Conflitos de competência tributária entre o ISS, ICMS e IPI

AutorRicardo Anderle
Ocupação do AutorDoutor em Direito Tributário pela PUC/SP
Páginas119-196
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CONFLITOS DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
ENTRE O ISS, ICMS E IPI
3.1 Conflitos de competência tributária entre impostos
3.1.1 Conflito de competência, de leis ou de incidência?
No exercício das funções de criar, regulamentar, fiscalizar ou
cobrar tributos, o ente político ou a autoridade fazendária sujei-
tam-se a uma eventual invasão de competência, o que se denomi-
nou corriqueiramente de conflito de competência tributária.
Novamente aqui o problema da imprecisão terminológica da
expressão que se pretende usar: conflito de competência, conflito de
leis ou conflito de incidência?
Ao definir conflito de competência como “a circunstância de
dois sujeitos se julgarem competentes para gravar um mesmo fato
qualificado numa competência privativa ou exclusiva”, Tácio Lacer-
da Gama sugere a expressão “conflito de incidências tributárias”.
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277. GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: Fundamentos para uma teoria
da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 235.
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RICARDO ANDERLE
Outros autores
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também refutam o uso da expressão con-
flito de competência, sob o argumento de que a Constituição
delineou perfeitamente a parcela de poder atribuída a cada
ente político para criar tributos e sugerem a expressão conflito
de leis, por considerá-la mais consentânea com o problema da
invasão de competência. Segundo essa inteligência, se a Cons-
tituição Federal repartiu com rigor e precisão as competências
tributárias, não haveria possibilidade, no plano lógico-jurídico,
de ocorrer conflitos de competência, pois o que se tem é a difi-
culdade de interpretar a Constituição. Quando a Constituição
refere, no art. 146, inciso I, a finalidade de lei complementar
para dispor sobre “conflitos de competência em matéria tribu-
tária”, deve-se entender essa expressão como conflitos de leis.
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A impossibilidade lógica dos conflitos de competência é
entendimento advogado por Geraldo Ataliba e Cleber Giardino,
passando por Roque Carrazza, Marçal Justen Filho e Tácio La-
cerda Gama: todos tratam do assunto adjetivando o substantivo
conflito com palavras tendentes a infirmar a sua real existên-
cia, como aparentes ou pretensos (conflitos de competência).
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278. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São
Paulo: Malheiros, 2011, p. 1036. ATALIBA, Geraldo; CARRAZZA, Roque; BARRE-
TO, Aires Fernandino; GIARDINO, Cléber. Conflitos entre ICM, ISS e IPI. Revista
de Direito Tributário. São Paulo, v. 7-8, ano III, p. 105-131, 1979, passim. VIEIRA,
José Roberto. IPI x ICMS e ISS: Conflitos de Competência ou Sedução das Aparên-
cias? In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal (org.). Tributa-
ção do Setor Industrial. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1, p. 55. COELHO, Sacha Cal-
mon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário. 7 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1998, p. 86.
279. ATALIBA, Geraldo; CARRAZZA, Roque; BARRETO, Aires Fernandino; GIAR-
DINO, Cléber. Conflitos entre ICM, ISS e IPI. Revista de Direito Tributário. São
Paulo, v. 7-8, ano III, p. 105-131, 1979, p. 109.
Segundo Cleber Giardino, “todas as vezes que se diz: estamos diante de um confli-
to, quer-se significar, na verdade, que estamos diante de uma situação de maior ou
menor dificuldade no sentido de corretamente interpretar o texto constitucional.
Portanto, poder-se-ia encaixar a expressão ‘conflito’ no plano da interpretação jurí-
dica, no plano do trabalho científico de localizar, na Constituição, o verdadeiro con-
teúdo das normas de competência”. Ibidem, p. 112.
280. VIEIRA, José Roberto, O Papel da Lei Complementar no Estabelecimento das
Fronteiras IPI x ISS: Óculos para macacos. In: MOREIRA, André Mendes et al.
(orgs.). Sistema Tributário Brasileiro e as Relações Internacionais. São Paulo: Noe-
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CONFLITOS DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ENTRE O ISS, ICMS E IPI
De fato, não há de se falar em conflito de competência se
a análise do problema estiver circunscrita ao texto constitu-
cional. O conjunto de normas constitucionais que atribuem
competência aos entes políticos, em si, não guarda antino-
mias, não sendo conflitantes. O conflito de competência pro-
cede, naturalmente, de um problema hermenêutico e surge
no curso do processo de positivação do direito tributário. Por
não compreender adequadamente os limites estabelecidos
nas normas de competência, o intérprete/aplicador edita nor-
ma jurídica em desacordo com o sistema tributário nacional.
Em que pese os conflitos não estarem localizados nas nor-
mas de competência legislativa construídas a partir do texto
constitucional, ainda assim, preferimos a expressão conflitos
de competência. Justificamos nossa opção.
Quanto à expressão conflito de leis, entendemos inade-
quado o seu emprego, pois além de o termo leis poder ser em-
pregado em várias acepções, como já assinalou Tárek Moyses
Moussallem,281 o seu sentido comum nos afasta dos casos de
ses, 2013, p. 567.
José Roberto Vieira adverte que, antes de conflitos de leis, temos conflitos de inter-
pretação. Segundo o autor: “Instala-se o conflito de leis infraconstitucionais apenas
e tão somente porque ele foi antecedido de interpretações constitucionais assinala-
das pela fragilidade e insuficiência, pela debilidade e imperfeição. Assim, só se esta-
belecem os conflitos de leis quando precedidos de conflitos de interpretações. Eis,
aqui, a natureza constitucional daquilo que a doutrina versa como ‘conflitos de
competência’: secundariamente, conflitos legais; primariamente, conflitos herme-
nêuticos”. (grifos removidos). Ibidem, p. 59.
No mesmo sentido, Roque Antônio Carrazza: “Os ‘conflitos’ entre o ICM e o ISS só
existem na mente do doutrinador, do intérprete ou do aplicador do Direito e, assim,
são fruto do erro, a dizer, da inexata compreensão dos desígnios constituintes”.
CARRAZZA, Roque Antonio. Conflitos de Competência – Um caso concreto. São
Paulo: RT, 1983, p. 78.
281. Tárek Moyses Moussallem esclarece que as expressões como Constituição
Federal, emenda constitucional, lei complementar, leis ordinárias, leis delegadas
etc. são empregados em dois sentidos: “(1) ora para designar o documento
normativo ou texto jurídico – folha de papel escrita, na qual se encontra a expressão
material das regras jurídicas; (2) ora para indicar os instrumentos introdutórios de
regas – os modelos estipulados pelo ordenamento jurídico para imitir regras no
sistema”. MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. São Paulo:
Max Limonad, 2001, p. 97-98.

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