A Conferência de Estocolmo como ponto de partida: efetivação dos direitos fundamentais na concretização do estado democrático de direito

AutorRodrigo Lanzi; Larissa Benez Laraya
Páginas5-19

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1 Introdução

A Constituição Federal consagrou em seu núcleo intangível de direitos fundamentais o princípio da inafastabilidade da jurisdição buscando assim garantir o amplo acesso à Justiça (em seus aspectos formal e material), otimizando a prestação da tutela jurisdicional com o fito de fortalecer a estrutura do Estado Democrático de Direito do país, que depende não só de procedimentos legislativos e eleitorais, mas, principalmente, dos judiciais para a sua realização, de certa forma, devido ao constante deslocamento de decisões políticas para o Poder Judiciário123.

No entanto, apenas garantir que a lei não exclua da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito não se mostrou suficiente. A morosidade na entrega da tutela jurisdicional revelou-se um problema a ser superado, pois o processo como instrumento de pacificação social deveria ser capaz de produzir resultados efetivos na vida dos jurisdicionados, dentro de um prazo razoável, e sempre buscando preservar a segurança jurídica.

Assim, com a Emenda Constitucional nº 45/2004 introduziu-se, expressamente, no rol dos direitos e garantias fundamentais, o princípio da razoável duração do processo judicial e administrativo, bem como os meios que garantam a celeridade da tramitação.

Como norma de direito fundamental de aplicabilidade imediata, referido princípio constitucional vincula o Estado - Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário -, na consecução do seu objetivo primordial, tornar o processo mais célere e eficaz. Imbuído neste mister, o legislador pátrio modificou o ordenamento, simplificando procedimentos e introduzindo novas técnicas processuais para aperfeiçoar a prestação da tutela jurisdicional. No entanto, indaga-se: Essas modificações legislativas por si só foram suficientes? Propiciaram a tão almejada entregada efetiva da tutela jurisdicional pelo Estado? Os direitos fundamentais, principalmente os princípios constitucionais, estão Page 6 sendo respeitados pelos operadores do direito e pelo Estado na consecução do Estado Democrático de Direito?

Desta forma, são essas as indagações que se buscará responder no decorrer do presente trabalho, analisando como a vinculação dos Poderes Públicos na efetivação dos direitos fundamentais, em especial os que rezam sobre os princípios da inafastabilidade da jurisdição e o da razoável duração dos processos judicial e administrativo, que visam defender os demais direitos violados ou ameaçados de violação de forma efetiva e em tempo hábil, contribuem na construção da democracia, e, consequentemente, no desenvolvimento e fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

2 Direitos fundamentais: breve análise sobre os princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e da razoável duração do processo

Os direitos fundamentais constituem elementos fundantes da Constituição, surgindo não somente para regular o Texto Maior, mas, também, todo o sistema normativo de um país, possuindo como escopo o cumprimento dos princípios fundamentais expressos em seus artigos 1º a 4º, em especial, no que concerne ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Dentre as características principais dos direitos fundamentais, pode-se enaltecer o fato de possuírem, em sua maioria, uma alta carga de eficácia, com a previsão, inclusive, de aplicabilidade imediata e vinculação direta dos entes públicos (artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal), bem como pela impossibilidade de serem abolidos pelo constituinte derivado (artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição Federal), o que os diferencia das demais normas constitucionais.

Essa aplicabilidade imediata das normas de direito fundamental possui o condão de vincular de forma direta o Poder Público na sua concretização, seja na criação de leis (Poder Legislativo), na aplicação ao caso concreto pelo magistrado (Poder Judiciário) ou pelos próprios responsáveis pela administração pública (Poder Executivo).

Com a implantação dessa aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais nos textos constitucionais foi, definitivamente, reconhecido o seu caráter normativo, superando aquela antiga concepção de que as normas constitucionais dependiam de posterior criação de leis ordinárias para serem eficazes.

