitando, cada vez mais, o poder desses Estados de gerirem seu próprio meio ambiente.

Além disso, todo o processo capitalista, ao mesmo tempo em que contribui para o aumento da pobreza e a diferenciação social, também aprofunda o acesso desigual aos recursos naturais. Vale dizer, as melhoras ambientais resultantes do uso de tecnologias cada vez mais sofisticadas, são melhoras para um número restrito de pessoas e/ou países, afinal, essas tecnologias são controladas de maneira elitista pelas corporações transnacionais que, de uma forma ou de outra, dirigem os institutos e laboratórios de investigação. Disto decorre o fato de que as crianças das futuras gerações terão cada vez menos chances de encontrar o meio ambiente vivenciado por seus pais e avós6.

O autor Jefferson Marçal da ROCHA chama a atenção para a influência da ação do homem em relação ao meio ambiente e a si mesmo, no processo de utilização da natureza, podendo, inclusive, definir o futuro dos recursos naturais de cada região e do planeta. Sendo assim, o autor alega que, por todos os dados e informações a que se tem acesso atualmente, pode-se afirmar que a problemática ambiental da atualidade seja reflexo da relação histórica entre sociedades humanas e a natureza7.

É dizer que, portanto, que durante a história recente da humanidade, inúmeros fatos graves ocorreram, sem precedentes, alguns tão importantes que mudaram o rumo da vida na Terra. Resultado da intervenção humana pela busca de um desmedido desenvolvimento industrial, tais fatos alertaram a sociedade global acerca dos efeitos que os ataques ao meio ambiente podiam produzir. Contudo, esse estado de alerta só se fez sentir a partir da constatação de mudanças no meio ambiente mundial, como no caso da ocorrência das chuvas ácidas, do efeito estufa e do buraco na camada de ozônio.

Além disso, há mais de um quarto de século os problemas ambientais não se concentram exclusivamente em esferas locais e regionais, ou seja, são agora Page 5 considerados questões internacionais que passaram a fazer parte da agenda política das nações8.

Resta claro, portanto, que as primeiras preocupações com o meio ambiente derivaram de certas situações emergenciais, relacionadas a eventos da natureza ocorridos em meados do século XX. De acordo com Gisele Ferreira de ARAÚJO,

destas preocupações emergiram algumas legislações internas dos Estados regulamentando questões como o aumento de rejeitos industriais e hospitalares decorrente do aumento do contingente populacional nas concentrações urbanas, e também questões de âmbito internacional, como a regulamentação dos rios internacionais.

A autora ainda assinala o ano de 1960, como "o ponto de partida de uma nova postura em relação às questões ambientais e à visão do meio ambiente como valor complexo a ser protegido do ponto de vista internacional9".

A partir de então, alguns temas podem ser apontados como matérias relevantes, como é o caso da regulamentação de materiais tóxicos, proteção à fauna, à flora e à biodiversidade, espaços marítimos internacionais, atmosfera, clima e proteção da camada de ozônio, proteção do patrimônio cultural, responsabilidade internacional e reparação de danos ambientais10.

Questões como a poluição transfronteiriça, tanto das águas como da atmosfera, a crescente poluição dos oceanos durante as lavagens de navios, a poluição decorrente das atividades industriais pelos resíduos tóxicos e, também, a poluição decorrente dos rejeitos sanitários carregados pelas águas doces11, igualmente tornaram emergente o estudo e a normatização do Direito Internacional do Meio Ambiente.

1. 1 O início da construção de mecanismos de proteção do meio ambiente

Apesar da constatação daqueles fatores, a reação dos organismos internacionais quanto à necessidade de criação de políticas de proteção ao meio ambiente não foi imediata. Entretanto, muitas vozes já se ouviam a respeito dos desastres ambientais, alertando o mundo sobre o perigo que o desenvolvimento econômico sem proporções pode acarretar. Page 6

O primeiro passo para o despertar...

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