Conhecimento, verdade e direito

AutorFabiana Del Padre Tomé
Páginas1-56
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CAPÍTULO 1
CONHECIMENTO, VERDADE E DIREITO
1.1 Algumas palavras sobre o constructivismo lógico-
semântico
Muito se tem enaltecido a presença do método na com-
posição do trabalho científico. Isso ocorre porque não existe
conhecimento sem sistema de referência: este é condição sem
a qual aquele não subsiste. É por se colocarem em um tipo
de sistema de referência que os objetos adquirem significado,
pois algo só se apresenta inteligível na medida em que conhe-
cida sua posição em relação a outros elementos, tornando-se
clara sua postura relativamente a um ou mais sistemas de re-
ferência. Sistema de referência, segundo Goffredo Telles Jú-
nior1, consiste no universo cognitivo do sujeito. Cada ser hu-
mano “possui um conjunto ordenado de conhecimentos, uma
estrutura cultural, que é seu próprio sistema de referência,
em razão do qual atribui a sua significação às realidades do
mundo”. Desse modo, nenhum conhecimento é absoluto, mas
dependente do sistema de referência.
1. O direito quântico, p. 289.
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FABIANA DEL PADRE TOMÉ
Nesse contexto, o método seria, em princípio, o meio es-
colhido pelo sujeito do conhecimento para aproximar-se do
objeto por ele mesmo delimitado e, portanto, constituído no
próprio processo de cognição. A eleição e aplicação de um
específico método, entretanto, encerram imensa gama de di-
ficuldades, que se acentuam, incisivamente, quando se pre-
tende o estudo de um objeto cultural, como é o caso do direito
positivo.
O direito positivo, como genuína construção cultural que
é, comporta muitas posições cognoscentes, podendo ser ob-
servado por ângulos diferentes, como se dá com a História do
Direito, com a Sociologia do Direito, com a Dogmática Jurídi-
ca ou Ciência do Direito em sentido estrito, com a Antropolo-
gia Jurídica, com a Filosofia do Direito, apenas para salien-
tar alguns saberes igualmente dotados da mesma dignidade
científica. Diante de tanta variedade, eventual descaso pelo
método, decorrente da ânsia de oferecer farta cópia de infor-
mações, acaba por impedir o conhecimento. Não se pode dis-
sociar a prática da teoria, pois tal pretensão acarreta notícias
desordenadamente justapostas ou sobrepostas, bem como da-
dos da experiência jogados ao léu. Para que isso não ocorra,
faz-se necessária uma organização do campo empírico, reali-
zada por três vieses: (i) no âmbito filosófico, mediante análise
epistemológica; (ii) no âmbito conceitual, tendo como ponto
de partida a Teoria Geral do Direito; e (iii) no âmbito factual,
por cortes metodológicos das multiplicidades dos fenômenos
concretos. Somente por meio desse aperfeiçoamento teórico
que se alcançará o aprofundamento do conhecimento do di-
reito positivo.
Essas breves anotações sobre a importância do método e
do sistema de referência, bem como das dificuldades inerentes
ao estudo dos objetos culturais, como é caso do direito, já
permitem entrever a relevância do constructivismo lógico-
semântico. O estudo da teoria da linguagem tem finalidade
específica de identificar instrumentos teóricos que permitam
melhor compreensão e operacionalização da experiência
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A PROVA NO DIREITO TRIBUTÁRIO
jurídica. Dessa forma, busca atender-se à sempre recomendável
intersecção entre teoria e prática, entre ciência e experiência,
ampliando, assim, o universo das formas jurídicas.
O constructivismo lógico-semântico configura método de
trabalho hermenêutico orientado a cercar os termos do dis-
curso do direito positivo e da Ciência do Direito para outor-
gar-lhes firmeza, reduzindo as ambiguidades e vaguidades,
tendo em vista a coerência e o rigor da mensagem comuni-
cativa. No Brasil, esse método foi desenvolvido e aplicado,
pioneiramente, por Lourival Vilanova, que se dedicou ao
aprofundado estudo do discurso normativo. Foi por meio do
constructivismo lógico-semântico que o direito retomou suas
discussões filosóficas, permitindo, inclusive, o reencontro de
diversos ramos do direito com suas origens na Teoria Geral
do Direito.
O próprio nome constructivismo lógico-semântico foi atri-
buído por Lourival Vilanova. Parte de uma postura constru-
tivista, agregando-lhe o adjetivo composto lógico-semântico,
pois dirige sua atenção aos elementos do discurso.
O termo constructivismo2 é empregado para denominar
teorias que defendem a ideia de que há sempre intervenção
do sujeito na formação do objeto. É palavra ligada ao contex-
to epistemológico. Contrapõe-se à corrente descritivista, que
concebe o conhecimento ao modo aristotélico, como um pro-
cesso de assimilação das formas.
Para o constructivismo, o mundo é uma entidade cuja
morfologia não aparece independe dos sujeitos que formam
parte dele. A evolução das ciências, mesmo as chamadas ciên-
cias naturais, demonstra isso. É com frequência que ouvimos
falar em criação de grandezas, como força e aceleração; na
identificação de novos elementos, como quando se desmem-
brou os átomos (até então indivisíveis), em prótons, nêutrons
2. Tendo em vista tratar-se de uma Escola de Pensamento, utiliza-se a denominação
que lhe foi atribuída por Lourival Vilanova, conservando-se o “c mudo”.

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