Segundo lição de Paulo Henrique dos Santos Lucon:

[...] nas ciências jurídicas, os princípios tem a grande responsabilidade de organizar o sistema e atuar como elo de ligação de todo o conhecimento jurídico com finalidade de atingir resultados eleitos; por isso, são também normas jurídicas, mas de natureza anterior e hierarquicamente superior as 'normas comuns' (ou de 'normas não principais')4. Page 7

A seu turno, Lucia Valle Figueiredo, ensina que os princípios são: "[...] normas gerais, abstratas, não necessariamente positivadas expressamente, porém às quais todo ordenamento jurídico, que se construa, com a finalidade de ser um Estado Democrático de Direito, em sentido material deve respeito"5.

Vale ainda destacar a definição de princípio concebida por Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, para quem constitui:

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à tônica e lhe dá sentido harmônico 6 .

Assim, em uma breve análise verifica-se que os critérios utilizados para conceituação dos princípios podem ser um tanto quanto diferentes, porém, não há divergência num aspecto, qual seja, o de que os princípios constituem a base do ordenamento jurídico, e, neste caso, por possuírem caráter fundamental, têm aplicabilidade imediata e vinculam diretamente o Poder Público.

Paulo Gustavo Gonet Branco entende que:

O fato de os direitos fundamentais estarem previstos na Constituição torna-os parâmetros de organização e de limitação dos poderes constituídos. A constitucionalização dos direitos fundamentais impede que sejam considerados meras autolimitações dos poderes constituídos - dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário -, passíveis de serem alteradas ou suprimidas ao talante destes. Nenhum desses Poderes se confunde com o poder que consagra o direito fundamental, que lhe é superior. Os atos dos poderes constituídos devem conformidade aos direitos fundamentais e se expõem à invalidade se os desprezarem 7 .

No entanto, para o presente trabalho, revela-se de maior importância considerar as normas de direito fundamental de caráter processual, em especial as que rezam sobre a efetividade e celeridade da tutela jurisdicional, consubstanciadas nos princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e no da razoável duração do processo (artigo 5º, inciso XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal), constituindo os mesmos em verdadeiros mandamentos de otimização8 e, dessa forma, irradiando os seus efeitos Page 8 para todo o ordenamento jurídico, seja na utilização, no plano concreto, pelo magistrado, como pelo legislador no plano abstrato.

O princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição é decorrente do princípio do devido processo legal e não garante só o acesso à Justiça, como também à ordem jurídica justa, convergindo numa somatória de outras normas constitucionais, como a da garantia da igualdade, da publicidade dos atos processuais, da imparcialidade do juiz, do contraditório, da ampla defesa, da razoável duração do processo, dentre outros, que visam garantir às partes a efetiva entrega da tutela jurisdicional.

Kazuo Watanabe destacou que:

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inc. XXXV do art. 5º da CF, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, certamente, está ainda muito distante de ser concretizado, e, pela falibilidade do ser humano, seguramente jamais o atingiremos em sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução 9 .

Assim, verifica-se claramente que o alcance deste direito fundamental é maior do que simplesmente assegurar ao jurisdicionado o acesso formal ao Poder Judiciário - prestação jurisdicional -, pois referida garantia constitucional compreende na efetiva entrega da tutela jurisdicional, que corresponde na solução útil e eficaz para o conflito de interesse (acesso material).

Desta forma, para que a entrega da tutela jurisdicional seja realmente efetiva, deve-se pensar num processo adequado, eficaz e célere, um instrumento de resultado, que não seja um fim em si mesmo, mas capaz de satisfatoriamente atender à pretensão de direito substancial da parte.

Nesse sentido, convêm colacionar os ensinamentos de Nelson Nery Junior que denomina o princípio da inafastabilidade da jurisdição de princípio constitucional de direito de ação, senão vejamos:

Pelo princípio constitucional do direito de ação, todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a 'tutela jurisdicional adequada'. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja a 'adequada', sem o que estaria vazio de sentido o princípio10. Page 9

Assim, somente se pode falar em tutela adequada se esta for prestada a quem possua o direito material e em um tempo razoável.

José Roberto dos Santos Bedaque ensina que a garantia de acesso à...

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