Conflitos trabalhistas e autonomia privada coletiva

AutorGeorgenor de Sousa Franco Filho
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho de carreira do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Páginas434-454

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1. Greve
1.1. Considerações gerais

No pensamento de Alfredo J. Ruprecht, a greve tem uma natureza de ato complexo, afirmando que, é evidente que se trata de um direito, mas como direito se exerce na condição de se cumprirem as formalidades legais, o que faz que seja um ato jurídico. Só quando respeitados todos os requisitos externos e internos é que se está na presença de um determinado direito1.

Ensinam Rivero & Savatier que:

dans une perspective non pas juridique, mais sociologique, la greve suppose, à la base, l’existence d’un groupe social placé dans une situation de dépendance à l’égard d’une autorité quelcon que, privée ou publique, mais susceptible, par la suspension de son activité, de perturber les intérêts dont cette autorité a la charge (intérêts financiers de l’entreprise, intérêt de la paix publique, du bon fonctionnement des services, etc.).

E, concluem, les grevistes, en provoquant cette perturbation, espérent obtenir, de celui dont ils dépendent, les avantajes qu’ils désirent2.

A OIT tem reconhecido que le droit de gréve est un des moyens essentiels dont disposent les travailleurs et leurs organisations pour promouvoir et pour défendre leurs intérêts économiques et sociaux3. Trata-se de uma prática omis-siva, exercitável coletivamente4, pela origem histórica do próprio instituto e suas finalidades, decorrente a expressão de manifestação ocorrida, em Paris, na Place de la Grève.

Em França, Rivero & Savatier conceituam-na como la cessation concertée du travail par les salariés, envue de contraindre l’employeur, par ce moyen de pression, à ceder à leurs revendications sur la question qui fait l’objet5, e a jurisprudência francesa a definiu como la cessation concertée du travail en vue d’apuyer des revendications professionelles dé jà déterminées aux quelles l’employeur refuse de donner satisfaction6.

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Nessa mesma linha está Despax, que entende tratar-se de meio de pressão também sobre os poderes públicos, e escreveu que é l’arme syndicale per excelence,7 porque é o único recurso de que dispõe o grupo de trabalhadores para obter atendimento às suas reivindicações. Acrescentamos que é o último que deve ser usado, após expirarem todas as formas de uma solução pacífica do conflito.

Nipperdey, na Alemanha, entende que: la huelga es la suspensión del trabajo ejecutada en común y conforme a un plan por un número considerable de trabajadores, dentro de una profesión o empresa, suspención decidida com un fin de lucha, pero com la voluntad de continuar el trabajo una vez logrado este fin o terminada la huelga8.

Trueba Urbina opina que es la suspención colectiva de labores, cuyo objeto fundamental es mejorar las condiciones o el redimiento económico del trabajo, o de ambos a la vez9.

De La Cueva apresenta extenso enunciado, envolvendo aspectos econômicos e sociológicos do movimento. Afirma o jurista mexicano tratar-se de:

la suspensión concertada del trabajo, llevada al cabo para imponer y hacer cumplir condiciones de trabajo, que respondan a la idea de la justicia social, como un régimen transitório, en espera de una transformación de las estructuras políticas, sociales y jurídicas, que pongan la riqueza y la economía al servicio de todos los hombres y de todos los pueblos, para lograr la satisfacción de la necesidad10.

Alguns Códigos do Trabalho definem greve. O da República Dominicana (art. 368) diz que é a suspensão voluntária de trabalho concertada e realizada coletivamente pelos trabalhadores em defesa de seus interesses comuns. O do Panamá (art. 475) a entende como o abandono temporário do trabalho em uma ou mais empresas, estabelecimentos ou negócios, acordado e executado por um grupo de cinco ou mais trabalhadores, e, ali, o número de greves tem sido relativamente reduzido, como apontado por Murgas Torraza11. A LFT do México considera que a greve é a suspensão temporária do trabalho levada a cabo por uma coalizão de trabalhadores (art. 440).

