Conflitos e resistência: comunidades tradicionais pesqueiras da Bahia

AutorKassia Aguiar Norberto Rios
CargoProfessora Assistente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) no Centro de Ciência e Tecnologia em Energia e Sustentabilidade (CETENS) - Campus de Feira de Santana. Bacharel e Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE - (2008). Especialista em Metodologia de Ensino na Educação Superior pela Faculdade da ...
Páginas162-179
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Cadernos do CEAS, Salvador, n. 237, p. 347-364, 2016
CONFLITOS E RESISTÊNCIA: COMUNIDADES TRADICIONAIS
PESQUEIRAS DA BAHIA
Conflict and resistance: traditional fishing communities in Bahia
Kassia Aguiar Norberto Rios
Resumo
Uma das temáticas que têm ganhado relevante destaque nas últimas décadas, no cenário nacional, refere-
se aos constantes conflitos envolvendo comunidades tradicionais. No Brasil, existem atualmente cerca
de 6 milhões de pessoas que compõem as comunidades tradicionais, sejam estas: indígenas,
quilombolas, extrativistas, pescadores, ribeirinhos, etc. O presente trabalho tem como objetivo, analisar
o cenário que envolve historicamente as comunidades pesqueiras da Bahia, com destaque para as
contradições que estas têm vivenciado e as ações de resistência empreendidas. Considerada a principal
atividade econômica de inúmeras comunidades tradicionais litorâneas /ribeirinhas do estado, a prática
da pesca artesanal é caracterizada por extremos laços de identidade, pertencimento e principalmente,
respeito, onde são desenvolvidos valores simbólicos e materiais que asseguram o seu modo de vida
tradicional e, por vez caracterizam suas territorialidades. Especificidades, na maioria das vezes,
invisibilizadas pelo Estado e/ou empresas privadas (nacionais/internacionais), quando da
desestruturação e/ou retirada de uma comunidade de seu território para implantação de grandes obras.
Daí a luta e as inúmeras ações de resistência e reivindicação dessas comunidades pela regularização de
seus direitos territoriais.
Palavras-chave: Pescadores Artesanais. Contradições. Resistência. Territórios Pesqueiros.
INTRODUÇÃO
Uma das temáticas que têm ganhado relevante destaque nas últimas décadas, no
cenário nacional, refere-se aos constantes conflitos envolvendo comunidades tradicionais. No
Brasil, existem atualmente cerca de 6 milhões de pessoas que compõem as comunidades
tradicionais, sejam estas: indígenas, quilombolas, fundo e fecho de pasto, caiçaras, extrativistas,
pescadores, ribeirinhos, etc. (CPT, 2014). De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra
Professora Assistente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) no Centro de Ciência e
Tecnologia em Energia e Sustentabilidade (CETENS) - Campus de Feira de Santana. Bacharel e Licenciada em
Geografia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE - (2008). Especialista e m Metodologia de Ensino na
Educação Superior pela Faculdade da Cidade do Salvador (2010). Mestre em Geografia pela Universidade
Federal da Bahia - UFBA - ( 2012). Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal da Bahia - UFBA -,
vinculada a linha de pesquisa: Organização do Espaço Rural. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa GeografAR -
A geografia dos Assentamento na Área Rural (UFBA/POSGEO/CNPq). Membro da Rede Interdisciplinar de
Pesquisa-ação em comunidades pesqueiras tradicionais da Bahia (UFBA). Dedica-se aos estudos e pesquisas no
âmbito da Organização/Produção do Espaço Rural, atuando principalmente nos seguintes temas: questão agrária
e educação do campo; p rodução do espaço agrário; apropriação do espaço em zonas costeiras, territo rialidades
das comunidades tradicionais pesqueiras, Cartografias Sociais e áreas afins. E-mail:
kassia_arodrigues@yahoo.com.br
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(CPT), o número de conflitos (com fazendeiros, empresários, poder público, grileiros,
mineradora, hidrelétrica, etc.) existente no campo é preocupante, principalmente, porque mais
de 60% desses envolvem diretamente comunidades tradicionais.
Outro dado importante refere-se aos conflitos pela água que, segundo a CPT,
aumentaram de forma vertiginosa. “Os conflitos pela água estão relacionados às disputas pelo
território, onde o capital sempre quer tornar privados os espaços comuns do povo e,
principalmente, os das comunidades tradicionais que vivem em torno da natureza e das águas”
(PACHECO, 2013, p. 98).
No ano de 2013, foram identificados mais de 100 conflitos pela água (barragens e
hidrelétricas, mineradoras, poluição e apropriação privada), envolvendo mais de 31 mil
famílias. A destacar na escala regional, a região Nordeste com 43,26% dos conflitos existentes
e, na escala estadual, o estado da Bahia com 25,96% das ocorrências, o maior percentual de
conflitos pela água do país, seguido do estado do Pará, com 16,35% (PACHECO, 2013).
No estado da Bahia, os conflitos pela água envolvem cerca de 600 comunidades
tradicionais pesqueiras (litorâneas e ribeirinhas), distribuídas em aproximadamente 124
municípios e que sobrevivem direta/indiretamente da pesca artesanal. Observa-se que, a cada
ano, os conflitos pelo uso/apropriação/controle dos territórios pesqueiros têm-se intensificado
(figura 1).
Eu olho para a minha Bahia, olho para o mar, para nossos rios, os mangues e vejo
como é triste a máquina destruidora do capitalismo tentando levar, ocupar e
acabar com tudo, para colocar as indústrias que tanto gera lucro para alguns
poucos. Chegam em nossas comunidades e simplesmente vão ocupando,
desmatando, construindo, contaminando, expulsando, como todo o nosso território
pesqueiro fosse deles! Para eles somos invisíveis, a nossa história, a nossa
atividade, não existe! E quando algum que enxergue, o discurso é o mesmo,
somos atrasados! Mas a gente não cede, a gente luta e luta muito, todo dia contra
esse sistema concentrador, destruidor e excludente! A gente luta e vai mostrando,
de onde é que sai o pescado brasileiro. É de nossas mãos, dos milhares de
pescadores artesanais existentes no País! (Informação verbal)
1.
No litoral, existem cerca de 472 comunidades tradicionais pesqueiras identificadas,
distribuídas em 44 municípios, agrupados em cinco setores de pesca: Litoral Norte, Baía de
1 Depoimento de um pescador do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), obtido em pesquisa
de campo realizada no mês de novembro de 2014.

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