Conflitos coletivos

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Páginas242-251

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Neste capítulo, antes de adentrarmos no estudo propriamente das questões que o envolvem, é preciso fazer a observação que, com esta denominação, conflitos coletivos, encontramos quem trate de diversas questões ao mesmo tempo.

Como afirma Antonio Ojeda Avilés, habitualmente se considera como mesmo fenômeno o conflito e as manifestações de conflito. O autor, a propósito, dá como exemplo a greve que é considerada como o conflito por excelência1.

Neste sentido, observe-se Octavio Bueno Magano, que denomina a greve e o lockout, entre outras medidas de ação sindical direta, como “conflitos coletivos stricto sensu2, bem como Ernesto Krotoschin que afirma que as medidas de ação direta “pertenecen al conflicto colectivo laboral como posibles derivaciones de este”3.

Observe-se, porém, que nem sempre há diversidade de tratamento do assunto, mas, somente, enfoques diversos, o que, entretanto, impõe que se disponha, desde já, sobre o que será objeto desta parte do estudo.

Esta questão, a propósito, da diversidade dos enfoques pode ser observada com o próprio Avilés que, quando trata da greve, na exemplificação feita acima, diz que ela “en realidad se utiliza para resolver la disputa”4, dando a entender que a considera meio de solução de conflitos, em visão que é esposada por outros autores, como veremos no momento oportuno, e que não adotamos.

Nestes termos, deve ficar esclarecido, desde já que, para os fins deste livro, dividimos em partes distintas o conflito, seus meios de solução e os meios de ação sindical direta, muito embora, como é óbvio e será demonstrado, guardem eles íntima relação entre si, assim como os interesses que lhes dão origem.

Conceito, denominação e objeto

Verificamos no capítulo anterior que os interesses são o elo do homem com os bens da vida e que, em certos casos, são eles tutelados pelo Direito, passando a constituir interesses jurídicos.

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Estes interesses, entretanto, especialmente em ambiente de escassez de recursos, não se ajustam com perfeição, com sua divisão entre as pessoas ocorrendo sem que um se sobreponha a outro. Isto é ainda mais verdadeiro quando se verificam as relações entre trabalhadores, em sentido amplo, e tomadores de serviços, quando há antagonismo insuperável, decorrente dos interesses totalmente opostos que têm uns e outros.

É comum, então, a ocorrência de choques de interesses, quando eles são contrários ou quando, como diz Humberto Theodoro Júnior, “mais de um sujeito procura usufruir o mesmo bem”5. Nestes casos temos o que se denomina conflito de interesses que, para Amauri Mascaro Nascimento, importa na “contraposição de interesses entre duas ou mais pessoas”6 e, para Antonio Ojeda Avilés, significa “una situación de discrepancia entre partes de una relación”7.

Esta contraposição de interesses, usando a expressão formulada por Mascaro, não resta sempre indefinida, entretanto, sendo o normal que as partes, ou uma delas, tomem a iniciativa de solucioná-la, pelos meios postos à disposição, sobre o que falaremos no capítulo seguinte.

Podem ser identificados, então, dois momentos distintos, do ponto de vista da atuação das partes em um conflito de interesses: o primeiro, em que surge o desajuste de interesses e, o segundo, em que elas se voltam para pôr fim a este desajuste.

Alguns autores, considerando estes momentos distintos, pretendem que recebam eles denominações também distintas, principalmente quando se trata de conflitos trabalhistas. É o caso de Mascaro, para quem o primeiro momento deve ser denominado de conflito e, o segundo, de controvérsia, que: “Seria o conflito em fase de procedimento, judicial ou não, de solução”8. Assim ainda Avilés, para quem a controvérsia “es el conflicto externamente manifestado”9.

E não é só isto, pois fazem os autores, ainda, diferenciação entre conflito e controvérsia com dissídio, que é, de novo, segundo Mascaro, “o procedimento de solução do conflito perante a jurisdição”10, ou seja, uma hipótese específica do que entendem os autores por controvérsia.