Carlos Maximiliano afirmou que a greve é a suspensão temporária do trabalho, como resultado de uma coalizão (Pontes de Miranda) entre trabalhadores para a defesa de um interesse comum12. Bueno Magano assinalou, na primeira edição do terceiro volume de seu Manual, ser o poder do grupo social que se manifesta através de atividade tendente à realização de um interesse coletivo, mediante a suspensão coletiva e temporária do trabalho dos trabalhadores pertencentes ao mesmo grupo13. Gomes & Gottschalk opinaram no sentido de que é uma declaração sindical que condiciona o exercício individual de um direito coletivo de suspensão temporária do trabalho visando à satisfação de um interesse profissional14. Sinagra, na Itália, dizia que lo sciopero é, precisamente, lo strumento col quale le associazioni sindacali dei lavoratori attuano l’autodifesa economica collettiva nei confronti dell’associazione sindacale contrapposta dei datori di lavoro, cercando di coagire sulla volontà dei datori di lavoro per la tutela d’un interesse collettivo professionale15.

Demonstra-se, então, a confirmação dos elementos indicados acima, por isso é de todo admissível acolher a definição de Roberto Barreto Prado de que o direito de greve é:

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a recusa concertada de cumprir as obrigações decorrentes dos contratos de trabalho, por parte dos trabalhadores, legitimamente representados, para que obtenham o acolhimento de reivindicações de caráter profissional 16 .

Essas indicações doutrinárias permitem pinçar alguns elementos frequentes em todos os conceitos: a greve é

(1) um movimento concertado de trabalhadores, (2) de duração limitada, (3) visando a obter melhores condições gerais de trabalho, (4) exercitado coletivamente, de regra através dos respectivos sindicatos17, com (5) o restabelecimento do cumprimento das obrigações por parte dos grevistas com relação ao empregador ao seu término.

A greve, então, serve, como e enquanto paralisação concertada, para buscar obter novas, melhores, mais justas e mais adequadas condições de trabalho, com o retorno à atividade temporariamente interrompida, ao sucesso das pretensões, podendo sua natureza jurídica ser considerada como um direito individual de exercício coletivo, embora não seja de todo absurdo considerar a possibilidade de uma greve individual, que seja causa de interrupção e não de suspensão do contrato de trabalho, como o caso da greve ambiental trabalhista (v., neste Capítulo, abaixo, n. 1.7).

1.2. Histórico

A greve resulta do trabalho prolongado e da remuneração baixa, que ensejaram consequentes reivindicações da classe operária. Conforme registra a encíclica Rerum Novarum, ao invés de impedi-la, devem ser criados mecanismos para regular seu exercício e é imperioso que sejam removidas suas causas.

Na antiguidade, a greve era considerada um delito. Passou a ser reconhecida como uma liberdade. E, hodiernamente, é induvidoso que se trata de um direito do trabalhador.

A denominação tem origem de uma praça, a Place de la Grève, em Paris, onde operários se reuniam a fim de reivindicar melhorias em suas condições de trabalho.

Não é uma prática recente, e alguns doutrinadores pretendem situar sua ocorrência na antiguidade, embora não fosse com as características de hoje, mesmo porque havia a prática da escravidão e servidão.

A partir do final do século XVIII passou a ser considerada um delito. Foi assim com a Lei Le Chapelier, na França, da mesma forma como era considerada tal na Itália, Bélgica, Espanha, Inglaterra e Portugal.

Discriminalizada por alguns países, no século XIX passou a liberdade, e foi exercida como tal até ser reconhecida como direito, o que ocorreu já no século XX, por várias constituições, como a Italiana de 1947.

No Brasil, sua história é semelhante, tendo inclusive sido considerada um recurso antissocial pela Constituição de 1937, sendo reconhecida como direito pela Constituição de 1946, e assim conservada pelas demais.

A partir de 1988, a greve está consagrada no art. 9º da Constituição, nos seguintes termos:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

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Como se constata, a amplitude do exercício do direito de greve atualmente no Brasil atribui aos trabalhadores interessados deliberar quando pretendem paralisar e o que pretendem buscar como fruto da paralisação.

Para tratar dos serviços ou atividades essenciais foi editada a Lei n. 7.783, de 28.06.1989, que trata igualmente dos abusos praticados, a ser abordada mais adiante.

1.3. Tipos

As greves podem ser típicas ou atípicas. Nas primeiras, a paralisação dos serviços pode ser por prazo determinado, quando se trata de uma greve de simples advertência, ou por prazo indeterminado, que é a que...

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