Magano, tratando da matéria, diz que a distinção tem a utilidade de particularizar situações diversas, aduzindo, ainda, que conflito é “a palavra genérica que compreende todas as situações”11.

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Em sentido contrário, o pensamento de Alfredo J. Ruprecht que, tratando dos vocábulos conflito e controvérsia, afirma que: “A distinção é artificial e, na realidade, os dois termos devem ter o mesmo significado; não há razão para que seja necessária ou conveniente a denominação diferente”, citando, em abono de sua tese, o magistério de Mário de La Cueva12.

Embora, como já afirmamos anteriormente, possamos admitir a validade da distinção entre conflito e controvérsia13, neste livro usamos o vocábulo conflito, como diz Magano, citado acima, de forma genérica.

Evitamos fazer isto, porém, no mais das vezes, quanto ao dissídio, pois esta palavra tem, de fato, o condão de sugerir, na sua utilização, que o conflito está submetido à solução jurisdicional, sendo, por si só, suficiente para situar o leitor na situação que se está tratando, o que, neste caso, não acontece quando se usa, genericamente, a palavra conflito.

Feitas estas considerações e, com base nas distinções estabelecidas, a respeito dos interesses, no capítulo anterior, é possível dividir os conflitos de diversas formas.

O que nos interessa, porém, neste ponto, é fazer a distinção entre conflitos individuais e coletivos, além de definir o que são conflitos coletivos de trabalho, deixando a classificação para o próximo item, especificamente destes, os conflitos coletivos de trabalho.

A primeira tarefa pode parecer óbvia e despida de maiores dificuldades, pois, aparentemente, basta afirmar que conflitos individuais são os que se estabelecem em cima de interesses individuais e, coletivos, os que se estabelecem em torno de interesses coletivos.

Sim, contanto que não se tenham dúvidas sobre quais interesses devem ser classificados como coletivos e quais devem ser classificados como individuais.

Antes da edição da Lei n. 8.078, de 1990, afirmava-se que eram coletivos, sob o prisma do interesse, os conflitos que versavam sobre interesses metaindividuais e, individuais, os que tratavam de interesses individuais, ainda que plúrimos14.

Ocorre que, a partir do Código de Defesa do Consumidor, os interesses individuais homogêneos, considerados aqueles com origem comum, passaram, como vimos, a ser considerados, para fins de defesa, como coletivos. Neste sentido, quem, como nós, defende serem estes interesses coletivos, há de defender, da mesma forma, que os conflitos gerados a partir deles são, também, coletivos15.

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Conflitos coletivos, então, são os que envolvem interesses coletivos em sentido amplo, nele compreendidos os interesses difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.

Em sentido contrário o pensamento de Mozart Victor Russomano, que continua a defender que os conflitos individuais se dividem em duas categorias, os singulares e os plúrimos16. Entendemos que estes últimos confundem-se, nitidamente, com os individuais homogêneos e, por isto, os deslocamos para outro tipo de interesses, os coletivos17.

Definidos os conflitos coletivos, podemos, agora, ver quando devem ser tidos como de trabalho.

Magano os define como “divergência entre grupo de trabalhadores, de um lado, e empregador, ou grupo de empregadores, de outro lado, tendo por objeto a realização de um interesse do grupo, ou dos membros que o compõem, considerados estes não uti singuli mas uti universi18.

Não divergimos desta definição, oferecida em 1990, possivelmente antes da Lei n. 8.078, apenas ela, entendida literalmente, deixa de fora hipóteses que configuram conflitos coletivos de trabalho.

Observe-se, em primeiro lugar que, de dentro da relação entre trabalhadores e empregadores, os primeiros, pelo menos, coletivamente considerados, podem surgir conflitos coletivos que não configurem divergência entre os sujeitos da relação capital-trabalho ou, pelo menos, apenas entre estes.

Para que isto aconteça, basta que os interesses lesados sejam difusos.

Tome-se, como exemplo, ajuste informal e à margem da lei, de trabalhadores e empregadores, para que os primeiros simulem greve em atividade que tem...

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